Foto by Silvia Faustino Linhares |
É uma terra com muita floresta ainda, com gente trabalhadeira e simpática. Possui boa estrutura hoteleira (para todos os bolsos) e bons restaurantes na Capital. E nos pequenos municípios que visitei, embora a infra-estrutura seja inferior à Capital, é lugar de gente muito hospitaleira. As flores e insetos são de outro mundo. Bonito demais de se olhar.
E as aves? Nossa!! Como tem ave diferente por lá. A maior parte
vive no meio dos tabocais (taboca é o nome popular, oriundo do tupi, do
bambu Guadua Weberbaueri). É muito difícil fotografar dentro dos
tabocais. São escuros, cheio de espinhos, folhas, ramificações diversas, cipós,
o que gera pouco espaço livre para clicar a ave lindamente. Usar o flash é
complicado, pois além de assustar as aves, a luz acaba por refletir em um
galhinho abusado e cria um borrão. O jeito é usar ISO alto, muito alto e a minha
câmera peca ao utilizar ISO acima de 1000.
O Marco no tabocal - foto by Silvia Faustino Linhares |
Errei
em não levar o tripé ou monopé. Sei que sentiria muita dificuldade para me locomover com
qualquer um deles, mas tenho certeza que melhoraria meus registros e muito.
Agora já foi, que me sirva de lição.
Nessas horas eu queria ser simplesmente
observadora de binóculo e anotação em caderneta, mas a fotografia é meu ponto
fraco e sou apaixonada por ela. Observar aves e fotografá-las para mim são sinônimos. Foi um grande desafio e cada
clique conseguido, por mais borrado e escuro, para mim era um
triunfo.
Confesso que foi uma das minhas melhores
viagens. A começar pelos companheiros de viagem, todos nota 10. Ricardo Gentil e
Marco Guedes, vocês são super super.
Mas vamos ao relato diário dessa grande aventura.
Dia 20/08/2014 - quarta-feira
Atendendo a convite do amigo Ricardo Gentil
para acompanhá-lo ao Acre numa passarinhada junto com o amigo Marco Guedes, saí
de São Paulo, via Cumbica em voo da Gol às 20:20 horas, com escala em Brasília e chegada em Rio Branco prevista para 00:10h de lá (lá o fuso horário é -2 horas). Prefira
um voo assim, pois com equipamento pesado, fazer conexão é muito complicado. São quase 6 horas
dentro do avião, a escala em Brasília dura 50 minutos mais ou menos. Chegando
em Rio Branco, meus primos Sérgio e Nair, com dois dos netinhos, foram me
buscar. Ajeitaram um quarto para eu dormir e após um lanchinho e um rápido
bate-papo, cama.
Dia 21/08/2014 - quinta-feira
Logo cedo, momento família. Conheci a Bia e o
Lauro, filhinha e esposo da minha priminha Bárbara Denise. Conheci a Silvana e
as pitchucos Gabi e Murilo, esposa e filhos do meu primo Danilo e assim passei
a manhã, deliciosamente em família. Após o almoço, meus primos me levaram para
o Hotel.
Eu ia ficar no Guapindaia Centro, mas troquei para o Guapindaia Praça por dois motivos, a localização é melhor e o Tomaz que iria nos guiar nos próximos dias estava hospedado nele. Esse hotel ficava próximo do local onde o Ricardo e o Marco se hospedaram, o Holiday Express. O Guapindaia é bem mais simples que o Holiday, e por conseguinte, mais barato, portanto, depende do seu bolso. Eu recomendo um ou outro (no caso do Guapindaia dê preferência ao Bosque ou Praça, nunca o do Centro).
Eu ia ficar no Guapindaia Centro, mas troquei para o Guapindaia Praça por dois motivos, a localização é melhor e o Tomaz que iria nos guiar nos próximos dias estava hospedado nele. Esse hotel ficava próximo do local onde o Ricardo e o Marco se hospedaram, o Holiday Express. O Guapindaia é bem mais simples que o Holiday, e por conseguinte, mais barato, portanto, depende do seu bolso. Eu recomendo um ou outro (no caso do Guapindaia dê preferência ao Bosque ou Praça, nunca o do Centro).
Após o check-in, lá vamos nós inaugurar a
passarinhada. O carro alugado pela Localiza foi um Fiat Doblô. O espaço interno
é muito bom, mas infelizmente essa unidade apresentou problemas elétricos para travar as portas, e como não havia outro carro para troca, acabou sendo nossa
piada constante... Trancou? Não trancou? Tenta de novo...tenta assim, tenta
assado ... Kkkkkkkkkkkkkk só rindo mesmo...mas ele aguentou o tranco
firmemente.
