quarta-feira, 23 de abril de 2025

RO/AM - Expedição Urumutum (P1)

Vou ver se consigo terminar de redigir essa que foi uma das minhas grandes expedições de 2024. Prepare-se que tem muita história para contar. Ah!? Como assim, muita história? E tem alguma expedição sem muita história? Lógico que não! 😁😅😋

E quem abre essa postagem é a coruja-de-crista (Lophostrix cristata). Olha ela "falando" 💬:

 - Tô de olho em você, viu!? Aí de você se não ler tudinho e não comentar no final. Se quer ser passarinheiro não pode ter preguiça". 🦉😉🙃

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Essa expedição foi muito especial e teve momentos bastantes diferenciados como o dessa corujinha aí em cima. 

A minha ideia inicial era ir ver um lindo "fantasminha" das florestas chamado urumutum (Nothocrax urumutum) cujas fotos o guia e amigo Kenny Uéslei (@kenny_birdwatching) vinha sempre postando nas redes sociais. O local "fácil" de encontrá-la era a Pousada PiraAçu, em Apuí/AM.

Print da postagem de Kenny Uéslei

Eu havia registrado essa ave no Zoo Itatiba em 18/11/2016 e ficara encantada com ela, mas queria vê-la na natureza, em seu habitat.

urumutum (Nothocrax urumutum) no zoo
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Em 2023 eu fiz uma mega expedição com o Kenny, onde pretendia ver esse lindão, mas não deu certo, infelizmente. Se você leu o post sobre esta expedição sabe que meu desejo de ir ver o urumutum é antigo, remonta à pandemia. (se não leu, clique aqui 👈)

Eu e Kenny tivemos muitos "vai e voltas" para agendar a expedição de 2023 e depois de tudo certo fui surpreendida, às vésperas da viagem, com a resposta do dono da Pousada PiraAçu ao Kenny, dizendo que, por problemas logísticos, não iria poder nos receber, infelizmente. 😪😪 Lá se foi a minha chance de ver o urumutum naquele ano.

Em 2024, eu e Kenny conversamos muito sobre esse meu desejo de voltar à Rondônia para tentar realizar esse sonho. Pré-datamos alguns dias específicos para isso, tentando compatibilizar nossas agendas e a da Pousada PiraAçu.

Também manifestei vontade de conhecer Guajará Mirim/RO e o Parque Nacional Pacaás Novos em Rondônia, que meu amigo Hilton Monteiro Cristóvão (@hilton.monteiro.cristovao) falava maravilhas. Link da matéria aqui .👈

Essa viagem seria o meu presente de aniversário de 2024 (28/08) 🎂🎁 e disso eu não abria mão. De certo mesmo eu só tinha o desejo de ver o urumutum e os dias reservados na agenda do Kenny. Tinha conversado muito com ele durante o Avistar 2024 quando ele então foi meu hóspede aqui em casa.

Mas tudo na vida está sujeito a alterações. Planos de viagens tem que ser bem detalhados, mas sempre flexíveis.

Dois amigos meus manifestaram vontade de ir comigo nessa expedição, ambos eu gosto muito, e nos damos bem passarinhando juntos, Ronaldo Francisco (@ronaldodfrancisco) e Gustavo Dallaqua (@gustavo.birds.nature).

Viajar em grupo pode ser um pouco mais complicado uma vez que muda bastante a logística. É necessário rever o plano várias vezes, haja vista a necessidade de compatibilizar agendas, definir as aves desejadas por todos e as de cada um, mas, geralmente, acaba sendo muito divertido e prazeroso.

Eu já imaginava uma comemoração no mais alto estilo, com uma foto do urumutum de quadro e meus amigos cantando parabéns pra mim na Pousada PiraAçu.

Só que vai dali e vai daqui, o grupo não conseguia fechar datas e o plano permanecia em aberto. A proposta inicial era irmos para a Pousada PiraAçu, depois passarinhar em Pacaás. Depois veio a ideia de passarinhar nas cercanias de Porto Velho onde Ronaldo e Gustavo tinham mais aves novas do que eu.

Ronaldo estava tendo problemas para compatibilizar as datas por causa do trabalho e Gustavo não poderia ir até a PiraAçu. Participaria apenas da segunda parte da passarinhada, conforme acertamos.

Por isso eu denominei P1 (passarinhada 1 na PiraAçu) e P2 (passarinhada 2 após a PiraAçu).

