sexta-feira, 30 de abril de 2021

AC - Expedição Chandless - Desbravando o desconhecido


Parque Estadual Chandless
Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Viajar é uma das coisas mais importantes da minha vida, seja na vida real ou em pensamento. Eu sempre digo que viajo três vezes numa única viagem, quando planejo, quando realizo e quando a recordo. Viajar por outras realidades desbravando o desconhecido é um presente dos deuses. É usar os cinco sentidos em busca da inebriante satisfação do corpo e da alma. Uma sensação de infinitude. Puro e simples prazer. Sem medo de ser feliz. Sem passado ou futuro. Apenas presente. Como eu disse, um presente dos deuses. E essa viagem que vou lhes contar a seguir foi realmente um grande presente.

O ano de 2019 foi um ano intenso, cheio de viagens sensacionais. Eu mal chegava de uma e já me preparava para outra. Descarregava os cartões, postava os lifers (novas espécies fotografadas) e já partia para a próxima. Com isso houve um acúmulo muito grande de fotos pra tratar, para postar no Wikiaves, nas listas do eBird, bem como descrever cada aventura aqui no meu Bloguinho. E assim eu virei o ano com muitas pendências. 

Em 2020 eu me preparei exclusivamente durante os meses de janeiro e fevereiro para ir para a África do Sul e, quando voltei, estávamos em pandemia e logo em seguida em "lockdown" (confinamento). Demorei a internalizar o que estava acontecendo. Vieram muitas mudanças de rotina, muitos planos foram por água abaixo, muito choro foi engolido, enfim ... a gente precisou encher o tempo e a cabeça e buscar sobreviver ao confinamento de alguma forma. Confinamento que teve algumas pausas e voltou, perseverando até os dias de hoje. Por isso eis-me aqui aproveitando o tempo e colocando um pouco de ordem nas minhas coisas.

Decidi começar por uma das viagens mais complexas e intensas que fiz em 2019. Havia um bom tempo que vinha conversando com o amigo Ricardo Plácido sobre uma possível ida ao Parque Estadual Chandless, que fica no município de Manoel Urbano no Acre. Salvo engano desde 2017, logo depois que voltamos da nossa expedição à Serra do Divisor (leia mais aqui e aqui). 

Ricardo é biólogo da Secretaria de Meio Ambiente do Acre (SEMA) e atualmente gestor do PE Chandless. Na época formatamos um projeto que visava avaliar o potencial da observação de aves no Parque. Eu lembro bem como foi, por um bom tempo o plano ficou parado e foi quase esquecido. O Ricardo estava sempre enrolado em outros projetos e eu viajando por aí. Quase desistimos, até que um dia falamos seriamente e resolvemos por este plano em execução.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares
 
No início definimos ir eu e ele apenas, mas achei que o resultado poderia ser melhor se fosse gente com experiência maior que a minha. Chamei o amigo Guto Carvalho, que, a princípio topou, mas posteriormente declinou do convite por causa de compromissos inadiáveis. 

Em um dos nossos "happy hours" aqui em São Paulo, o amigo Fabio Olmos perguntou quais eram meus próximos destinos, quando citei o Chandless, ele disse que interessava muito conhecer esse lugar, que gostaria de nos acompanhar e que, inclusive tinha um projeto para apresentar ao Governo do Acre sobre utilização de UCs. Falei com o Ricardo sobre a possibilidade do Fabio ir com a gente e ele concordou. 

Conversando num grupo de WhatsApp sobre o Chandless e minha provável ida, o amigo e profundo conhecedor de aves amazônicas Robson Czaban disse que gostaria muito de ir com a gente e conhecer o Chandless. Novamente falei com o Ricardo e assim fechamos a equipe do projeto em cinco pessoas, pois Jesus Rodrigues, gestor do Parque na época, iria nos acompanhar. No entanto, Jesus teve problemas e não pode ir. 

Iríamos nós quatro e mais uma equipe de apoio da SEMA, entre eles o Valfredo (motorista, barqueiro, chefe de navegação e logística), na realidade ele era o nosso "MacGyver", resolvia tudo que é problema que surgia. Juntou-se a nossa equipe a agente administrativa da SEMA, Darlete Oliveira, a quem carinhosamente apelidei de Dadá. Foi ela quem cuidou da gente o tempo todo, estilo mãezona mesmo. Ai que saudades do cafezinho da Dadá, do pão com ovo bem cedo, da tapioca e do jeito carinhoso de nos tratar.
 

Parque Estadual Chandless


Parque Estadual Chandless é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, criada pelo Decreto 10.670, de 02/09/2004. Possui área de 670.135 ha e abrange os municípios de Santa Rosa do Purus, Manoel Urbano e Sena Madureira, embora a maior parte esteja situada em Manoel Urbano.

Fonte: SEMA/AC

Fonte: SEMA/AC

Seus limites são: ao norte, a Terra Indígena Alto Rio Purus e o Projeto de Assentamento Santa Rosa; ao sul, Terra Indígena Mamoadate e Seringal Santa Helena; ao leste, Reserva Extrativista Cazumbá e a Floresta Nacional do Macauã; e ao oeste, a República do Peru. 

Seu nome faz referência ao Rio Chandless, que drena a Unidade no sentido sudoeste-nordeste e nasce no Peru. Por sua vez o rio faz homenagem ao explorador William Chandless, que esteve na Amazônia em 1864-66, percorrendo o rio Purus. Seu objetivo era mapear todo o rio Purus até a nascente, entretanto, este feito não foi realizado, por conta da dificuldade de acesso e logística.
 
Rio Chandless - Foto: arquivo pessoal Silvia Linhares

O acesso à área é considerado extremamente difícil e feito inicialmente por via terrestre saindo de Rio Branco até Manuel Urbano e deste até a sede da UC por via fluvial. Também é possível acessar a UC por fretamento aéreo, saindo de Rio Branco e pousando na Unidade. A vegetação do local também é considerada inóspita devido à presença de florestas com alta concentração de bambu com espinho.

A área está totalmente situada dentro dos limites do corredor verde do Oeste da Amazônia, um dos cinco para a região Amazônica estabelecida pelo IBAMA. Está também adjacente a áreas protegidas e Terras Indígenas no lado peruano, onde recentemente espécies raras e endêmicas foram identificadas.

Estudos indicam que o Parque constitui-se em um dos centros de distribuição do bambu, os chamados "tabocais" do sudoeste da Amazônia, agregando uma diversidade de animais e plantas exclusiva daquela paisagem. Todos esses elementos tornam o Parque Estadual Chandless um lugar agradabilíssimo que deve ser mantido para as atuais e futuras gerações.

As aves do Acre


Quando a gente consulta o eBird ou o Wikiaves, verificamos em torno de 650 registros de espécies de aves para o Acre todo. Há uma riqueza de espécies ainda não descobertas na região onde se situa o Parque, que carece de um pouco mais de exploração.

O Acre é o Estado que possui as espécies de aves mais raras do Brasil, na minha humilde visão de "fotógrafa de passarinhos". Desse total ainda me falta registrar pelo menos umas 50. Mas quando estou lá eu fotografo qualquer espécie a minha frente, seja nova ou não para mim. Enfim, se há um lugar para o surgimento de novidades, esse lugar é o Acre. Quase tudo é subespécie. Sem contar as espécies novas ainda não descobertas ou descritas.

Queria aqui ressaltar o excelente trabalho feito pelo Professor Edson Guilherme na edição do Guia de Aves do Acre, de 2016, cujo projeto gráfico e capa foram idealizados pelo querido amigo Tancredo Maia Filho. Vários amigos participaram com doação de fotos, inclusive eu. Esse guia é muito completo e, embora careça de atualização em alguns pontos, ele contém uma importante informação pelo menos para mim, que sou uma simples observadora: a taxonomia, conforme exemplo a seguir:

"- rapazinho-carijóBucco tamatia, Gmelin, 1788 - Spotted Puffbird 
São reconhecidas quatro subespécies. A forma que ocorre no Acre é a B. t. pulmentum (Pinto, 1978; Hoyo et al., 2002). "

OBS: Utilizei a taxonomia descrita em cada espécie pelo Professor Edson Guilherme no Guia de Aves do Acre nas minhas listas do eBird. Foi importante para o meu aprendizado e para ampliar meus conhecimentos.

Baixe aqui gratuitamente o Guia de Aves do Acre

Isso para mim, depois da "dura" que um dia eu recebi do amigo Fabio Olmos, me possibilitou fazer o dever de casa, coisa que só o antigo e caríssimo HBW - Handbook of the Birds of the World, hoje incorporado ao e-Bird, propiciava.

Eu tive o prazer de conhecer o professor em 2014, na minha primeira expedição ao Acre. 

O professor Edson Guilherme à esquerda - UFAC - 2014

Mas por que estou levantando esse tópico aqui e não vou logo para os "finalmentes" da viagem? 😃😃 Calma! Se você chegou até aqui, já sabe que escrevo muito e gosto de explicar tudo direitinho.


A nova lista das espécies do Brasil


E falando em taxonomia, todos sabemos que quem padroniza nossas espécies de aves é o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos - CBRO. Os dados científicos produzidos pelos pesquisadores são compilados numa lista. Nesse momento, no meio dos passarinheiros (leia-se observadores de aves) – aguarda-se com muita ansiedade a atualização da famosa e importante lista de aves do Brasil, que mostrará muitas subespécies recentemente reconhecidas como espécies independentes, entre outras ocorrências. 

O Acre tem um papel importantíssimo nesses estudos, pois quase tudo que ocorre lá é bem específico e acaba virando uma nova espécie. Fora o que ainda tem para ser descoberto.

Hoje nós, observadores de aves, nos deparamos com um sério problema: nossa lista está bem defasada, além de incompatível com outras listas utilizadas. Os dados do CBRO são de 2015. São os mesmos utilizados no site Wikiaves, nossa maior biblioteca online, onde eu contabilizo as espécies de aves que registro.

Já o Comitê de Classificação da América do Sul - South American Classification Committee - SACC, responsável por uma classificação padrão para as espécies de aves da América do Sul está com uma versão atualizada de março de 2021.

O site onde faço minhas listas em campo, o eBird da Cornell Lab of Ornithology, usa uma lista chamada Clements, cuja versão é de 2019.