Chegamos ao tão falado PZ – Parque Zoobotânico da UFAC. Fomos recebidos pelo simpático Chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons). E de cara um lifer para dar sabor ao dia...um Aracuã-pintado (Ortalis guttata), que apesar de muito longe, ainda deu para registrar. Logo em seguida um passarinho cantador da família dos sabiás, o Caraxué-de-bico-preto (Turdus ignobilis) fez nossa alegria. Vimos macaquinhos pelas matas e já fechando o dia um diminuto martinho, que inicialmente pensamos ser um martim-pescador-da-mata.
Foto by Silvia Faustino Linhares |
Na volta passamos num supermercado para comprar água e
o café da manhã, que faríamos improvisadamente na mata no dia seguinte. Fechamos o dia com um delicioso peixe
grelhado no A Princesinha.
Dia 22/08/2014 - sexta-feira
Destino: Reserva Florestal Humaitá -
Universidade Federal do Acre – UFAC – Porto Acre, mais ou menos 50 km de Rio
Branco.
Vou citar alguns aqui: o belo e imponente
Gralhão (Ibycter americanus), Uirapuru-azul (Thamnomanes schistogynus),
Surucuá-de-cauda-preta (Trogon melanurus), Bacurau-ocelado (Nyctiphrynusocellatus), Ferreirinho-estriado (Todirostrum maculatum),
Cigarrinha-do-campo (Ammodramus aurifrons), Periquito-de-asa-azul (Brotogeriscyanoptera), Gavião-pedrês (Buteo nitidus), entre
outros.
As estrelas do dia...não uma, foram
quatro que brilharam para nossas lentes: Maria-de-cauda-escura (Ramphotrigonfuscicauda), Maria-topetuda (Lophotriccus eulophotes),
Anambé-de-cara-preta (Conioptilon mcilhennyi) e o famoso
Pica-pau-lindo (Celeus spectabilis). Esse último é muito, mas muito
lindo mesmo, acho que por isso deram esse nome a ele. Não para um minuto quieto, fica brincando de esconde-esconde o tempo todo. É mesmo lindo como diz o seu nome popular, mas o seu científico deveria ser Celeus spevitadus.
Pica-pau-lindo (Celeus spectabilis) |
Foi um dia muito prazeroso, mas bem puxado, os meus pés doíam tanto, que passei lidocaína para ver se aliviava. Devoramos uma bela pizza na Princesinha e fomos dormir. Passei 15 minutos com os pés para o alto antes de dormir, que os fez desincharem para o dia seguinte. Eu recomendo fazer isso após longas caminhadas.
Dia 23/08/2014 - sábado
Destino: Ramal
Jarinal, mais ou menos KM 70 da Estrada Transacreana, a Rodovia AC 90 - munícipio
Rio Branco.
Saímos bem cedo para pegar as luzes mágicas do amanhecer, além do que é bem mais fresco. Nem bem tinha amanhecido, logo na beira da estrada, fiz o primeiro lifer do dia: Polícia-inglesa-do-norte (Sturnella militaris).
Saímos bem cedo para pegar as luzes mágicas do amanhecer, além do que é bem mais fresco. Nem bem tinha amanhecido, logo na beira da estrada, fiz o primeiro lifer do dia: Polícia-inglesa-do-norte (Sturnella militaris).
Mas o local tinha muita coisa ao redor, a luz estava divina e fizemos bons cliques do Surucuá-de-cauda-preta (Trogon melanurus), Sabiá-gongá-da-amazônia (Saltator azarae),
Cigarrinha-do-campo (Ammodramus aurifrons) e do Pica-pau-amarelo (Celeus flavus).
E do nada surge a Agulha-de-garganta-branca (Brachygalba albogularis). Foram incontáveis cliques dessa pequenina ave. A cena-destaque-do-dia ficou por conta de um Cauré(Falco rufigularis), que a princípio pensamos ser um falcão-de-peito-laranja. Ele tinha acabado de predar uma rolinha e deu um show para a gente, enquanto se alimentava vorazmente de sua presa. Foram 148 fotos só desse falcãozinho.
Um bando de Periquito-de-cabeça-suja (Aratinga
weddellii) apareceu numa bela árvore coberta de flores, mas muito alto para
o alcance preciso da minha lente.
Entramos na primeira taboca em busca da tão
esperada Maria-sebinha-do-acre (Hemitriccus cohnhafti), doravante
chamada de "Hemi", apelido que dei a esse minúsculo Hemitriccus. Ela apareceu com seu fremir de asas
e vocalização baixa e danou a pular de um lado para o outro. E o mais engraçado
foi que eu achava que tinha fotografado o sapequinha, quando o guia pediu para ver, ai
que decepção, não era ela...e toca eu ir atrás desse passarinho "semi-invisível" de
novo.