Passado um tempo, Gustavo sugeriu incluir mais um amigo nosso, no caso o guia de aves paulistano Luciano Bernardes (@lucianobernardesguia). E assim o grupo foi ganhando vida e nossa dupla expedição sendo delineada.

Ideias novas foram aparecendo e Gustavo sugeriu irmos de Porto Velho até Rio Branco no Acre de carro. Kenny já vinha guiando por lá com apoio do guia e amigo Ricardo Plácido (@ricardo__placido), que andava muito desanimado de guiar na época. Este até se animou quando viu o grupo formado e pediu para nos acompanhar.

Essa primeira parte do post é dedicada à passarinhada chamada de P1.

Kenny conseguiu fechar minha ida com o dono da PiraAçu, Ronaldo Pereira (@ronaldo.piraacu) a quem devo muitos agradecimentos e espero encontrá-lo no Avistar Brasil esse ano.

Antecipando já vou frisando que foram dias maravilhosos. Só posso agradecer mais uma vez ao Kenny e à turminha da PiraAçu: Ronaldo (proprietário), Seu Raimundo (piloteiro), D. Chica e Lucas. Mas "boralá" ver como foi o dia a dia dessa grandiosa expedição.

P1 - Passarinhada 01 – Kenny e Silvia


0º Dia - 25/08 domingo

Saí de São Paulo no dia 25/08 (domingo) à noite e cheguei em Porto Velho no dia 26/08 (segunda) à 01h30. Kenny me apanhou no aeroporto e me proporcionou um soninho na casa dele no quarto de suas meninas. Pude dar uma boa descansada antes de começar a rotina passarinheira.

Abaixo eu ainda no Aeroporto de Congonhas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

1º Dia - 26/08 segunda-feira


Eu e Kenny começamos o dia bem cedo, nos deslocando para as fronteiras amazônicas onde Porto Velho se junta às cidades sul amazonenses de Humaitá, Canutama e Lábrea.

Nossa primeira parada foi no Parque Nacional Mapinguari, localizado  nos Municípios de Canutama, Lábrea e Porto Velho, ou seja uma parte no Estado do Amazonas e outra em Rondônia.

O Parque foi criado em 5 de junho de 2008 e é administrado pelo ICMBio. A origem do nome deriva de uma lenda amazônica indígena que fala do Mapinguari ou mapinguary.

Ele seria uma criatura lendária, ou melhor, um criptídeo (termo usado para descrever uma criatura cuja existência é duvidosa ou controversa).

Ele seria parecido com o homem, mas com corpo coberto por pelos e possuindo um só olho e uma boca enorme que termina na barriga. Este ser teria ainda os pés virados e mãos em forma de garras. 

Mapinguari - IA sob demanda Silvia Faustino Linhares

O Mapinguari simboliza o respeito e a reverência pelo ambiente natural e suas tradições culturais. E também, conforme a lenda, é um ser que protege a floresta contra os que querem fazer mal a ela.

Este monstro viveria na floresta amazônica e uma das subculturas da criptozoologia acredita que o monstro seja uma representação oral de uma preguiça gigante, já extinta.

Sua criação em 2008 representou um passo importante na proteção dos ecossistemas amazônicos. Nas décadas anteriores, a exploração e o desmatamento descontrolados ameaçavam a integridade ecológica da região.

O parque ainda enfrenta muitos desafios, como desmatamento, caça, garimpo e extração de madeira, tudo de forma ilegal. Para combater essas ameaças, conta com parcerias importantes. A presença de comunidades indígenas ao redor do parque desempenha um papel fundamental na sua conservação.

Veja o vídeo sobre o Mapinguari, o lendário titã ciclópico amazônico.

History Channel

Eu e Kenny chegamos bem cedo no PN Mapinguari. O sol chegou vermelhão, tentando driblar a cortina de fumaça no céu. Apesar de estar estranho, por conta da fumaça, esse primeiro dia foi esplêndido. 