Mas para nós vale o que o CBRO proclamar. Já é confuso aprender sobre as aves, imagina dessa forma então, difícil fazer o dever de casa, né? Mas eu fiz uma baita planilha contendo tudo que já registrei e como encontrar esses registros no e-Bird e no Wikiaves. Trabalho de formiguinha. Veja abaixo o início da planilha que montei e constantemente alimento.

Print do início da minha planilha comparativa das espécies que já registrei

Volta e meia vejo amigos "descendo a lenha" no CBRO como se essa entidade fosse a única responsável por manter atualizada a citada lista.

Sim, eles são os responsáveis, mas, como eu disse, eles compilam trabalhos científicos em uma lista. E o fazem de forma voluntária, pois não existe uma verba ou contribuição para seus membros.

E o que seriam esses trabalhos científicos? Primeiro, vamos nos perguntar: como se originam as espécies? R - Uma população (conjunto de indivíduos da mesma espécie) compartilha, entre seus membros, um conjunto gênico ou um fundo genético comum que, logicamente é separado de conjuntos gênicos de outras espécies.

Ah! "Páára!" Eu não quero saber de processo de conjunto gênico, especiação simpátrica, alopátrica, de anagênese ou cladogênese, etc. Não faço nem ideia do que ou quem são. Se eles tem perfil no Instagram ou não (brincadeirinha). 

Eu e o resto da nação passarinheira queremos apenas saber as novidades, se teremos ou não na nova lista bastantes novas espécies para correr atrás.

Bom, perguntando ao nobre Diretor do CBRO, meu amigo Vitor Piacentini, se uma determinada espécie entraria para a próxima lista, ele disse que não. Perguntei por que, se já tem tanto tempo que conhecemos o bichinho. Aí o meu amigo super querido me fez vítima das suas lamúrias, de acordo com suas próprias palavras.

Ele me disse que não entra justamente por faltar o nome científico. Eu resmunguei que: já que tem um bom estudo e se a questão é só o nome, eu posso batizá-lo então (ref. ao joão-do-norte). Ele riu e disse: "na verdade não tem esse bom estudo. Quando os pesquisadores que descobriram essa espécie se aprofundaram para descrevê-la formalmente em 2013, viram que a variação de plumagem e do canto é muito maior e parece misturar os padrões com outra espécie já conhecida, da Mata Atlântica."

Continuei, como boa virginiana que sou, tentando ver uma lógica nisso tudo, pois sabe-se que o estudo desse "estrupicinho" é antigo. Ele me respondeu que o motivo é simples: não tem material suficiente.

Perguntei, feito criança, um porquê atrás do outro, queria saber porque não, porque sim, enfim, como funciona. Em suma, ele me resumiu que o pesquisador para conseguir material, tem que ir a campo, fazer viagem, repetir em outros locais, buscar novas populações, conseguir dinheiro para sequenciamento genético, etc. E muitas vezes é preciso viajar para museus no exterior com vistas a comparar o material já disponível.

Tudo isso? Pensou que era simples ganhar um lifer?

Muitas vezes os cientistas têm que ficar uma semana ou duas no campo, pois nem sempre encontram a ave. Ou encontram, mas não conseguem gravação da voz que precisavam. Além disso, às vezes é necessário repetir o campo em outras estações do ano. Ou conseguem gravar, mas não conseguem coletar. Daí tem que renovar as licenças todas, ir atrás de liberar autorizações, tentar conseguir mais dinheiro pra repetir o campo, tomar paulada nas redes sociais por tentar fazer trabalhos robustos que envolvem coleta. Às vezes o museu recebe material na coleção, mas não tem taxidermista e aí é preciso contratar alguém de fora. Na maior parte das vezes esses estudos ou parte deles são custeados pela "Fundação Meu Próprio Bolso de Apoio à Ciência" (referência ao bolso do próprio cientista ou seu orientador), especialmente num país que não valoriza a Ciência.

É, meus amigos, conseguir viabilizar tudo isso no nosso país é bem difícil.

Então agora, antes que eu resolva fazer alguma crítica ao trabalho dessa galera, eu vou me lembrar sempre disso. E Vitor, Fernando Pacheco, Fernando Straube, Glayson Bencke e outros membros do CBRO, só me resta fazer votos que essa lista possa sair logo e parabenizar vocês e todos os nossos cientistas por realizar esse "penoso" trabalho. Sim, porque envolve muitas penas. (brincadeirinha). Olha só, desde já, coloco minhas fotos à serviço da Ciência, contem comigo sempre que precisarem.

Mas vamos em frente e contar como foi dia a dia dessa expedição. (se quiser ver todas as aves registradas, acesse o link do meu eBird ao final de cada dia relatado ou no meu perfil do site Wikiaves)


Sexta-feira - 20 set 2019


A oportunidade de conhecer essa distante terra enfim chegara. Esse acontecimento abria novos caminhos. Ser uma exploradora não era algo novo para mim, mas não desse jeito, num lugar tão inóspito. Nessa noite mal preguei os olhos. A ansiedade era tanta que me vi escrevendo no diário às 3:01h da manhã. Enfim, levantei, tomei meu café, chequei a bagagem para ver se não estava esquecendo nada. Assim as horas foram passando e quando vi já estava indo para o aeroporto. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares 

Meu voo saiu de Congonhas às 17 horas, fez uma parada em Brasília, que aproveitei pra lanchar. Cheguei em Rio Branco às 22:35 horas de lá, lembrando que lá o fuso é menos duas horas. No meu relógio era mais de meia noite quando cheguei. Fabio Olmos foi me buscar no aeroporto.

Ao chegar no hotel, tomei um rápido banho e fui logo dormir. No dia seguinte tinha um encontro marcado com os passarinhos.


Sábado -  21 set 2019


Ficamos hospedados no Hotel Maju, para facilitar a vida do Ricardo, uma vez que ele morava próximo. E foi muito bom, pois ao lado tinha um restaurante peruano chamado Cuzco, muito aconchegante, com uma gostosa comida e excelente atendimento.

Um pouco antes das 5 da manhã a gente já estava na entrada do Ramal do Noca. A passarinhada começou cedo. O café foi no mato mesmo.

Ricardo, eu, Fabio e Robson (arquivo pessoal Silvia Linhares)

Depois disso fomos correr atrás de passarinho, andando no meio do mato, do barro, tentando fotografar em lugares praticamente impossíveis ou melhor, impenetráveis, tanto para os pés quanto para os olhos. O que me doeu foi ver o tiê-preto-e-branco (Conothraupis speculigera), que era novidade para mim, se mandar na minha cara. Mal deu tempo de vê-lo de relance e ele se foi sem me dar nenhuma chance. Mas você fica com a sensação, ele vai voltar, né, ah! vai!

 
"os três mosqueteiros"

selfie com o barquinho ao fundo 

o barquinho com mata derrubada ao fundo - 😞🙍

Nesse dia eu fotografei ao todo 32 espécies. Três eram novas para mim: o zidedê-de-encontro (Euchrepomis humeralis) que me deu um baile danado, a freirinha-amarelada (Nonnula sclateri), uma "calma e comportada garota" da família dos Buconídeos. Apesar dela estar num local muito fechado e com quase nenhuma luz a foto ficou bonita. A terceira nova espécie do dia apareceu para a gente na beira da estrada, uma saíra-opala (Tangara callophrys) forrageando ao lado de um linda flor vermelha de maracujá (Passiflora coccínea), aí eu me acabei.

saíra-opala, freirinha-amarelada e zidedê-de-encontro 

Vimos "macaquinhos" pelo caminho também, salvo engano um lindo Sagui-imperador ou sagui-de-bigode (Saguinus imperator) se alimentando e um Macaco-prego (Sapajus macrocephalus) esperando "carona" numa curva.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Apesar de todo o emaranhado de galhos da vegetação acreana (tabocal), a gente consegue fazer umas fotos bem legais...às vezes... 😂😃😃😂😂👇

a maior parte do tempo é isso que a nossa lente vê 

Veja a seguir mais alguns dos destaques do dia (se quiser ver todas as aves registradas, acesse o link do meu eBird ao final de cada dia relatado ou meu perfil do Wikiaves):  Xexéu (Cacicus cela), capitão-de-bigode-limão (Eubucco richardsoni), surucuá-de-cauda-preta (Trogon melanurus), anambé-de-cara-preta (Conioptilon mcilhennyi), papagaio-campeiro (Amazona ochrocephala), maracanã-de-cabeça-azul (Primolius couloni), araracanga (Ara macao), ariramba-da-capoeira (Galbula cyanescens) e papa-lagarta (Coccyzus melacoryphus).

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Nosso jantar foi no Cuzco, onde eu matei saudades de comer ceviche*, acompanhado de pisco** para comemorar.

*Ceviche: prato da culinária peruana baseado em peixe cru marinado em suco de limão. O essencial é que o pescado seja branco, mas de carne firme; ou ainda de camarão, lagosta ou mesmo polvo.
**Pisco: bebida famosa no Peru, parecida com nossa caipirinha. Não é uma cachaça! É produzido a partir da destilação do vinho provenientes de alguns tipos de uva.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja a lista do dia

Sáb 21 set 2019 
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163198

Domingo - 22 set 2019


Nesse dia resolvemos explorar o Ramal do Noca um pouco mais. Tinha chovido muito durante a madrugada. O dia amanhecera nublado, mesmo assim nós fomos em frente. Chegando no local, por volta das 5:30h, paramos para tomar um cafezinho na entrada e vimos que o barro molhado não permitiria trafegar com o carro. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Resolvemos deixar o carro na entrada e ir a pé. Não sei se meus pés apreciaram a ideia, pois andamos mais de 6 km, com muita dificuldade. Veja no mapa essa linha azul, foi o caminho que fizemos à pé. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Meus pés incharam e ficaram em bolhas. O barro tabatinga não é um "barrinho" qualquer, é uma espécie de argila, que gruda nos pés e vai pesando, porque ele não larga de jeito nenhum. Veja meus pés abaixo antes no início e durante a caminhada.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Tentando tirar o barro na grama