Na realidade esse que eu cliquei era um Guaracavuçu (Cnemotriccus fuscatus), quem me ajudou a identificar foi o amigo Wagner Nogueira, que assim me disse: “Cnemotriccus fuscatus, Silvia. Um bicho com muitas subespécies e que precisa de uma revisão. Guarde com carinho, pois vai que esse aí "vira" uma espécie nova em um futuro próximo...”
Na realidade esse que eu cliquei era um Guaracavuçu (Cnemotriccus fuscatus), quem me ajudou a identificar foi o amigo Wagner Nogueira, que assim me disse: “Cnemotriccus fuscatus, Silvia. Um bicho com muitas subespécies e que precisa de uma revisão. Guarde com carinho, pois vai que esse aí "vira" uma espécie nova em um futuro próximo...”
E vai ficar guardadinho...no Wikiaves. E
quanto ao "Hemi", apenas o amigo Ricardo Gentil, havia conseguido um
lindo registro. O bichinho foi-se e eu e o Marco Guedes ficamos chupando o
dedo.
Procuramos em várias tabocas e nada do "Hemi"... O mal-educado Formigueiro-de-goeldi (Akletos goeldii), que não me deixou fazer fotão dele de jeito nenhum. E tem hora que do nada surge uma novidade na taboca, como foi o Papa-formiga-de-sobrancelha (Myrmoborus leucophrys), forrageando tranquilamente. Novamente tropecei no mau desempenho da minha câmera com ISO alto. A primeira no limpo, não focou direito, a segunda foto, ia ficar “da hora” quando o bico do bichinho ficou escondido atrás do bambu..."tão nem aí pra gente" ... nos dão adeus e não voltam nem por decreto.
Pausa para o almoço. Paramos num barzinho
na vila. Após matar a sede, o dono nos indicou o restaurante da d.
Maria, o Vila Verde, comida boa, bebida gelada, muitos risos com as imitações de passarinhos e um bom alpendre para
descanso, faltou só a rede. E quem disse que precisava, né Ricardo?
Foto by Silvia Faustino Linhares |
No retorno, paramos novamente na ponte em
busca do casaca-de-couro-amarelo e nem
sinal dele, mas uma Saracura-três-potes (Aramides cajanea), fez pose
para minha lente.
A foto dessa fêmea de Uirapuru-azul (Thamnomanes schistogynus), feita numa taboca exemplifica bem a dificuldade de clicar nesses
lugares...você acha um buraquinho minúsculo e tenta acertar o foco, mal dá tempo de
ajustar e o bichinho já pula fora.
A próxima que se aproximou da gente foi uma curiosa e linda criaturinha: a Freirinha-de-coroa-castanha (Nonnula ruficapilla). Estava bem escuro e eu arrisquei um ISO 6400. Mandei ver mas não gostei do resultado...Ela merecia uma foto mais bonita, pois é danada de linda.
Uirapuru-azul (Thamnomanes schistogynus) - Ramal Jarinal - Rio Branco |
Até o momento, "Hemi" 10, Silvia 0.
No caminho entre uma taboca e outra, uma cena muito interessante, uma
Maracanã-guaçu (Ara severus) alimentava seu filhotão. Fizemos bons
cliques dessa cena familiar.
Próxima taboca, vários arranhões nos braços, mesmo usando camisa de manga longa, eis que a tão esperada Maria-sebinha-do-acre (Hemitriccus cohnhafti) deu uma chance para mim...foram três únicos cliques antes do danado desaparecer de novo, deixando, dessa vez o Marco sem fazer o registro.
Maria-sebinha-do-acre (Hemitriccus cohnhafti) |
E nessa mesma taboca quem deu o ar da graça foi o
Pinto-do-mato-de-cara-preta (Formicarius analis). Eu fiz uma senhora
burrada e perdi a chance de um fotão. Ele ficou nos rodeando, e se escondia o
tempo todo, é um exercício de paciência oriental aliada à velocidade
supersônica e visão biônica. Você espera uma única janelinha para clicar, no
escuro. E ele me deu essa chance. Eu deveria ter acionado o flash e não fiz isso, puro descuido,
coloquei ISO no modo A e ele me jogou para 12800, só obtive um borrão.
Mais uma para adicionar à lista de experiências a não repetir.
O cansaço acumulado me fez perder a fome para
jantar, apenas lanchei, tomei um super banho, enquanto baixava as fotos, preparei tudo para o dia seguinte e fui direto para a cama.
Dia 24/08/2014 - domingo
Parte da manhã: Ramal Jarinal,
mais ou menos KM 70 da Estrada Transacreana, a Rodovia AC 90 - munícipio Rio
Branco.