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Paramos para mostrar nossa autorização (já providenciada pelo Kenny) e ganhei um delicioso (e necessário) café na sede do Parque. Um dos funcionários correu me mostrar algumas aves ao redor, entre eles um bando de quero-quero e uma corujinha-buraqueira. Com certeza, isso me traria sorte.

coruja-buraqueira (Athene cunicularia)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

filhote de quero-quero (Vanellus chilensis)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois vimos muitas espécies legais e bem difíceis, mas nenhuma novidade. As únicas aves novas para mim ali seriam o barranqueiro-pardo (Automolus infuscatus), o jacamim-de-costas-brancas (Psophia leucoptera) e a mãe-de-taoca-avermelhada (Phlegopsis erythroptera). Procuramos muito, mas não encontramos nenhuma delas.

Kenny e eu
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Olha só os destaques abaixo com quadro de fotos na sequência. Algumas dessas aves são subespécies e sempre é muito interessante e gostoso registrá-las:

1 - uirapuru-de-chapéu-azul (Lepidothrix coronata)
2 - arapaçu-barrado-do-juruá (Dendrocolaptes juruanus)
3 - formigueiro-de-cara-preta (Myrmoborus myotherinus)
4 - ariramba-da-mata (Galbula cyanicollis)
5 - choca-murina (Thamnophilus murinus)
6 - ipecuá (Thamnomanes caesius)
7 - arapaçu-bico-de-cunha (Glyphorynchus spirurus)
8 - choquinha-de-garganta-cinza (Myrmotherula menetriesii)
9 - limpa-folha-de-sobre-ruivo (Philydor erythrocercum)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E no caminho sempre aparecia coisas interessantes, como fungos, insetos, florzinhas e borboletas. Esta última quis conhecer o binóculo do Kenny de pertinho e por ali se aninhou. 🥰🍄🌺🐛🦋

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Deixei pra falar no final desse dia, mas esse acontecimento foi logo que começamos nossa caminhada pelo Parque. Foi um dos nossos primeiros avistamentos. Fez a minha alma vibrar e ficar saltitante de alegria. Nunca tinha imaginado que ela fosse fazer pose assim, ainda mais durante o dia.

A mais bela e rara das corujas amazônicas, a coruja-de-crista (Lophostrix cristata), nos deu as boas vindas e nos deixou super felizes. Ela é a top das tops, na minha opinião!!! Hoje já virou quadro na minha sala de estar.

coruja-de-crista (Lophostrix cristata)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

coruja-de-crista (Lophostrix cristata)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

À noite, já em Humaitá onde iríamos pernoitar, eu e Kenny saímos pra jantar e comemoramos MUITO os nossos avistamentos com uma geladinha, principalmente em homenagem a nossa modelo do dia, a coruja-de-crista.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

2º Dia - 27/08 terça-feira


Pegamos a balsa de Humaitá bem cedinho para, depois, percorrer uma estrada que nos conduziria até Novo Aripuanã/AM, onde um barco nos esperaria e nos levaria até a Pousada PiraAçu, que fica no município de Apuí/AM, às margens do Rio Aripuanã.

Já nesse momento vimos que a visibilidade estava deixando muito a desejar. Havia muita fumaça, parecendo uma densa neblina. Mas o forte calor e odor de fogo não deixavam dúvidas que havia incêndios por perto. 

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Só um detalhe, não era qualquer estrada que íamos percorrer. Era a icônica Transamazônica.

Foi uma passagem entristecedora, com incêndios e mais incêndios às suas margens, infelizmente provocado por mãos humanas criminosas. Era fumaça que não acabava mais. Foram horas e horas respirando monóxido de carbono (CO) e poeirão. ☠️🔥👹


arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Por acaso eu tinha uma máscara da época da Covid-19 na mochila e usei-a para poder respirar melhor.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Kenny dirigia concentrado que só, pois estava difícil enxergar no meio de tanta fumaça e pó. Foi tenso, mas ele "tirou de letra".

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Finalmente chegamos em Novo Aripuanã onde trocaríamos o carro por barco. O rio Aripuanã estava calmo, apesar de baixo e cheio de corredeiras, a nossa ida foi bem tranquila.

Seu Raimundo, que integra a equipe da PiraAçu, foi nosso piloteiro. Com muita habilidade nos conduziu até a Pousada com segurança, porém sempre parando quando a gente via alguma ave e eu queria fotografá-la. 