E o pior, muito pouco bicho respondendo ou dando as caras. O tiê-preto-e-branco (Conothraupis speculigera) que eu tinha muita esperança, nem sombra. Mas teve tietinga (Cissopis leverianus) na florzinha. A festa ficou por conta de uma polícia-inglesa-do-norte (Sturnella militaris) e um pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos). Deu foto de quadro. Eu fiz até uma flor pra combinar. Um zog zog (Plecturocebus cupreus) parou para nos observar e ganhou uns cliques.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Voltamos para a cidade, almoçamos no Cuzco. À tarde rodamos por Rio Branco, sem encontrar uma "viva ave". Uma geladinha ajudou a esparecer a frustração um pouco. Acho que o tempo não estava bom para as aves, muito calor, chuvas, tempo abafado. O jeito foi se conformar e descansar para o próximo dia. Ser passarinheiro é um exercício constante de paciência e resiliência.

uma comidinha bem gostosa

Uma geladinha pra aliviar

Os meninos tentando achar algumas aves de cima da ponte 


e-
Bird
 - Veja a lista do dia

Dom 22 set 2019
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163217

Segunda-feira - 23 set 2019


Segunda participamos de uma reunião na SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Acre) com a diretora-executiva Vera Reis, onde foram colocadas as expectativas para com a nossa expedição ao Chandless. Foi muito bacana contar com esse apoio ao nosso projeto.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Depois do almoço, Ricardo tinha compromissos no trabalho com vistas a agilizar a logística da nossa expedição. Eu, Fabio e Robson seguimos adivinha pra onde? Para o Ramal do Noca. E como estava de bicho? Fraquinho, fraquinho. Fiz uma gravação de uma ave nova para mim, mas não consegui foto. A "infeliz" da sanã-de-cabeça-castanha (Anurolimnas castaneiceps) nem se dignou a dar as caras. Fiquei magoada com ela (kkkkkk). A mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis) ficou lá no alto, no limpo, fingindo de estátua, também nos ignorando por completo, mas eu gostei da foto. 

Escute o som acessando aqui 

mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis)

Não gosto de dizer que só porque a lista não tinha "trucentos" registros, não foi um dia bom. Todo dia é um dia bom. Cada dia é sempre uma caixinha de surpresas, sempre imprevisível tanto na parte agradável quanto na ruim. Nesse quesito há pouca margem de manobra. Então o melhor é abrir um sorriso e agradecer ainda poder ter florestas pra buscar passarinhos, mesmo que eles não apareçam ou fiquem longe dos seus olhos e da sua lente.

Mas tudo tem um ponto de equilíbrio. Uma tarde sem passarinhos foi compensada por uma noite entre amigos e muita conversa gostosa. Meu amigo acreano, mas residente em Brasília, estava em Rio Branco e foi nos encontrar. Pensa num ser incrível, iluminado, daqueles que você nem percebe as horas passarem. Obrigada Tancredo Maia, por participar desse momento tão gostoso com a gente.

Fábio, Eu, Tancredo e Robson

e-Bird - Veja a lista do dia

Seg 23 set 2019
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163239

Terça-feira - 24 set 2019


Mais um dia indo aonde? No Ramal do Noca, óbvio! Só que dessa vez o Fabio pediu pra eu ir dirigindo. Ricardo não poderia nos acompanhar novamente. Tivesse barro ou não, eu ia ter que enfrentar. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

E só posso adiantar que deu tudo certo. Até o sol resolveu vir nos iluminar. Isso que é "ser um ser" iluminado. 😂😂😂😂

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Os bichos estavam mais animados. A lista rendeu 20 registros, dentre eles uma importante nova espécie para mim. Mas o mais legal que quase me transformo de passarinheira em "macaqueira", pois foi dia de fazer muitos primatas: Sauim-de-cara-suja, (Saguinus weddellii), Sagui-imperador (Saguinus imperator) e Zog-zog (Plecturocebus cupreus). Nunca vi tantas espécies num dia só. São muito fofinhos e curiosos.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Mas a saga do dia foi conseguir uma fotinha, pelo menos, do "Drymo" - trovoada-listrada (Drymophila devillei). Ah! Deixa eu explicar isso. Como os meninos só conversavam em "cientifiquês", o Google Tradutor não possui pacote dessa linguagem e meu tradutor-mor, o Ricardo, não estava presente, não tive outra saída, apelei para o Merlin e eBird. 

Aos poucos o Fabio e o Robson se acostumaram a me falar apenas as duas primeiras letras de cada um dos nomes científicos e aí o meu eBird ou Merlin já traduziam pro "populês". Isso eu aprendi com o Guto Carvalho e ensinei para eles na hora.  Era só me dizer "Dr de" e o eBird já me dizia: trovoada-listrada. Não é que eu não goste de nomes científicos, é apenas porque não tenho nem nunca tive muita capacidade para memorizar certas coisas. 

Mas devaneios à parte, essa avezinha deu um baile que você não faz ideia. Tudo que um fotógrafo "adora": no alto, distante, se mexe muito e rápido, se esconde atrás de tudo que encontra, pula do breu total direto para a contraluz e ainda faz complô com as folhas e galhinhos para se enfiarem na frente bem na hora que você acha que vai conseguir "A FOTO". O bichinho é encardido. Mas "deu pro gasto", como se diz no popular. Para chegar na quarta foto dessa sequência, devo ter feito mais de 100 cliques.




a melhor fotinho do "Drymo", bem cropada

E um desses que eu diria que é impossível fazer fotão longe de bebedouro, me surpreendeu bem no meio da taboca, pousadinho, arrumando as peninhas pra sair bonito na foto. Obrigada minúsculo rabo-branco-rubro (Phaethornis ruber). Você arrasou e me fez muito feliz.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

joão-pinto (Icterus croconotus) também caprichou e avisou que ia pousar na florzinha, pra sair bonito na fita, digo, na foto. Até o arapaçu-meio-barrado (Dendrocolaptes picumnus) saiu lindão, apesar de não ser colorido. O chora-chuva-de-bico-amarelo (Monasa flavirostris) fez uma coreografia especial só pra virar quadro aqui em casa. Quer saber quais os bichinhos do dia? Acesse as listas nos links ao final do relato do dia.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Eu estou brincando, mas graças aos dois amigos que entendem muito de passarinhos, apesar de não saberem quase nada de nome popular, eu consegui alguns registros muito legais. Taboca não é fácil. 😃😃😃😃😃😃😃  Se você acha a floresta amazônica um lugar difícil de fotografar, eu diria que é um estúdio perto de um tabocal. Espia só como é intrincado nas fotos a seguir.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Na hora do almoço, voltamos à Rodovia AC 90 e fizemos uma paradinha básica na lanchonete do Tonho, com direito à salgados deliciosos, uma cervejinha e uma "siesta" antes de voltar para o barro.  

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Voltamos para o hotel já com o sol se pondo. Estava muito bonito. Depois jantamos no Cuzco e cada um foi pro seu quarto descansar.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja as listas do dia

Ter 24 set 2019 6:08h
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60092224

Ter 24 set 2019 - 13:50h
Rio Branco--Ramal do Noca 
https://ebird.org/checklist/S60163262


Quarta-feira - 25 set 2019

Amanheceu um lindo dia. Ainda sem poder contar com o Ricardo, que tinha tarefas no trabalho, adivinha pra onde fomos? Se disse Ramal do Noca, acertou. Você deve estar pensando, mas o post era sobre o Ramal Noca ou Chandless? kkkkkkk Acontece que o preparo para ir ao Chandless é custoso e demorado. Enquanto isso a gente ia se distraindo como dava e o melhor lugar em Rio Branco para passarinhar é, sem dúvida, o Ramal do Noca.

Chegamos bem cedinho e, em seguida, começamos a monitorar o movimento das aves. Estava difícil enxergar qualquer coisa na brenha. Então começamos a tocar play-back pra ver se alguma das aves que a gente queria respondia. 

Eu e Robson aguardando as aves

Combinamos que cada um dos três ia tocar o play-back de um possível bicho. A pedido do Fabio, eu passei a tocar o "malinha" ou barbudo-de-coleira (Malacoptila semicincta). Estava sendo penoso acompanhar o "cientifiquês" dos dois, parecia que eram dois vietnamitas conversando e eu, uma alienígena, pois eles também não sabiam nomes populares. A gente ia se virando como dava. Ao nosso redor aquelas brenhas "deliciosas" -> contém ironia. 😃😃😃😃😃😃

Consegue visualizar um passarinho aí? Não! Nem eu, mas tem... 😃

E nada de resposta, nada de movimento. De repente, pousa um bicho na contraluz, no limpo. Eu não consegui identificar o que era. Eu virei pro Fabio, na maior calma e disse: olha esse bicho, Fabio, se não for um chora-chuva, pode ser o malinha. 

Ele pegou seu potente binóculo Swarovski, olhou e virou rapidamente para mim, dizendo: é ele, desliga o play-back, desliga o play-back. Aí minha cabeça entrou em modo pânico. Até que desliguei o play-back, coloquei no bolso, me posicionei, preparei a câmera pra clicar, ele voou. Voou e ficou numa brenha horrorosa. Tentei me reposicionar, mas não conseguia ângulo. De repente ele se foi e não voltou. E foi assim que não consegui foto dessa espécie nova tão desejada. Depois que ele se foi descobri que era só ter subido num tronco que tinha no chão, embaixo de mim e fazer ele no limpo por cima da brenha. Decididamente ter um guia ao lado, cuidando de tudo, inclusive play-back, faz uma diferença enorme.

O jeito foi suspirar fundo e continuar procurando outros bichos. No Acre, quando não é taboca, é árvore de "trucentos" metros de altura. Tinha uma fruteira no meio do mato, que se sobressaia das demais árvores. Estava carregada de frutinhas e tinha muito movimento. Nós nos posicionamos da melhor forma possível. O Fabio e o Robson conseguiram identificar algumas raridades, sendo que duas delas eram espécies novas para mim. 

Mas sabe aquela máxima "de noite todo gato é pardo", no birdwatching é assim: "no alto, todo movimento é lifer!" E ficar olhando pra cima muito tempo dói, dói tudo, pescoço, ombros, braços, coluna, até os fios de cabelos. kkkkk

Os olhos começam a embaçar, a embaralhar, dá tontura, etc. O Fabio até deitou no chão arriscando sair cheio de carrapatos, para nem citar os demais peçonhentos que poderiam habitar aquele colchão de folhas secas. 