Por unanimidade escolhemos voltar ao ponto do
“Hemi” para o Marco tentar a sorte.
Paramos na D. Maria (restaurante Vila Verde) para o
cafezinho da manhã (pão feito em casa com leite e café hummmm hummmm -
delícia).
Um pouco antes de tentarmos o “Hemi”, paramos
na famigerada ponte do casaca-de-couro-amarelo, e mais uma vez ele não se
dignou a fazer as honras da casa. Azar o dele, vai ficar sem foto para o perfil do "facebird"
dele rs rs rs rs...mas uma bonitinha veio nos saudar e tome clique né d.
Maria-peruviana (Hemitriccus iohannis).
Eu e o Ricardo ficamos fora da taboca para
não atrapalhar. Enquanto isso eu achando que tinha fotografado uma alma-de-gato, fiz um liferzão: Chincoã-pequeno (Coccycua minuta). Depois de um tempo sai o Marco lá de dentro com
cara de nada. E nós curiosos, na maior expectativa. "E aí como foi?" - E aí ele abriu um sorrisão: "10 a 0". Foi só alegria. Ficamos muito felizes por ele. Se ele não
conseguisse eu ficaria muito chateada, como se fosse comigo.
E como precisávamos voltar para Rio Branco, pegar
um pouco de tralha para passarmos a noite em Manoel Urbano, nem esperamos mais.
No caminho de volta ainda cliquei um Gaviãozinho (Gampsonyx swainsonii), melhorando meu borrão da espécie.
O Ricardo quase camuflado na paisagem acreana |
Parte da tarde: pegar estrada para Manoel Urbano.
A estrada que vai de Rio Branco para Manoel Urbano,
passando por Sena Madureira, está bem esburacada, foi danificada pelas fortes
chuvas e apenas alguns trechos foram recuperados. Demoramos a tarde toda para
chegar ao nosso destino: a casa do barqueiro Duti.
No caminho paramos para clicar um bando de
Gralha-violácea (Cyanocorax violaceus)
e ganhamos de brinde um bando de caboclinho-de-peito-castanho (Sporophila castaneiventris). Foi uma festa para os olhos e para as lentes.
Visando não deixar os pés inchados viajei de chinelos havaianas e de camiseta de manga curta. Passei repelente nos pés mas não nos braços e mãos. E esse foi um erro doloroso. A casa do Duti é na beira do Rio e tinha um tal de pium por lá, parentes do nosso borrachudo do litoral. Aliás, na cidade inteira. Não era "pi-um", eram "pi-muitos"... Os piuns são mosquitinhos extremamente chatos, quase imperceptíveis a olho nu, porém com picadas incômodas que coçam pra caramba. Você só percebe que algum esteve na sua pele quando é tarde demais.
Ficamos num hotel, cujo dono foi muito simpático. Ele nos indicou o restaurante da Loira, e lá fomos nós. O jeito foi pedir uma pizza. Enquanto eu comia a pizza, meus braços e dedos das mãos eram saboreados com vontade pelos piuns. A tal coceira durou até eu passar Andantol neles (dica que peguei com o Reinaldo Guedes no Wikiaves). Meu primo Sergio, lá de Rio Branco, que costuma pescar muito e conhece o micuim e o pium muito bem, indicou o parasitário Deltacid loção, vou experimentar. Se eu não encontrar o Deltacid vou comprar a Loção Escabin, pois é o mesmo princípio ativo (Deltametrina) e acho que mais fácil que usar do que sabonete.
Li isso num blog qualquer: "Acho que tem inseto que usa máscara para passar por cima dos repelentes, e outros que usam broca para picar por cima da roupa." Bem isso mesmo!
Recomendo que usem roupas de manga o tempo todo, calças dentro das meias e coturno ou botinha com perneira. Repelente sempre. Não economize nem tenha preguiça ou descuido.
Li isso num blog qualquer: "Acho que tem inseto que usa máscara para passar por cima dos repelentes, e outros que usam broca para picar por cima da roupa." Bem isso mesmo!
Recomendo que usem roupas de manga o tempo todo, calças dentro das meias e coturno ou botinha com perneira. Repelente sempre. Não economize nem tenha preguiça ou descuido.
Dia 25/08/2014 - segunda-feira
Destino: Navegar
pelo Rio Purus a partir de Manoel Urbano até o Igarapé Macapá.