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Um pouco das aves que apareceram durante a navegação você pode ver no quadro abaixo conforme sequência:

1 - bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)
2 - biguá (Nannopterum brasilianum)
3 - biguatinga (Anhinga anhinga)
4 - cabeça-seca (Mycteria americana)
5 - garça-moura (Ardea cocoi)
6 - garça-real (Pilherodius pileatus)
7 - maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes)
8 - mexeriqueira (Hoploxypterus cayanus)
9 - polícia-inglesa-do-norte (Leistes militaris)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Fomos super bem recebidos na Pousada, onde chegamos já no final da tarde. Depois de ajeitarmos nossa bagagem nos respectivos quartos, seguimos para o refeitório.

Durante o jantar conheci Ronaldo Pereira, o proprietário. Além de mim e do Kenny, havia uma turma de  americanos e/ou canadenses, cujo guia era venezuelano, único do grupo que conseguia conversar comigo, uma vez que não falo inglês.

Depois de conversar comigo e com o Kenny, ele explicou aos "gringos" o que tínhamos vindo fazer ali e eles vieram nos cumprimentar todo animados.

Logo depois fomos descansar do longo e puxado dia. Eis que "um ser" me esperava na porta do meu quarto. Eu sempre quis ver uma Jequitiranaboia (Fulgora laternaria). Elas são "primas das cigarras" e pertencem à família Fulgoridae.

E como dizem os técnicos do Butantã no site deles: essa esquisitona das matas tem cara de jacaré, cor de serpente e asas com olho de coruja.

Características físicas: dependendo do ângulo, seu corpo pode parecer o de um outro animal. Visto de lado, o formato de sua cabeça lembra um jacaré, já suas cores podem recordar determinadas serpentes, como a jiboia. Quando abertas e vistas de cima para baixo, suas asas aparentam olhos de coruja.

Curiosidade: em 1987, o inseto estampou um selo especial dos Correios em celebração aos 50 anos da Sociedade Brasileira de Entomologia.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

celebração aos 50 anos da Sociedade Brasileira de Entomologia

Vamos falar um pouco da Pousada PiraAçu


Fundada em 2011 com um conceito totalmente voltado à pesca esportiva e ao turismo ecológico, que hoje inclui a Observação de Aves com guia especializado, a Pousada PiraAçu está localizada no sul do estado do Amazonas, no Rio Aripuanã, próximo a uma das maiores reservas ecológicas do estado, pertencente ao município de Apuí/AM.

Possui capacidade de atendimento para até 24 pessoas, composta por 05 apartamentos duplos, 02 triplos e 02 apartamentos quádruplos. A estrutura conta também com 01 Chalé VIP: (suíte, sala, mezanino c/ quarto, TV e Frigobar). O restaurante é climatizado, possui Wi-fi, TV e telefone via satélite.

Localiza-se em uma área bem restrita (não há estradas, só se chega de barco ou avião) e por isso é um lugar bastante sossegado. O proprietário Ronaldo fez um trabalho muito prestimoso de recuperação da área, contribuindo, assim, para a conservação da natureza na região.

As atividades diárias, além da pesca esportiva, incluem trilhas interpretativas pela floresta lideradas por guias experientes, caminhadas de observação de aves e passeios de barco por diversos rios e lagos.

Rio principal: Aripuanã.
Rios secundários: Paxiúba, Buiuçu e Guariba.
Lagos: Guariba I e Guariba II.

Deixo dois vídeos sobre a Pousada do próprio perfil do Ronaldo no You Tube. Só dar play e assistir.

Conheça nossa história por Ronaldo Pereira e Giovani Papa
 

Pousada PiraAçu um paraíso no sul do Amazonas

O site da Pousada PiraAçu contém muita informação e pode ser acessado clicando 👉 aqui 👈e o Instagram da Pousada é @pousadapiraacu

Abaixo, algumas fotos feitas por mim, sendo a primeira do meu quarto (não repare a bagunça 😂😁), a segunda feita da porta da varanda dele (com uma flechinha apontando), a terceira da frente da minha porta mostrando o rio e a última a parte externa do refeitório vista do meu quarto.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Aqui a passarela que nos levava aos barcos para nossos passeios.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ressalto que meu quarto era todo telado e os peçonhentos ficavam longe, porém os sons da noite eram intensos e era adorável ficar imaginando o que rolava lá fora. 