O Fabio deitado e a visão que ele tinha

O mais difícil foi enxergar o periquito-da-amazônia (Nannopsittaca dachilleae). "Nano" traz consigo a ideia de algo pequeno, reduzido, diminuto - do grego nannos = anão. Exatamente isso. Estava difícil conseguir encontrá-lo na copa ao longe. 

Minúsculo, do tamanho e cor de uma folha, só "pordeoz". De repente um "movimentinho" nas folhas distantes e pimba, consegui vê-lo. Mas ver de longe com os olhos é uma coisa, fazer a câmera ver, fotometrar e focar é outra. Mas com jeitinho e 200 fotos depois, uma acabou dando certo. Assim que encheram a pança, eles se foram e aí só sobraram alguns bichinhos comuns. Se Ricardo estivesse junto ia dizer: esses "prestam não". kkkkkk

Imagem sem crop e imagem cropada do periquitinho.

De repente, um alerta e os meninos alvoroçaram. Uma cotinga-de-garganta-encarnada (Porphyrolaema porphyrolaema) estava na fruteira. Nem precisa dizer que não consegui ver na hora. Apertava os "zoinhos" e nada. Qualquer coisa que se mexia eu clicava, e aí toma clicar caraxué, saí-isso, saí-aquilo, pipira, juruviara e nada de cotinga. Aí, de repente, sumiu tudo. 

Sabe aquela dor igual quando você fecha os olhos e espera ganhar um beijo na boca do crush e recebe só um beijo na bochecha? Então, foi um pouco pior. Juro que quase chorei. O movimento da fruteira era sazonal, ora pulava bicho pra tudo quanto é lado, ora não tinha um folha se mexendo. E de repente o bando misto retornou. E junto uma fêmea e um jovem macho de cotinga. Com os meninos me explicando com jeitinho, eu consegui achar e fotografar. Viva!!!!!! Mais uma nova espécie para a lista. 

cotinga-de-garganta-encarnada (Porphyrolaema porphyrolaema) 

Felizes até dizer chega, fomos para o Bar do Tonho degustar salgadinhos. O Robson parecia uma criança comendo uma coxinha atrás da outra. E o Tonho já até parecia amigo de infância. Ele ria muito com as nossas histórias.

o Tonho ao fundo e o Robson se acabando

Depois fomos para o hotel porque o grande dia estava chegando e eu sabia que ia passar a noite sonhando com isso, isso se conseguisse dormir. Mas sabe com o que eu sonhei mesmo? Não, não foi com o "disgranhentinho" do crush não. Foi com uma Torre de Observação no Noca, do tipo que eu pudesse ficar com os bichinhos no limpo, na altura do olho e uma cervejinha gelada do lado, ui, dá até borboletinhas na barriga só de pensar.

e-Bird - Veja a lista do dia

Qua 25 set 2019
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163338


Quinta-feira - 26 set 2019


Enfim, o grande dia chegara. O Chandless nos aguardava. Madrugadinha, todos à postos, malas na caçamba, coração saindo pela boca. Muita expectativa e ansiedade. Valfredo ajeitou tudo pra nos levar de Rio Branco até o ponto de embarque em Manoel Urbano. Tinha uns 150 km até lá, embora a estrada fosse asfaltada, mais esburacada impossível. Tinha que ir com muito cuidado e devagar. Manoel Urbano é a cidade às margens do Rio Purus, onde iríamos embarcar no batelão para ir até a sede do PE Chandless. 

Foto: arquivo pessoal by Fabio Olmos

E como era muito cedo (eu digo que era de noite ainda kkkkkk), imaginei que teríamos paradinha pro café no caminho. Só que não. Eu preferia ter dormido em Manoel Urbano e sair de lá, porque essa ida e mais a navegação tornou tudo bastante exaustivo. Acabamos não embarcando e saindo tão cedo como gostaríamos e seria necessário.

Paradinha num posto na entrada de Manoel Urbano - Valfredo, Fabio, Robson, eu e Ricardo
Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Chegamos na beira do rio e começou a novela para embarcar. Não tinha um pier, era areia fofa, pisava-se na água e depois pulava pela amurada para dentro do barco. Valfredo ainda foi deixar o carro em algum lugar seguro para quando voltássemos. 

Sob seu comando e do piloteiro Mandinho (Cristiano) nós começamos nossa saga rio adentro. Conhecendo a história da amiga Renata Biancalana, cujo barco bateu em algo no Rio Purus e seu equipamento caiu na água com perda total, eu embalei tudo em dois sacos plásticos bem grossos, lacrei com silver tape, ficando, assim, impossibilitada de clicar aves pelo caminho. Paciência.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

O batelão era bem espaçoso, eu fui deitada no fundo sobre as nossas coisas, ora pensando na vida e ouvindo música, ora cochilando. 

Vidinha "mais ou menos", ... vai pensando.

... uma sonequinha ... Foto: arquivo pessoal Fabio Olmos

Navegaríamos uns 170 km a uma baixa velocidade, pois o rio é raso, cheio de troncos, tocos e bancos de areia. Nós teríamos que deixar o batelão num local próximo à entrada do Rio Chandless. Por ele ser mais raso, nós iríamos nos dividir em duas voadeiras - embarcações menores e mais lentas ainda. 

Abaixo eu usei fotos que fiz durante nosso retorno, só pra se ter uma ideia do tamanho das duas embarcações. A primeira é o batelão, até bem confortável. Depois é a voadeira. Na terceira foto os dois um ao lado do outro.  

Esse é nosso batelão, foto feita no dia do retorno, só para se ter ideia do que é um batelão

Essa é uma Voadeira (aqui com Valfrerdo, Darlete, Pedro e Cristiano)

O batelão e a voadeira - Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Falando em voadeira, olha nossa voadeira sendo carregada com uma preciosa carga (brincadeirinha, era só uma carga de "não sei quem, sei lá pra onde"). Mas não podia perder a piada. 😃😃😃😃

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Finalmente partimos. Tudo ia monotonamente bem. Bora olhar a paisagem e pensar na vida. Impossível conversar sem ser gritando, por conta do barulhão do motor. Escuta só o barulho no vídeo abaixo feito pela querida Darlete Oliveira, a Dadá. 



Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Os meninos iam de olho em tudo.

meus pés cheio de bolhas descansando sobre a bagagem

Às vezes parávamos para abastecer o barco, aproveitávamos para um cafezinho e os meninos para "tirar água do joelho". Eu, a única mulher no barco, tinha que achar um matinho adequado por perto. Ser passarinheiro raiz não é moleza não. 

Eu, Ricardo, Fabio, Robson, Cristiano e Valfredo

Teve um momento em que não teve jeito, tive que desembalar o equipamento, pois um bando de bacurau-da-praia (Chordeiles rupestris) tava dando mole, no limpo, na altura do olho (olha aí, Dani Maia). Bem no meio do rio, num galho seco. Foi uma festa. 

bacurau-da-praia (Chordeiles rupestris

bacurau-da-praia (Chordeiles rupestris

bacurau-da-praia (Chordeiles rupestris

Depois seguimos em frente até que o céu começou a fechar. Colocamos capas e verificamos se os nossos pertences estavam protegidos. No começo pareceu divertido. De repente, raios começaram a riscar o horizonte (morro de pavor). Então a tempestade desabou com tudo. O barco encheu de água, e foi preciso aliviar o peso, o que nos obrigou a parar e desembarcar até passar. Eu confesso ter ficado aterrorizada.

No começo ainda estava risonha. Foto: arquivo pessoal Fabio Olmos

No fim do dia chegamos ao ponto onde trocaríamos de embarcação (a mais ou menos 170 km do ponto de saída). Duas voadeiras nos aguardavam, uma com o Pedro Vasques e outra com o seu cunhado Elissandro Souza, ambos moradores do Chandless. 

saímos da direita e trocamos de embarcação na seta da esquerda (170 km depois)

Acabou que meu equipamento foi separado de mim, o que me deixou mais angustiada ainda. Era muita bagagem pra passar de um barco pra outro e não tivemos como orientar o que ia ou quem ia aonde. Abaixo eu e Robson, já numa das voadeiras com Elissandro como piloteiro, prontos pra entrar no Rio Chandless. 

Foto: arquivo pessoal Fabio Olmos

Adentramos o Rio Chandless, faltando uns 65 km de navegação para chegar ao nosso destino. Eis que nos deparamos com o primeiro batelão que seguira antes, atolado no areião, com a Darlete e nossas provisões para os próximos dias. Darlete veio para uma das voadeiras e no dia seguinte, os meninos Pedro e Elissandro iriam voltar para buscar o resto das coisas. Mais um atraso inesperado. 

E em meio ao caos, seguimos já no escuro, com lanterninhas sendo usada pelos meninos Pedro e Elissandro para ir desviando dos troncos e bancos de areia. Muitas vezes a gente tomava solavancos por causa disso. Era um susto atrás do outro. E haja coluna e pescoço, e coração também, né? kkkk

Por vezes os meninos tinham que descer para desencalhar as voadeiras. Os morcegos passavam roçando pelo rosto da gente o tempo todo. E muitos olhos brilhavam no escuro nas margens, sabe-se lá o que eram. Você se sente observado como num filme de terror.

Imagem Google

O pior foi o Robson que tomou uma "peixada" na cara. Já sei de gente que tomou tapa na cara, galho na cara, mas peixe na cara foi demais. kkkkkkkk O jeito foi chorar de rir na hora, apesar de todo o nervosismo. Nada disso foi registrado pelo meu celular, porque, infelizmente, não tinha mais bateria.

Chegamos por volta de 23 horas nas margens da sede do Parque, quase 20 horas depois de ter saído do hotel em Rio Branco. Mas pensa que acabou. Nãooooo! Para poder fazer uma refeição decente e ir para a cama, tínhamos que chegar na sede, (pouco mais de 300 metros barranco acima), que incluía descer na lama, subir uma encosta escorregadia, sem deck ou corrimão, sequer uma corda para ir segurando, tudo isso no escuro, usando pequeninas lanternas e andar outro tanto até chegar no conforto do alojamento.