Esse é um capítulo à parte. E pensar que eu
reclamava de duas a três horas de barco no Tanquã! Pense como é ficar doze
horas dentro de um pequeno barco, de alumínio (lancha voadeira), sem conforto
ou sombra, barulhento de doer os ouvidos. Ainda bem que o piloteiro Duti é
experimentado e fazia pit-stops para o “deságue” e desenferrujamento das pernas
e costas. Precavida, eu levei minha almofadinha de usar no pescoço, aquelas de
avião. Amorteceu meu traseiro, mas juro que preferia uma almofada normal. E o
Ricardo mais esperto, pediu um travesseiro emprestado para o dono do
hotel."Se deu bem!"
Eu posando no primeiro pit-stop - imagem produzida por Marco Guedes |
Levantamos 3 horas da manhã, às 4 já
estávamos dentro do rio, iniciando a navegação com vistas a alcançar o Igarapé
Macapá. Seriam necessárias mais de 4 horas para chegarmos lá. Iniciamos
vagarosamente, pois estava escuro, nebuloso, e o rio bastante baixo, deixava muitos
troncos perigosos à vista no meio dele, o que poderia virar o barco. Usamos lanternas o
tempo todo. Só uma vez encostamos num tronco e o barco sacolejou de um lado para o outro. No mais a habilidade do Duti foi fundamental. Chegamos ao nosso
destino sem outros sustos.
Galhos no meio do Rio Purus |
Assim que o dia começou a amanhecer, fomos presenteados
com um céu cor de rosa deslumbrante. No nosso primeiro pit-stop, onde mal
fizemos o desjejum, havia bandos de Bacurau-da-praia (Chordeiles rupestris)
revoando por todos os lados. Ainda estava um pouco escuro, mas foi possível
registrá-los bem.
Havia muitas andorinhas, tanto serradoras, do
rio como os peitoril. Bacana mesmo foi encontrar um Jacu-de-spix (Penelopejacquacu) dando mole, o que me possibilitou melhorar o registro que fiz em
Claudia/MT.
O primeiro presente estava por vir. Por volta
de 6 e pouco da manhã, avistamos os primeiros bandos de Papagaio-moleiro (Amazonafarinosa), voando. Lifer para mim. Depois passaram bandos de
Maitaca-de-cabeça-azul (Pionus menstruus). Nas margens um
Tucano-grande-de-papo-branco (Ramphastos tucanus) observava atento com
um olho na nossa passagem e outro nos psitacídeos. E não demorou muito, um
bando enorme de Papagaio-campeiro (Amazona ochrocephala) cortou os ares.
Logo em seguida descobrimos o porque. Um grande banquete nas margens do Rio
Purus estava sendo realizado. O prato principal era o barreiro das margens. Foi
realmente de tirar o fôlego, pena que não filmei. A emoção foi tanta, que juro,
só esse espetáculo já teria valido a viagem.
Continuando a navegar, pude melhorar meu
registro do Gavião-de-anta (Daptrius ater), cujo vulto eu registrei no
susto em Matupá/MT, achando que eram caracarás e depois um gralhão... Desta vez
esse gavião se alimentava paradinho nas margens do rio. Foi show.
Outra foto bonita foi da Garça-real (Pilherodiuspileatus) com o peito estufadinho. Coisa mais linda de se apreciar... havia
também muitas Iraúna-grande (Molothrus oryzivorus) pelas margens.
Pomposas e empinadas, pareciam andar de salto alto e serem as donas do pedaço.
Até o Urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) sobrevoou nosso barco para
ver o que se passava. Bandos de pequeninas Maria-da-praia (Ochthornislittoralis) espreitavam a nossa passagem, curiosas como meninas.
Enfim, lá perto de 9 da manhã, chegamos ao
Igarapé Macapá, um estreito canal, que para entrarmos, dois dos nossos tiveram
que descer do barco, pois a passagem que o liga ao rio estava quase no seco e
com o peso o barco empacou na areia.
Saímos procurando pela estrela do dia, mas eu queria primeiro ver uma
Cigana (Opisthocomus hoazin) e não é que vi, não uma, mas um bando, porém tudo escondida na copa das árvores da margem, sequer consegui um pescocinho
para fora, e todas voaram para o fundo da floresta, deixando-me a ver
navios. snif chuift...só na próxima agora!
Entrando no Igarapé Macapá - Duti, eu e Ricardo - imagem produzida por Marco Guedes |
Essas estão em dívida comigo. Mas voltemos a
nossa busca pela nossa estrela em cima das embaúbas das margens. Primeiro
avistei uma Pipira-de-máscara (Ramphocelus nigrogularis). E enfim, a Sovela-vermelha (Galbalcyrhynchuspurusianus) estava ao nosso alcance, digo, ao alcance das nossas lentes.
Bem no alto, lá estava a pequenina. E depois mais uma e mais outra. "Festa de arromba
para os olhos"...