Depois de tantas emoções neste dia, demorei a pegar no sono apesar da santa paz ao som noturno da floresta, mas quando ele veio foi tipo apagão. 😜😄😊😴💤

3º Dia - 28/08 quarta-feira


Amanheci mais velha nesse dia. Levantei feliz e fui pro salão de refeições. Kenny ainda não tinha aparecido, mas os pescadores sim. Fiquei aguardando ele chegar para tomarmos nosso café. Eram 5.30h da matina e já estava todo mundo animado.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Assim que Kenny chegou, ganhei um abraço de aniversário, tomamos o nosso café e conversamos sobre os locais que a gente iria buscar nossas aves. Eu só conseguia imaginar o urumutum atravessando minha frente.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Saímos navegar para poder chegar numa trilha onde a gente ia buscar os "bicho bão", ou seja, aves bonitas e difíceis.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Pegamos o dia amanhecendo, o sol nascendo, estava muito bonito de se ver, mas o avermelhado era da fumaça trazida pelo vento das queimadas criminosas, um pouco mais ao norte.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Seu Raimundo e eu
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nesta manhã eu esqueci meu chapéu e tive que improvisar, com meu "paninho", aliás, uma fraldinha de bebê, de enxugar suor.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Embora a Trilha da Água Linda fosse realmente linda, a caminhada que durou a manhã toda, não rendeu nada excepcional.

Quando falo assim, eu quero dizer, nada que atendesse às minhas expectativas de melhorias fotográficas ou alguma ave nova.

Lógico, que o guia quando busca aves super difíceis para te mostrar, muitas passam batidas. Faz parte do nosso jogo de procurar as "figurinhas carimbadas".

Abaixo os registros que fiz naquela manhã.

1 - anambé-preto (Cephalopterus ornatus)
2 - marianinha-de-cabeça-amarela (Pionites leucogaster)
3 - arapaçu-pardo-de-mato-grosso (Dendrocincla atrirostris)
4 - surucuá-de-cauda-preta (Trogon melanurus)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E eu achando que a manhã estava salva com uma novidade que eu tanto queria. Fiz centenas de cliques de uma "grallaria", jurando que era a tovaca-do-tapajós (Myrmothera subcanescens).

Só que quando fui confirmar com o Kenny, ô decepção, "era só um" torom-de-alta-floresta (Hylopezus whittakeri). Só, Silvia? Cria tento, "sujeita". Esse bichinho é super difícil. 😁😁😁

Deixa eu explicar, é que alguns desses Gralarídeos são muito parecidos e quando o vi não me dei o trabalho de perguntar, tamanha era minha emoção e tasquei o dedo. Só depois soube a identidade do danadinho e que eu, por acaso tinha foto de quadro dele feita em Alta Floresta, na Fazenda Anacã (link aqui).

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares
torom-de-alta-floresta (Hylopezus whittakeri)

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

Depois de rirmos muito da situação, principalmente do lifer-profeno fazenda referência ao medicamento ibuprofeno, usado para aliviar a dor.

Fizemos nossa primeira foto dos três juntos e voltamos à pousada para almoçar.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

Na parte da tarde fomos por estrada fazer a Trilha do Buiuçu. Mas nem sombra do meu presente de aniversário. O urumutum me desprezou totalmente. 😂🎁😂🎁😂

Mas fiz umas espécies bacanas, com destaque para:

1- papa-formiga-barrado (Cymbilaimus lineatus)
2 - maria-sebinha (Hemitriccus minor)
3 e 4 - choca-pintada (Megastictus margaritatus) - macho e fêmea
 
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Meu presente de aniversário acabou vindo, não o sonhado urumutum, mas uma novidade bastante esperada.

Para aqueles que desvalorizam o trabalho do fotógrafo de aves e ficam achando que é só o guia tocar o play-back e a ave vem correndo, se posiciona, faz pose e espera a foto sair de quadro, sabem nada, coitadinhos. 😵‍💫😂

O presentão foi a grallaria tovaca-do-tapajós (Myrmothera subcanescens), uma "tiquitita" ave bem no fundão da floresta. Parecia mais um pintinho começando a crescer.

Foram fotos feitas com muito sacrifício, depois de muitas tentativas infrutíferas por esse Brasil afora, e mesmo nesse dia, ela não facilitou. 

Só consegui porque estava junto com um dos melhores guias e biólogos do Brasil, alguém que entende muito das matas e das aves que o rodeiam.

As primeiras fotos não saíram nada, ficaram desfocadas, ou pior que era quando o foco garrava no galhinho da frente e se recusava a desgrudar. 😂😂😂

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ela estava muito longe dentro da intransponível mata, mas no momento que deu foco o suficiente para fazer um recorte sem perder a qualidade, eu me senti agraciada, realmente presenteada. Ela chegou até a me encarar curiosa.