O duro era o medo de danificar ou derrubar algo no rio ou no caminho ao descarregarem a nossa bagagem, inclusive equipamento. Não lembro muito dos detalhes pois naquele fim de dia o cansaço me dominara totalmente. Havia um quadriciclo na sede, mas acho que nesse dia ele estava com problemas e as malas foram levadas dentro de carrinhos de mão. Eu fui quase içada pelos meninos, que me "arrastaram" barranco acima. Eu estava sem forças e meia que pensando: ai "meodeoz", aonde eu fui "amarrar o meu jegue"! Lembrando hoje, soa engraçado, mas no dia, não foi não.

Nem acreditei quando chegamos lá na sede, comemos algo e fomos acomodados para dormir. Só lembrando que o gerador a diesel de energia elétrica funcionava apenas na hora do almoço e jantar e quando muito necessário. Banho quente nem pensar, mas juro, nessa hora nem pensei em banho, só pensava mesmo era em deitar, esticar o corpo, fechar meus olhos e cair nos braços de Morfeus.

E foi assim que nossa expedição ao Chandless teve início.

e-Bird - Veja a lista do dia

Qui 26 set 2019
Rio Purus - Manoel Urbano
https://ebird.org/checklist/S85132741

Sexta-feira - 27 set 2019


Uma noite bem dormida, depois de chegar às vias da exaustão é impagável. Faz toda diferença. O combinado era acordar com calma, tomar café e fazer planos para o dia. Quando saio do banheiro, após um delicioso e demorado banho, só escuto o Fabio dizer calmamente: Silvia, tem um lifer seu circulando por aqui, o Tyrannus tyrannus. Ãh?! Pisco várias vezes pra captar as palavras dele e penso: "meodeoz", será o suiriri-valente? sim, é o suiriri-valente.

Corro, pego a câmera e vou pra grama, ainda de chinelos. Imagina a adrenalina que deu. Quando chego próximo de onde ele tinha sido avistado, ele aprontou uma "tirania" comigo: tinha desaparecido. 

Mas com dó de mim, um príncipe (pena que não era o encantado e sim o Pyrocephalus rubinus) veio me fazer reverência, tendo ao seu lado uma maria-cavaleira (Myiarchus ferox) e deles dois eu fiz lindas fotos de quadro.

príncipe (Pyrocephalus rubinus)

De repente só ouço o Robson gritar: Silvia, Silvia, corre, seu lifer tá aqui. E lá na pontinha de um galho distante, meu suiriri-valente estava pousado. Centenas de cliques depois, parei pra ir tomar o cafezinho cheiroso e delicioso da Dadá. E tinha pão com ovo, tapioca e banana cozida para acompanhar. Nossa!!! Eu não sabia se comia ou se saia de novo correndo atrás dos passarinhos. Que dúvida cruel!

suiriri-valente (Tyrannus tyrannus)

Fomos explorar ali perto da sede e fizemos mais alguns bichos bacanas, entre eles destaco: arara-vermelha (Ara chloropterus), rapazinho-de-boné-vermelho (Bucco macrodactylus), barranqueiro-de-coroa-castanha (Automolus rufipileatus) e chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons), entre outros.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Na hora do almoço foi aquele corre-corre de novo. - Silvia, Silvia, Silvia, acho que você não tem a Bartramia - leia-se maçarico-do-campo (Bartramia longicauda), ela está forrageando aqui do lado do campinho de futebol. Onde? Onde? Onde? Saí em disparada e pimba, mais uma espécie nova para minha lista.

maçarico-do-campo (Bartramia longicauda)

Assim que o calorão diminuiu, nós quatro fomos para um trilha no fundo da sede. Vimos uma torre de observação, mas acho que só macaco sobe, ou gente muito habilidosa (espia só a foto). Que pena que não tinha uma escadinha.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Eu, Ricardo, Fábio e Robson

Procura aves daqui, procura dali. Os bichinhos de lá sofrem da mesma síndrome da Floresta Amazônica, depois do almoço são abduzidos por um portal e desaparecem tudo. Ainda bem que sempre sobra algum. Um formigueiro-de-taoca (Hafferia fortis) se mostrou todo faceiro e salvou a nossa tarde. E na falta de passarinho sempre tem borboletas ou flores pelo caminho.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

De repente o Ricardo ouviu um bicho "muito muito muito" raro. Era nada mais, nada menos que um chupa-dente-do-peru (Conopophaga peruviana). Só se ouvia ele e um "tum-tum-tum". Era meu coração batendo acelerado. 

Nos posicionamos em silêncio e ficamos aguardando. Eu o vi no limpo três vezes e quando tentava disparar, estava tão escuro, tão sem luz e contraste, que a câmera não focava. O Fabio ainda conseguiu uma foto. Eu e Robson não. Ainda fiz um disparo, até decidir tentar fazer foco manual e o bicho sumir. Tenho um borrão vergonhoso e a imagem no meu cérebro, apenas isso (não tenho coragem de postar o meu borro-lifer). Procuramos ele nos dias seguintes, mas nada. 

Foto do Fabio Olmos do chupa-dente-do-peru (Conopophaga peruviana)

Meu borrão do chupa-dente-do-peru (Conopophaga peruviana)

Sem luz para continuar atrás da bicharada, retornamos para a sede, jantamos, tomamos uma geladinha com queijo Canastra (a gente levou tudo isso, pessoas prevenidas valem por mais que dois). 

Combinamos o horário para o dia seguinte e fomos arrumar as coisas. A energia só fica ligada na hora do almoço e jantar ou quando muito necessária, conforme eu já disse. Detalhe: não pega celular, mas tem conexão por satélite suficiente para WhatsApp. Não pode vacilar com o horário para recargas das baterias. Tem que ficar atento (melhor levar mais que uma).

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja as listas do dia

Sex 27 set 2019 - 7:45h
Parque Estadual Chandless
https://ebird.org/checklist/S60163385

Sex 27 set 2019 - 14:54h
Parque Estadual Chandless
https://ebird.org/checklist/S60160882


Sábado - 28 set 2019


Pouquinho antes das 6 horas, eu já estava admirando o sol e a névoa que se formara na mata ao lado do alojamento. Eu fui dar um passeio e respirar o ar fresquinho da manhã, enquanto esperava os meninos para tomar café. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Após o café seguimos para a trilha dos fundos onde tínhamos findado o dia anterior. Para chegar até lá tínhamos que atravessar uma pequena ponte pênsil passarela suspensa por cordas. (veja foto e vídeo mais  abaixo). 

Exemplo desse tipo de ponte

Não era muito agradável fazer isso, mas era só ir passo a passo, devagar e sempre.  Nessa mesma trilha, teve um dia que o Robson resolveu percorrê-la sozinho e teve a falta de sorte da pontezinha arrebentar e ele ser derrubado. A sorte é que sofreu apenas alguns arranhões e não danificou o equipamento. 

Robson atravessando (veja o vídeo também) 👇
 

Minha vez - morrendo de medo - arquivo pessoal Fabio Olmos

A trilha se mostrou bem melhor pela manhã. Fomos até onde dava, pois tinha um trecho no final que não tinha mesmo como passar. Além de algumas outras aves que você vai poder ver nas listas ao final desse dia, três foram o destaque do dia: estalador-do-norte (Corythopis torquatus) no chão, que depois de dificultar um pouco acabou entregando e fizemos fotão dele. 

estalador-do-norte (Corythopis torquatus

Mas o show ainda estava por começar. No caminho havia uma fruteira muito alta e bem carregada, o movimento era grande, um verdadeiro Bird self-service, toda hora chegava um, se servia e logo vinha outro, era um ir e vir constante. Ficamos um bom tempo com os olhos e o pescoço voltados para o alto (chegava queimar o pescoço, a coluna e os braços, de tanta dor). Mas valeu muito a pena. A gente só ficava imaginando uma bela torre de observação naquele local. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Duas novas espécies para mim. E um deles, o tem-tem-de-crista-amarela (Lanio rufiventer), apesar de estar no último andar do "Empire State da floresta", foi o primeiro registro fotográfico feito em território brasileiro. O outro, uma cotinga-azul (Cotinga maynana), foi uma ave das mais bonitas que vi. Super comemoramos esses registros, porque não foi fácil conseguir.

tem-tem-de-crista-amarela (Lanio rufiventer) e cotinga-azul (Cotinga maynana)

A comemoração do encontro com essas raridades

À tarde saímos de barco e fizemos uma trilha, muito fraco, como todas as tardes. Apenas um arapaçu-da-taoca (Dendrocincla merula) que mal conseguimos fotografar direito. Veja uma foto de parte do caminho que nos levava até o rio. Era necessário, pois era um brejo embaixo e costumava alagar.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Uma selfie enquanto esperava algum passarinho aparecer

O dia terminou muito bonito. Uma poesia para os olhos, suficiente para amainar um pouco do cansaço.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Foi chegar, tomar banho, lanchar, arrumar as coisas para o dia seguinte e descansar. Veja abaixo como era meu quarto no alojamento. Ah! eu fiquei sozinha, os meninos ficaram em outro quarto. À noite fazia frio, mas até pegar no sono, era uma delícia ficar ouvindo os sons da floresta. Dava muita vontade de corujar, mas havia o perigo de onças e etecéteras (não quero nem imaginar o que seriam esses etecéteras kkkkkkk), além do cansaço extremo devido à intensidade dos nossos dias.


e-Bird - Veja as listas do dia

Sáb 28 set 2019 - 6:26h
Parque Estadual Chandless
https://ebird.org/checklist/S60272785

Sáb 28 set 2019 - 14-20h
Parque Estadual Chandless
https://ebird.org/checklist/S60272801

Domingo - 29 set 2019


O jeito era acordar muito cedo pra poder sair bem cedo também. Usávamos lanternas para levantar, escovar os dentes, colocar lentes de contato, se arrumar e até para tomar café. 

Nesse dia navegamos mais de uma hora pelo Rio Chandless com vistas a ir num ponto bom para avistamentos. Fomos acompanhados por Pedro, que toma conta e reside na sede com sua esposa e filha, e por Mandinho (Cristiano), nosso piloteiro. 