O Ricardo resolveu arriscar, sair do barco e subir no
barranco para conseguir melhorar seu ângulo. Carregando o tripé e sua potente
D800 + lente 500tinhas lá foi o nosso “Underground Photobirder”, pela lama
movediça, foi tenso, uma hora o tripé tombou com a câmera, e nós no barco só
podíamos ficar olhando e rezando para nada se quebrar. Ainda bem que foi só um susto. Meu conselho, nunca
tente isso, é radical e arriscado demais. Só espero que tenha valido a pena
para ele e que sua foto tenha ficado digna de um quadro.
Passado esse glorioso momento, tudo parecia
ser de menor importância, urubu-rei e gavião-de-penacho no alto ficaram sem
importância nenhuma. Ainda sob o efeito endorfinante da G. purusianus, cliquei um Periquito-testinha (Brotogeris sanctithomae) e o Bate-pára (Attila bolivianus).
No retorno, uma falta de visão mais apurada,
me fizeram perder o melhor clique do Bem-te-vi-de-cabeça-cinza (Myiozetetes
granadensis), acabei fazendo um meia-boca, daqueles “só para registro
pessoal”. O Duti dizia: “ali, nos galhos secos da árvore caída”, e
eu olhava, olhava, chegava até um galho mais distante e nada! Arre!!!! A ave estava quase na minha cara, quando vi, tarde
demais, ela foi "lááa" para o alto.
Aqui merece um adendo sobre as borboletas e
mariposas. O Acre possui lindas espécies, confesso que não entendo nada, mas sempre que
posso as fotografo. E na beira do Purus, nossa! Uma mais linda que a outra. Abaixo uma coletânea da nossa semana no Acre.
E a Cigana (Opisthocomus hoazin),
nada. Ainda paramos algumas vezes para clicar algum bicho mais comum.
Havia talha-mar, batuíras e maçaricos pelo caminho de volta.
Porém, de repente, um bicho nas margens, não era a Cigana, mas outro sonho meu: uma bela e majestosa Anhuma (Anhima cornuta). Uau! Me senti recompensada. Anhuma, sua linda! Êxtase completo, tem três anos que tentava encontrá-la e nada.
Por volta das 15 horas nos deparamos com um bando enorme de Bacurau-da-praia (Chordeilesrupestris), todos pousadinhos nas quentes areias das praias do Purus. Fiquei pensando: como é que seus pesinhos aguentam o calor escaldante.
E fim da nossa aventura no Rio Purus, às 16
horas aportamos em Manuel Urbano. Valeu toda dor no bum-bum, pernas, costas.
Pergunta se eu volto? Volto, mas com uma bela almofada no traseiro, a minha de
pescoço não deu muito conta do recado não.
Logo que pudemos nos colocamos na estrada
para Rio Branco. Chegando, fomos buscar a chave da porteira da
Fazenda Experimental Catuaba que fica em Senador Guiomard, onde era nosso plano
ir no dia seguinte. Houve um desencontro e não conseguimos a
chave naquele momento, então mudamos nossos planos para o dia seguinte.
Dia 26/08/2014 - terça-feira
Destino: PZ – Parque Zoobotânico da UFAC. Resolvemos sair
mais tarde, após o café dos respectivos hotéis, que começa às 6:00h. Chegamos
no PZ com a luz alta. Meu primeiro clique foi às 7:08h no estacionamento do
parque: um Bagageiro (Phaeomyias murina), vocalizava muito e fez muitas
poses para mim.
Ao entrarmos na trilha, ouvimos o
Bico-chato-grande (Rhynchocyclus olivaceus), chamamos e o bicho veio e nos
deu uma chance de foto legal. O Formigueiro-chumbo (Myrmelastes hyperythrus), veio, mas ficou
dificultando o clique, num pula-pula insano...
No meio da muvuca, vai prá lá, vem prá cá, mais uma
surpresa, o professor Guilherme apareceu acompanhado de um aluno e duas
moças, sendo uma delas a minha querida amiga Margi Moss de Brasília,
acompanhada de sua amiga Aurê. Eles se juntaram à nós em busca de uma imagem do
Formigueiro-chumbo. E eis que ele me deu uma chance única, inteiro no limpo.
Nem acreditei.
O nosso “bando misto” passou a andar e conversar, clicando
outro bando misto, Suiriri-de-garganta-rajada (Tyrannopsis sulphurea),
Uirapuru-laranja (Pipra fasciicauda), Gaturamo-verde (Euphonia
chrysopasta), Bentevizinho-de-asa-ferrugínea (Myiozetetes cayanensis),
Saíra-de-bando (Tangara mexicana) e outros bichinhos pequenos na borda
do laguinho foram flagrados pelas nossas lentes, apesar da contraluz, muito
forte às 9 da manhã.
Foi quando a Margi avisou a gente, "tem um
anambé aqui"...quando ela pronunciou a palavra “pombo”, eu saí em disparada.
Outro sonho estava para ser realizado. Bem ali, paradinho no alto, um Anambé-pombo (Gymnoderus
foetidus) observava o mundo à sua volta. Nossa, imagina o tanto de emoção.
Ainda bem que não achamos a chave da porteira no dia anterior...vai saber se esses
inesquecíveis momentos iriam se repetir. Essa vai para a lista de “coisas sem
explicação”.
Após as despedidas de praxe, continuamos nossa
passarinhada, lá pelas tantas, os “meninos” entraram na brenha atrás de um
passarinho e eu continuei andando calmamente pela frondosa trilha. Um Chora-chuva-preto
(Monasa nigrifrons), sempre muito fotogênico, roubou minha atenção. Fui
tentando me aproximar para fazer uma foto dele no capricho.
Eis que ele voa e
para numa árvore mais à frente. Caminho até lá e me deparo com algo bem colorido.
Um belo Capitão-de-fronte-dourada (Capito auratus) se apresentou para
minha lente. Quase entrei em transe, tamanha a emoção. Só fiz lembrar da minha
amiga Claudia Brasileiro que curte aves coloridas.
Antes de sairmos para o almoço deu para fazer um registro mixuruca do Cantador-galego (Hypocnemis subflava). Ele não estava muito inspirado para uma sessão fotográfica e foi embora assim que chegou.
Antes de sairmos para o almoço deu para fazer um registro mixuruca do Cantador-galego (Hypocnemis subflava). Ele não estava muito inspirado para uma sessão fotográfica e foi embora assim que chegou.
Lá pelas 16 horas, retornamos a
fim de corujar. Logo no estacionamento, cliquei um Sanhaçu-da-amazônia (Tangara
episcopus). Já sem luzes na trilha, conseguimos ouvir, gravar e fotografar
o Sabiá-bicolor (Turdus hauxwelli). Como canta bonito! A corujinha-relógio chegou para o Marco fotografar, como eu não quis atrapalhar, pois
tenho uma bela foto dela em Cláudia/MT, fiquei distante e quando enfim, me
aproximei, ela se foi.
Jantamos no Paço e finalmente conseguimos a tal
chave para o dia seguinte.
Dia 27/08/2014 - quarta-feira
Destino manhã: Fazenda
Experimental Catuaba – Senador Guiomard
O objetivo era encontrar o
Chora-chuva-de-bico-amarelo (Monasa flavirostris). Lá chegando, um
Papagaio-moleiro (Amazona farinosa) se alimentava numa goiabeira, todo faceiro. Dava
para fazer fotos lindas, mas um acontecimento se não fosse trágico seria cômico nos arrefeceu os ânimos.
O Marco havia esquecido a bateria da câmera no carregador (a titular e a
reserva). Estávamos muito longe para retornar. Propusemos que ele usasse nossas câmeras
para fazer seus registros, logo após clicarmos os nossos.
E assim foi feito. Esse
episódio vale mencionar por duas coisas. Uma para se ter ideia como o cansaço
prega peças até nos fotógrafos mais experientes, a ponto de fazer esquecer a
checagem do equipamento antes de ir à campo. E segundo pela solidariedade entre
amigos, dispostos até mesmo a abrir mão de um instante fotográfico para ajudar
o parceiro. Isso me emocionou muito. Ricardo e Marco, vocês são OS BONS COMPANHEIROS, com letras maiúsculas e negritadas.
O primeiro lifer do dia para não fugir à
tradição foi uma maria...a Maria-de-peito-machetado (Hemitriccus flammulatus).
E o segundo, o Cantador-sinaleiro (Hypocnemis peruviana), eu, mais uma
vez fiz bobagem, ISO 800, velocidade 1/20 e o bicho paradinho na minha frente.
Lógico que não prestou...quando liguei o flash, já era...A ansiedade matou o gato e ainda tenta acabar comigo...kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Mas para compensar, quem surge? Paradinha, num fio, com uma boa
luz, daquelas que todo fotógrafo sonha... a cerejinha do bolo... Chora-chuva-de-bico-amarelo (Monasa flavirostris).
Um pouco mais adiante, bem no alto, mas no alto
mesmo, uma Ariramba-do-paraíso (Galbula dea). E no meio de um bandinho misto,
um lifer inesperado: Caneleiro-pequeno (Pachyramphus minor).