Tinha que navegar com muito cuidado pois o rio é cheio de armadilhas naturais, tais como bancos de areias, tocos, galhos semi-submersos, etc. O pior era que o piloteiro ia ao fundo do barco, o que ao meu ver dificultava muito a visão dele. A habilidade deles era realmente incrível.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

A paisagem era de fazer os olhos brilharem, enquanto o coração palpitava de ansiedade pelo que poderíamos encontrar na próxima curva.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

No caminho cruzamos com ribeirinhos (indígenas) da etnia adjacente ao parque, a Madijá (Kulina). Alguns pescando, outros nos observando do alto do platô onde residem. Tem um barranco quase vertical para subir até este platô. Foi surpreendente observar a agilidade com que as crianças subiam aquele paredão. Impressionante mesmo.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares
 
o povoado dos Madijá (Kulina) do outro lado do rio
Arquivo pessoal: Silvia Linhares

E depois de muito navegar, desembarcamos e caminhamos por uma trilha até um igarapé, onde a festa do dia começou. O Ricardo conseguiu localizar cada raridade que nem sei o que dizer. Só estando lá mesmo pra sentir cada emoção.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Foram quatro aves do outro mundo, (sim porque o Chandless é um outro mundo), todas espécies novas para mim, lógico que com intervalo de tempo longo entre achar uma e outra.

Eu me senti como se estivesse num sonho:  japu-de-capacete (Cacicus oseryi), tiriba-rupestre (Pyrrhura rupicola), barranqueiro-de-topete (Anabazenops dorsalis), capitão-de-colar-amarelo (Eubucco tucinkae), sendo que este último consegui melhorar a foto num dia posterior devido à maior aproximação. 

 japu-de-capacete (Cacicus oseryi), tiriba-rupestre (Pyrrhura rupicola), barranqueiro-de-topete (Anabazenops dorsalis), capitão-de-colar-amarelo (Eubucco tucinkae)

O almoço foi ali mesmo na beira do igarapé. Levamos nossa "matula" deliciosamente preparada pela Dadá. E tinha até café. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Depois de fazer mais algumas aves ao redor como um bando de araçari-mulato (Pteroglossus beauharnaisii) e de arara-vermelha (Ara chloropterus), resolvemos tomar rumo de volta para o alojamento. 

arara-vermelha (Ara chloropterus) e araçari-mulato (Pteroglossus beauharnaisii) 

Ricardo e Fabio
Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Eu, Robson, Pedro e Mandinho aguardando Fabio e Ricardo embarcarem
Arquivo pessoal: Fabio Olmos

Para fechar nosso dia, no caminho de volta ainda tivemos uma deliciosa surpresa. Mesmo estando longe, lá estava um dos rapinantes mais bonitos de todos, um jovem gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus), pousado, enquanto seus olhos perspicazes, procuravam uma presa para se alimentar.

A primeira foto sem crop, as demais com crop

e-Bird - Veja a lista do dia

Dom 29 set 2019
Parque Estadual Chandless
https://ebird.org/checklist/S60272851

Segunda-feira - 30 set 2019


Esse dia foi dedicado à Trilha T2. Começamos muito cedo e até bem, avistando o raro Sagui-de-Goeldi ou Taboqueiro (Callimico goeldii). Também vimos Saguis-de-Weddelli ou Sauim-de-Cara-Suja (Saguinus weddellii) com filhotinho. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Nosso objetivo era a busca pelo famigerado tovacuçu-xodó (Grallaria eludens). Um "fio do demo"! Um bicho que traspassa os portais desta para outra dimensão. Só pode. A trilha até lá era bem árdua e longa (parecia que não acabava nunca). Um sobe e desce sem parar, tudo escuro, lugares quase intransitáveis, cheios de obstáculos, sufocante, de dar nos nervos. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Chegou uma hora que meus pés já não estavam mais aguentando, e olha que sempre fui forte e bem preparada, mas aquela trilha estava além dos meus limites. Pra ajudar, um calor infernal e ausência de aves quase que total. Da hora que liguei o tracking do eBird até encerrá-lo foram  9 h, 24 m de percurso, à pé, onde percorremos 6,48 km. (o pontinho branco no mapa é onde parei o trajeto no app). Confesso que foi um dia bem frustrante e muito pesado.

Tracking by eBird - Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Tem coisas que eu não consigo explicar sequer para mim mesma. Meu corpo falava por mim. Nesse dia o nível de cansaço e estresse foi tão absurdo, que eu acabei surtando pra valer. Sério. Tive um acesso de raiva, de choro, estourei, resmunguei, desabafei, por fim desabei e pedi pra ficar um tempo sozinha.  

Peguei meu banquinho, sentei tentando recuperar a calma e a lucidez. Eu precisava sair daquele estado de torpor e estupidez. Enquanto isso os meninos foram atrás de alguns bichos ali por volta. O Ricardo disse que qualquer coisa era pra eu gritar, menos se fosse uma onça ... 😂😃😃😃👀👊

Eu sozinha, sentada no meio da trilha, na minha mini banquetinha
(celular em selfie-timer pendurado numa árvore)

Respirei fundo. Contei até 10 (mil) e comecei a clicar ali em volta. Fiz fotos de fungos, flores, sapinhos, selfie. Felizmente, eu voltei ao meu normal. Como diz um guru meu: "Diversos sacrifícios terão de ser feitos para continuar em frente, mas se você já for associando a palavra sacrifício com sofrimento é porque não entendeu nada. Sacrifício é fazer o necessário em nome de seus planos." (O.Q.). 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Foi um alívio muito grande retornar à sede. Antes do jantar, o Fabio abriu uma garrafa de vinho Macaw que ele havia levado. Então eu disse que estava faltando música. Ele prontamente ligou seu celular e nos apresentou uma banda que hoje faz parte de todas as minhas play-list, pen-drives, etc. Eu, ele e a Rita (sua esposa) até nos programamos para ir ao show dos caras em abril do ano passado aqui em São Paulo, mas foi cancelado por causa da pandemia. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Apresento a vocês a banda mongólica The Hu, isso foi tão precioso para mim quanto eu se eu tivesse avistado o tovacuçu-xodó. Ainda mais sendo roqueira desde que me entendo por gente. Eles superaram tudo o que eu sentia falta nas novas bandas de rock - uma batida que conversa direto com meu coração.

The HU - Wolf Totem (Official Music Video)


e-Bird - Veja a lista do dia

Seg 30 set 2019
06:22
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60272864

Terça-feira - 1 out 2019


O dia começou mais leve para mim depois do desabafo do dia anterior. Ainda que às vezes nossa alma seja tomada de sentimentos estranhos e profundos, vale sempre seguir em frente. O dia anterior tinha sido uma grande lição pra mim. Quando vi, tinha tomado o café e já estava dentro do barco, pilotado pelo Pedro, cheia de vontade de ver passarinhos. *

* Passarinhos = paz, saúde e felicidade (Linhares, 2021), né Vitor Piacentini?

Partiu procurar passarinho

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Logo no início achei que ia fazer a foto dos sonhos do pavãozinho-do-pará (Eurypyga helias), mas ele  aterrissou muito rápido e sem um ângulo favorável . Eu o chamo de borboletinha das aves, pois ele, com suas asas abertas, lembra uma linda borboleta. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Havia muitas aves nas margens. Fui clicando todas como sempre faço. Paramos para observar e registrar um bando de um dos mais belos psitacídeos do Brasil: a curica-de-bochecha-laranja (Pyrilia barrabandi). Embora as condições de luzes não fossem as melhores, foi muito divertido vê-las juntas na farra. Como o Robson bem escreveu: "Lembro desse momento, a gente meio que preso dentro da voadeira, e os bichos fazendo a festa na copa. Às vezes atravessavam o rio de um lado pro outro, iam e voltavam. Pena que não deu pra gente chegar mais perto. É um dos psitacídeos mais bonitos."

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Cenas como essa fazem a gente esquecer de tudo. Que pena que é bem difícil chegar perto e tentar aportar nas margens do Rio Chandless. Tem que ser no lugar preciso e já conhecido. É tudo muito raso e atola mesmo uma pequena voadeira. Tentar andar é meio complicado pois o barro às vezes é movediço e te afunda até os joelhos.

Mas os moradores ribeirinhos conhecem bem quais lugares podem parar e adentrar suas lamacentas águas para se divertir. E rola até festinha em plena terça-feira. A gente ia passando e ainda ganhava um olhar curioso ou um sorriso da galera. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Nesse dia voltamos à trilha do dia 29, onde consegui melhorar a foto do capitão-de-colar-amarelo  (Eubucco tucinkae), inclusive ver o casal junto. Muitas outras aves deram o ar da graça. As listas podem ser conferidas ao final, mas deixo algumas como destaque: arapaçu-pardo (Dendrocincla fuliginosa) se alimentando de um inseto, assim como a caburé-da-amazônia (Glaucidium hardyi). Uma bela fêmea do formigueiro-de-goeldi (Akletos goeldii) se apresentou rapidamente para ser fotografada.

Mas teve muito bicho interessante como o papa-lagarta-acanelado (Coccyzus melacoryphus), bate-pára (Attila bolivianus),  pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos), pica-pau-de-coleira (Celeus torquatus), pica-pau-amarelo (Celeus flavus) e xexéu (Cacicus cela). 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Quando os passarinhos sumiam, nada me escapava aos olhos, fossem flores, folhas, borboletas ou insetos. Tudo era novo e muito bonito. Love is in the air, ops! Love is in the forrest!

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Love In The Forest - Omnia


Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

O local onde escolhemos para almoçar tinha até uma sala de estar e todos se sentaram um pouco no "sofá", mas a sonequinha após o almoço era sentado numa pedra mesmo.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Onde fotografamos o japu (Psarocolius decumanus), os meninos se deitaram sobre um tronco e só lembro do Fabio fazer piada com o nome científico do japu, mas não lembro a piada, sinto muito. 😃😈

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

E entre paisagens de tirar o fôlego e muito verde, nós retornamos à sede para descansar. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

E nessas andanças pelo rio eu me lembrei da minha cidade de São Paulo, onde os ônibus e metrôs são super lotados. Veja a seguir a versão condução lotada no Rio Chandless 👇😃

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja a lista do dia

Ter 1 out 2019  06:25
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60273296

Ter 1 out 2019 - 08:17
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60273288 

Quarta-feira - 2 out 2019


Nesse dia o nosso grupo resolveu se dividir e ir para trilhas diferentes. Eu e Ricardo voltamos para tentar o chupa-dente-do-peru novamente. Robson e Fabio seguiram para a T2. Depois de andar por mais de 3 quilômetros na parte da manhã, eu consegui pouca coisa. Os bichos não estavam colaborando. Destaque para saripoca-de-coleira (Selenidera reinwardtii), um casal de formigueiro-de-taoca (Hafferia fortis) e um limpa-folha-picanço (Ancistrops strigilatus). 