De repente o Ricardo chamou a atenção,
pois no meio do bando misto havia um arapaçu diferente...ao olhar a foto no
visor e depois no alto da árvore com o binóculo, vimos tratar-se de um Arapaçu-do-inambari
(Lepidocolaptes fatimalimae). Minha foto ficou uma droga, mas a dos
meninos ficou um show. Mas só pela emoção, já valeu o momento.
Com pena de
deixar esse promissor local, retornamos a Rio Branco para o almoço.
Destino tarde: PZ – Parque Zoobotânico
da UFAC. Após o almoço, retornamos ao PZ, onde pudemos ver,
ouvir, sem conseguir foto, um casal de pica-pau-lindo. Mas para compensar,
conseguimos foto do Formigueiro-de-cauda-castanha (Sciaphylax hemimelaena),
tanto do macho quanto da fêmea. Só o Ricardo tinha conseguido anteriormente.
Divertimos-nos com a performance do
Bentevizinho-de-asa-ferrugínea (Myiozetetes cayanensis) num fio. E então
surgiu a chance que eu queria de fazer um bom registro do
Periquito-de-cabeça-suja (Aratinga weddellii).
Destino noite: Comemoração antecipada
do meu aniversário no O Paço. Meus primos Sérgio e Nair vieram tomar um
chopinho e conhecer meus amigos. O resto dos primos não puderam comparecer. Foi uma noite muito acolhedora, bem especial. Cercada pelo
carinho da família e dos amigos e com o HD lotado de fotos especiais.
Dia 28/08/2014 - quinta-feira
Destino: Guarulhos... Duas da manhã, embarcamos, cansados e
felizes. E eu com uma única certeza. Ano que vem quero voltar, repetir alguns
roteiros, conhecer novos, e passar mais tempo com a minha família. Irei me
programar melhor.
Dia do meu aniversário... woo
woo...comemorado nas alturas, como se passarinho fosse.
Conclusão
Todas as dicas de passarinhada estão no corpo
da postagem, mas a maior dica eu quero deixar neste finalzinho.
A gente tira uma grande lição das
passarinhadas. É preciso muita, mas muita paciência para ser passarinheiro!
Como eu disse acima, a paciência tem que ser oriental, a velocidade supersônica e o olhar
biônico. E o guia muitoooooo competente. rs rs rs
Mas falando sério, é fundamental saber
administrar o cansaço e os limites do corpo. É preciso também saber lidar com a
frustração e a ansiedade. Sabe aquele passarinho que todo mundo fotografou,
menos você, não chore, não emburre, você pode vivenciar o inverso ou ainda ter
uma segunda chance com a ave.
E depois quando uma tentativa resulta em sucesso é só alegria. Por que ver ave não é uma ciência
exata. É tentar e tentar. Aves não tem CEP nem endereço fixo. Outra coisa muito importante, temos
que saber ser tolerantes com os parceiros, entender que cada um tem uma reação
diferente frente às mais diversas situações. Temos que saber respeitar as
limitações de cada um, sejam físicas ou mentais. Porque senão, muitos dias
juntos, muito cansaço, podem acabar gerando um mal entendido qualquer. E
caso isso ocorra, peça desculpas sem pestanejar e se desarme, não guarde rancor
no seu coração, pois a boa sinergia atrai boas energias e, por conseguinte, isso
atrai muitas aves. E ao contrário, você só vai desenvolver uma boa gastrite e
ver apenas mato. rs rs rs.
Nosso grupo foi perfeito, um sempre ajudando
o outro nas horas fundamentais, rimos muito o que ajudou a desanuviar o cansaço
após chegarmos aos nossos limites. Enfim, uma viagem para nunca mais esquecer.
Viram só "meninos"? Até escrevendo eu “falo
demais”... rs rs rs mas tenho certeza que vocês leram até aqui e adoraram meu relato da viagem...rs rs rs
Parabéns pela linda viagem...
ResponderExcluirExcelente relato, Silvia! Parabéns. Gostoso de ler e muito instrutivo, com uma riqueza de detalhes e muita reflexão, creio que seja uma leitura obrigatória para quem quer aproveitar o melhor da observação de aves.
ResponderExcluirPrezada Sílvia, estou me preparando para fazer a Expedição Sovela-amarela, junto com dois bons amigos - Bertrando Campos e Henrique Moreira e guiados pelo super Tomaz Melo: Rio Banco, Senador Guiomar, Porto Acre e, não poderia faltar, o Igarapé Macapá, em Manoel Urbano. A volta à terrinha, pois sou acreano de quatro costados, está cheia de grandes expectativas. Este seu primoroso e delicioso relato é uma referência para quem quer conhecer as "densas florestas de taboca" do Acre. Obrigado. 999 abraços.
ResponderExcluirMuito massa, uma beleza de relato.
ResponderExcluir