Na parte da tarde continuava fraco. Fomos para uma trilha ao lado contrário e só encontramos um bando de ariramba-castanha (Galbalcyrhynchus purusianus) fazendo uma algazarra.


Na hora do almoço, enquanto descansávamos, fiz algumas fotos da rotina e arredores da sede para guardar de lembrança. Os meninos também descansaram, aproveitando para baixar fotos e "zapear" um pouco.


e-Bird - Veja as listas do dia


Qua 2 out 2019 - 07:21
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60304446

Qua 2 out 2019 - 16:28
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60304432

Quinta-feira - 3 out 2019


O dia começou cheio de cores e, após o costumeiro café, lá fomos nós, cheios de ânimo e expectativas, percorrer uma longa trilha à pé. Seria nossa última passarinhada em terra antes do nosso retorno.

Bom dia, Dia! (5:16h da Manhã)

E que venha muito passarinho...

Foram 7 horas de caminhada e mais de 6 km desde a saída da sede. O dia foi cansativo, porém produtivo. 

Contabilizei três espécies novas para minha lista. Uma delas, embora apenas um borro-lifer, devido a sua importância, combinei com Ricardo que eu o postaria. O "Cliba" - barranqueiro-ferrugem-do-acre (Clibanornis watkinsi) podia ter colaborado um pouquinho mais, mas ele resolveu não ser muito amável com a gente. 

barranqueiro-ferrugem-do-acre (Clibanornis watkinsi)

Outro que gostaria de ter feito foto melhor, mas não deu moleza foi o "Malinha" - barbudo-de-coleira (Malacoptila semicincta). 

barbudo-de-coleira (Malacoptila semicincta)

Mas a "Regina" - mãe-de-taoca-cabeçuda (Rhegmatorhina melanosticta) deu foto de quadro. Mas não pensa que foi fácil não. Depois de tentar essa maravilha várias vezes em outros lugares, fui conseguir seu registro apenas nesse dia, depois de muita dificuldade. Com vistas a facilitar para o meu cérebro, eu a apelidei de "Regina", enquanto os meninos a chamavam de "Regmatorrina". 

Eu amo as "mães-de-taoca", mas a dificuldade para clicar uma nunca é pouca. Dessa vez tive muita sorte e contei com a competência e dedicação do Ricardo para fazer uma foto dos sonhos. 

Depois de perder de fazer fotos de alguns bichos importantes na viagem, esse foi o meu maior prêmio, embora não o mais difícil e raro. 

mãe-de-taoca-cabeçuda (Rhegmatorhina melanosticta

Dificilmente uma ave facilita nossa vida no Acre. Mas tem as que dão mole no limpo, na altura do olho como as "Galbulas", (viu só? Eu tô ficando craque em nome científico). Em especial a ariramba-da-capoeira (Galbula cyanescens).

ariramba-da-capoeira (Galbula cyanescens)

Nesse dia, no período da tarde caiu um toró pesadão, aproveitamos para arrumar nossas tralhas, ensacando e vedando o máximo, para partir no dia seguinte, na expectativa que a volta fosse mais tranquila do que a nossa ida. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Fizemos um churrasquinho para nossa despedida. Para acompanhar vinho Macaw e cerveja, e muito rock and roll. Lógico que a trilha sonora foi a banda da Mongólia The Hu.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

The HU - Yuve Yuve Yu (Official Music Video)
            

Eu nunca gostei de despedidas. Eu sofro pra me desapegar dos lugares e das pessoas. Até hoje lembro com saudades da Rosângela, filhinha do Pedro e da Roselene. Ela adorava tocar na minha câmera e no meu celular, sempre que eu retornava das trilhas. 

Mas sua maior distração era jogar no celular da mãe, - coisa normal nas crianças hoje em dia, mesmo morando em um lugar tão remoto, sem sofrer influência da televisão e dos demais meios de comunicação.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Dadá e eu - Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja as listas do dia

Qui 3 out 2019 - 05:46
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60320812

Sexta-feira - 4 out 2019


Saímos por volta das 6 e pouco da manhã do Chandless e chegamos em Manoel Urbano por volta de 17:30 horas. Foi uma volta bem tranquila. Eu abri uma lista no eBird apenas para registrar o tracking um pouco depois que saímos da sede. Ela mostra o percurso pelo Rio Chandleess até chegarmos ao Rio Purus. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Navegar pelos Rios Chandless e Purus, sob o comando do Valfredo e dos excelentes piloteiros Mandinho (Cristiano), Pedro e Elissandro, foi cansativo, mas bem tranquilo. Fizemos nossa troca de embarcação por volta de 11 horas da manhã, sendo que Pedro e Elissandro retornaram ao Chandless com as voadeiras e nós seguimos de batelão. 
 
Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Vou deixar algumas imagens que contam a história desse dia. Depois da chegada em Manoel Urbano (11 horas dentro de embarcações), partimos para Rio Branco. Que delícia chegar no hotel, tomar um banho quente e poder dormir o sono dos anjos. 

A saída da sede do P.E. Chandless

Navegando pelo Rio Chandless.

A troca de embarcação

Navegando pelo Rio Purus - Valfredo e Mandinho

A chegada em Manoel Urbano

e-Bird - Veja a lista do dia

Sex 4 out 2019 - 06:51
PE Chandless
https://ebird.org/checklist/S60412537

Sábado - 5 out 2019

Sábado foi dia descansar e de visitar a minha família que mora no Acre. Delícia passar o dia com eles. Eu adorei estar com meus primos. Eles curtem muito essa minha vida junto à natureza. Sempre tem muita história para contar. Obrigada pelo carinho, primo Sérgio (que não está na foto) Nair, Bárbara, Lauro e Danilo. Faltou a Bia nessas fotos também. Fica para a próxima.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Domingo -  6 out 2019

 
Acabou? Nãoooooooooo! Quase... Aguenta firme. Abre mais uma geladinha e toca o barco! Barco? Não agora é por terra firme. E adivinha para onde? Para o Ramal do Noca, é claro. 😃😃😃😃

Devido às chuvas e tabatinga (barro extremamente grudento e difícil de andar), eu, Robson Czaban e Ricardo Plácido decidimos deixar o carro na entrada novamente e caminhar atrás dos passarinhos pelo ramal. Foram 8 km de ida andando assim. Na volta o Ricardo parou um rapaz de moto a meu pedido e perguntei quanto ele me cobraria para levar os 8 km de volta até o carro. Ele nem queria cobrar nada. 

Óbvio que mereceu uma excelente gorjeta, porque ele foi e voltou até deixar todos nós ao lado do carro. Imagina só: eu na garupa de uma motocicleta precária, que escorregava pelo barro, feito um verdadeiro rally. O rapaz foi muito habilidoso (usavas os pés descalços no barro para equilibrar a moto de um lado para o outro). Enfins, todos chegaram sãos e salvos no carro. Foi emoção pra contar pelo resto da vida.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

E os passarinhos? A mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis) estava no mesmo galhinho, em que pese duas semanas terem se passado desde o nosso último encontro. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Teve aracuã-pintado (Ortalis guttata), anu-preto (Crotophaga ani), irré (Myiarchus swainsoni), chora-chuva-de-bico-amarelo (Monasa flavirostris), caboclinho-de-peito-castanho (Sporophila castaneiventris), curió (Sporophila angolensis), gavião-de-cabeça-cinza (Leptodon cayanensis), suiriri-valente (Tyrannus tyrannus) e bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus). 

Depois de ver tanta raridade, eu passei a plagiar o meu amigo Ricardo Plácido: tudo bicho "presta não". Brincadeirinha, pois minha filosofia é: vai que é subespécie e "splita" e vira uma nova espécie. Tudo que é "passarinho" ou que faz parte da mãe-natureza é coisa boa de se ver. Num tem essa de "presta-não"!

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Até as borboleta e mariposas deram um show de cores e formas. Acho que tinha bem mais do que passarinho. Tinha até insetos chocantes perambulando junto a elas. 

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Sem contar que uma flor de maracujá resolveu fazer pose e me pedir um ensaio fotográfico. Foi muito legal. Mas que o dia foi um horror, ah, foi! O importante foi que conseguimos voltar para jantar e descansar sem maiores problemas.


Arquivo pessoal: Silvia Linhares

e-Bird - Veja as listas do dia

Dom 6 out 2019 - 06:44
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60412461

Dom 6 out 2019 -  0:43
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60412476

Segunda-feira - 7 out 2019


Sabe onde fomos nesse dia? Errou! Não foi no Ramal do Noca. Eu, Ricardo e Robson fomos até a Universidade Federal do Acre - UFAC. Nada de novidade apareceu para a gente. Mas foi um dia tranquilo e bem gostoso. Os destaques do dia ficaram para o suiriri (Tyrannus melancholicus), chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons), picaparra (Heliornis fulica), maria-de-peito-machetado (Hemitriccus flammulatus), bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus) e choca-murina (Thamnophilus murinus).


Pedi ao Ricardo para me levar na "cabaninha" que me encantara em 2014, quando estive pela primeira vez na UFAC, voltando em 2017 para fazer uma foto de novo. Que decepção! Ela desabara. Ninguém havia cuidado dela. Que pecadinho!

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Por fim, passamos pelo Horto Florestal, fizemos alguns bichinhos bonitinhos como udu-de-coroa-azul (Momotus momota), pipira-vermelha (Ramphocelus carbo), sanhaçu-da-amazônia (Tangara episcopus) e caraxué-de-bico-preto (Turdus ignobilis).

Arquivo pessoal: Silvia Linhares

Ainda esgotados da grande expedição, resolvemos encerrar o dia e a passarinhada e voltar para descansar. 


e-
Bird
 - Veja as listas do dia

Seg 7 out 2019 - 07:47
Campus UFAC (Universidade Federal do Acre)
https://ebird.org/checklist/S60463322

Seg 7 out 2019 - 0:22
Rio Branco--Horto Florestal
https://ebird.org/checklist/S60463335


Conclusão 


Viver essa aventura, confrontar meus limites, aprender um pouco mais sobre o meu Brasil - esse gigante realmente adormecido, me fez enxergar a observação de aves com outros olhos. Apesar de todos os perrengues, a viagem toda foi muito mais positiva e produtiva do que pareceu que ia ser. 

Eu acho esse texto atribuído à Clarice Lispector, a cara dessa experiência que tive.

"Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram que trilhar na vida."

Com essa flor eu marco o fim da nossa grande aventura.  Mas num vai embora não, ainda tem mais um pouquinho.

Arquivo pessoal: Silvia Linhares


Viabilidade da observação de aves no Parque Chandless


Enquanto eu ainda estava em Rio Branco, a SEMA enviou um questionário perguntando o que eu achava sobre a viabilidade da observação de aves no Parque Chandless.

Ainda no Hotel antes de embarcar eu respondi muito rapidamente:  
R- O lugar é bem especial. Carece de melhor infraestrutura e um pouco mais de manutenção daquilo que já existe. É um lugar para quem gosta muito de aventura e dispensa luxo. É preciso uma avaliação cuidadosa no sentido de minimizar riscos, como exemplo um pier flutuante, escadas ou cordas para subir a encosta ate a sede, assim que se sai do barco, reformar a passarela, ter energia solar de modo a se ter energia elétrica mais tempo.

Pode entrar no roteiro desse segmento turístico?
R-Sim, apesar da dificuldade de se chegar até lá, o lugar pode vir a se tornar hotspot, mas é preciso ter guias treinados ou especializados na área com a competência e dedicação igual ou superior ao biólogo Ricardo Plácido. Sem guia especializado que conheça as aves e sua localização fica inviável.

Refletindo sobre o que escrevi em 2019 lá em Rio Branco, tenho acréscimos a fazer. Quase um desabafo.

Do ponto de vista de quem viveu essa experiência, cheia de aventura, eu confesso que foi um grande aprendizado e me fez enxergar, inclusive, os meus limites. Eu faria tudo novamente.  

Pendendo pelo lado da Ciência, eu diria que compensa o Estado investir e bancar cientistas (inclusive cientistas-cidadãos) realizando estudos e registros sobre a fauna e flora naquele local. Há uma riqueza muito grande naquele rincão. 

Do ponto de vista do observador de aves, minha percepção é, da forma como hoje se encontra, o PE Chandless tem menos de 10% de entrar para este segmento, embora seja o sonho da grande maioria conhecer e registrar as aves por lá. Mas o motivo principal é a logística para se chegar no local.

Uma concessão para exploração do turismo a interessados em investir talvez possa aumentar esse percentual. Infelizmente no Brasil só se tem olhos para o turismo onde se tem praia, futebol e sexo, com muito poucos olhos voltados para outros setores, principalmente quando envolve a natureza.

O turismo voltado para natureza em geral, inclusive observação de aves, caminha a passos lentos. Felizmente alguns lugares já estão se consolidando no setor. A observação de aves não é um turismo de massa. É direcionado a poucas pessoas de cada vez, o que o torna um segmento caro. Não sou expert em turismo, mas tenho uma boa experiência como usuária. Vi no Equador, Chile, Peru, Patagonia argentina e chilena, Estados Unidos, África do Sul, etc, turismo de alto nível voltado para esse nicho.

Para mim, mesmo antes da pandemia, o problema maior sempre foi a existência de uma equação econômica complexa - demanda x procura. A observação de aves é antiga, mas seu crescimento tem sido percebido no Brasil de forma gradativa graças a plataformas como o Wikiaves e eBird a pouco tempo. Antes era domínio de estudantes e cientistas. Ao atingir um novo público houve uma modificação dessa equação. Vejo grandes estímulos acontecendo todos os dias.

O número de observadores vem crescendo cada vez mais e com ele nascem novos nichos e novas profissões. Ainda estamos engatinhando. Barreiras estão sendo quebradas aos poucos. Pousadas especializadas estão surgindo, tendo como atrativos comedouros e bebedouros bem estruturados, serviço de café com horário especial para observadores, etc. Também percebe-se o aumento de profissionais dedicados à área. Tudo é muito novo e o brasileiro, no geral não tem uma tradição de ser um povo que prime pela sustentabilidade, falo no geral e não desse público específico.

Generalizando, como eu represento o turista no Brasil? É o cara que sai para acampar, para a praia, para o mato, que leva comida, bebida, liga som alto, pisoteia plantas, mata bichos ao seu redor por puro prazer, produz sujeira, lixo, larga tudo sujo quando vai embora (sequer recolhe seu próprio lixo) e volta para casa feliz da vida, sem sequer ter tido a curiosidade de saber o nome da flor ou do passarinho ao seu redor. Eu estou falando do geral. Há muitas exceções, é claro. Pessoas que amam a natureza são minoria, infelizmente. Meu amigo Nelson Barros descreveu isso um pouco melhor que eu no perfil dele no Facebook - veja o texto em Texto de hoje n'A União - O Homem Não Merece o Paraíso.

Mas voltemos ao Chandless e seu potencial dentro do nicho da observação de aves. Como eu disse, a logística para alcançar este santuário é bem complicada. Envolveria custos muito altos para o observador. Vamos imaginar na prática como funcionaria. 

Melhor deixar perguntas. Um observador teria que desembolsar quanto para passarinhar lá? Como chegar lá se não há estradas para ir de carro? Há forma segura de descer de avião por lá, ou melhor, existem aviões disponíveis para se ir até lá? Tem como pousar com segurança? Qual seria o custo para ir pelos rios até lá? Há interessados em fazer isso comercialmente? Como viabilizar as refeições lá durante a hospedagem? Há como se hospedar com segurança lá, ou apenas alojamentos, sem qualquer privacidade? Há guias especializados na área? Quanto custa levar um guia?

Cito como exemplo o Parque Nacional da Serra do Divisor. Lá você tem a Pousada do Miro. Ela não oferece nenhum luxo, mas tem quarto individual, cozinha compartilhada (se você quiser pode até cozinhar levando seus próprios ingredientes), ou então pode optar por incluir no pacote as refeições fornecidas por ele. Tem banheiro e chuveiro na pousada e o Miro oferece uma estrutura para buscar e levar você de barco desde Mâncio Lima até lá. Os pacotes que ele oferece são viáveis do ponto de vista financeiro. Incluem transporte por barco, hospedagem, alimentação e passeios guiados por ele. Eu já estive lá (leia mais aqui) e posso atestar isso. 

Juro que não sei qual seria a resposta: Há como isso ser viável no PE Chandless?

Enfim, eu sou muito grata à Secretaria de Turismo, pois não sei se enfrentaria todos os perrengues que citei para ir até lá apenas para ver passarinhos se não fosse esse generoso convite. Obrigadíssima de coração a todos os envolvidos, principalmente ao biólogo e atual gestor do PE Chandless Ricardo Plácido a quem chamamos carinhosamente de Imperador das Aves do Acre.


*
*
*
*
*

17 comentários:

  1. Obrigada por chegar até aqui. Aguardo ansiosamente sua opinião sobre o post.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Silvia gostei de acompanhar sua aventura foi muito bem detalhada, com alegrias e dificuldades.Você é ótima contadora de histórias, vai sair um livrinho aí?

      Excluir
    2. Pois é, mas parar para esquematizar um livro é muito complicado. Quem sabe um dia né? Super obrigada pelo retorno.

      Excluir
    3. Sou a Renata Maggion não sei porque apareceu unkown ... mas pense nisso quem sabe um audio book rsrs

      Excluir
    4. Oi Renata, esse sistema do Blogger de comentários é meio estranho, eu não entendo muito bem. Mas fico mais feliz ainda em saber que o comentário foi seu.

      Excluir
  2. Maravilhosa expedição! Viajei junto! Que delícia! Saudades de passarinhar e de ser com vc!❤️💋💋

    ResponderExcluir
  3. Silvinha, seu texto prende a gente de uma forma que é qcomo se tivéssemos presente com vcs nessa expedição! O Chandless precisa ser reconhecido mesmo e vcs estão fazendo a parte de vcs, obrigada!
    Ótima leitura, ótima experiência, ótimos registros e percepções.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada querida. Você tem toda razão. Obrigada por seu feedback. É muito importante pra mim.

      Excluir
  4. Lindo texto. Muito esclarecedor. Viajei um pouco por esse lugar tão distante e inviável para a maioria. Parabéns pela tua resiliência. Uma lição para todos nós.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Agradeço imensamente pelo seu retorno. Pena que não tenho como identificar o autor deste comentário, mas fiquei muito feliz.

      Excluir
  5. Olá Silvia, ótimo relato (tradição sua!). Puxa, quantos percalços, mas também quantas fotos e histórias super atrativas e interessantes. Sem falar na grande importância da expedição em si. Creio que vc ter participado dela, foi um dos fatores decisivos para o seu (dela) sucesso, seja qual for o resultado/objetivo final a ser almejado ou alcançado. Outro fator, claro, a capacidade do Ricardo Plácido como guia-algo já bem conhecido de todos nós.
    Parabéns, grande abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigadíssima, fico muito feliz com esse feedback. É muito incentivador.

      Excluir
  6. Quanta riqueza de detalhes em... Apesar dos obstáculos vcs tiveram grandes recompensas ouvindo, vendo e registra aves dos sonhos de todos os passarinheiros. Acredito ter sido a sua maior superação de desafio, merecia a documentação em vídeo, mas estou satisfeito e provocado a querer viver as mesmas experiências. Parabéns pelo relato super completo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada meu querido amigo, fico muito feliz com seu feedback. Que venham mais experiências como essa. Quase na hora de começar a planejar as grandes expedições. Um super abraço pra vc.

      Excluir
  7. Uma verdadeira aventura! Parabéns, Sílvia por sua determinação, persistência e vontade de passarinhar sempre em busca de novas descobertas! Eu não faria esse roteiro, mas viajei junto com vocês pelo blog. Mais que um blog, um capítulo de um documentário maravilhoso!
    Continue assim e obrigado por dividir conosco suas aventuras e suas belas fotos!
    João Valadão Filho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. João, eu me sinto muito honrada com seu comentário. Essa é a recompensa que recebo por montar esses textos com fotos contando minhas aventuras. Muitíssimo obrigada.

      Excluir

Obrigada por visitar meu Bloguinho!