Devia estar se perguntando quem era aquela estátua parada lá na borda da estrada, meio que tentando ficar invisível atrás de uma árvore.

Porque nessa hora, a gente aguenta firme, não se mexe, sequer respira. Só pira na busca do pequeno vulto, quase invisível lá no fundo, e fica torcendo para o equipamento fotográfico colaborar.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ah, mas foi uma cena delicada e tocante! Finalmente tive diante de mim a tovaca-do-tapajós, ave discreta do fundo da mata, sempre envolta em folhas secas e sombras suaves. Com seu peito riscado como um bordado antigo e o dorso castanho lembrando a terra úmida, ela parecia sussurrar segredos do sub-bosque, onde só os mais atentos conseguem ouvir.

A tovaca, como uma guardiã da mata baixa, canta pouco, mas quando se pronuncia, é como se dissesse “estou aqui” com a leveza de um suspiro entre folhas caídas. E aqui, nesta última fotografia que postei dela, parece mesmo estar me dizendo "oi", com aquele olhar curioso e singelo.

Eu capturei por foto não apenas a ave, mas um instante de poesia viva entre galhos e folhas, que hoje me traz muitas lembranças na memória. O momento foi tão encantador que merece um poema!

Ah, que presente mais doce que a mata me ofertou em segredo: uma tovaca sussurrando ao mundo com passos miúdos e olhar mais que profundo.

No silêncio das folhas caídas, ela surgiu - tímida, mas inteira - como quem conhece os caminhos onde só os sonhos pisam levemente.

Era tarde de agosto e o tempo se curvou no instante: o verde ressoou em teu peito e teu olhar se fez canto errante.

Não veio com laço ou embrulho, mas trouxe o sopro do divino, um agrado da velha floresta a quem nela vê o futuro e o destino.

Tovaca do Tapajós, meu presente de aniversário não foi apenas vê-la fotografada, foi estar ali dentro da própria mata encantada.
🍀🎁🤎💛🤍 🪶

Antes do retorno à sede, fizemos a foto comemorativa desse momento tão sublime.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

Voltei para a sede pulando feito criança, embora o Kenny ainda tenha tentado o urumutum mais algumas vezes no caminho. 

Eu só queria chegar e tomar uma cerveja bem gelada pra comemorar a nova ave e o meu aniversário.

Só não sabia que ia ter uma festa surpresa para comemorar meu novo ciclo. Foi uma surpresa e tanto. Acho que vai ser difícil eu ter outra festa igual na minha vida.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

Abaixo, eu e D. Chica, a responsável pelo bolo e todas nossas refeições. Uma pessoa fantástica, daquelas que a gente sente saudades e vontade de rever sempre que se recorda do momento.

Eu e d. Chica, eu e Ronaldo
arquivo pessoal Kenny Uéslei

Teve discurso do Ronaldo e muito carinho de todos os presentes. Kenny só registrando. Eu estava me sentindo no paraíso, mesmo morta de cansaço pelas intermináveis caminhadas do dia e toda envergonhada, porque nessas horas eu sou super tímida.

Confesso, estava mais do que feliz. Estava mega feliz!

Eu imaginando que ia partir o bolo sem ouvir um "parabéns pra você", de repente eu ouvi alguém perguntando meu nome em inglês e por fim ganhei um "Happy birthday to Silvia" cantado em inglês pelos presentes, incluindo os estrangeiros hóspedes da Pousada.

Veja um pouco desse momento no vídeo abaixo gravado pelo Kenny.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

E não faltou o estouro do champagne borbulhante. Pena que Ronaldo Francisco, Gustavo Dallaqua e Luciano Bernardes não estavam juntos nesse inesquecível momento. Mas Ronaldo Pereira caprichou em tudo com a ajuda da D. Chica.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares e Kenny Uéslei 

Obrigada, Kenny, de coração, sei que você está por trás de toda essa "trama".

Kenny, eu e Ronaldo no brinde
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Encontrar alegria nas pequenas coisas do dia a dia, estar em paz, com o coração feliz, abraçando a vida com serenidade, recomeçar um novo ciclo de maneira tão especial, não tem preço. Mesmo passado tanto tempo, só posso agradecer novamente a todos por esse dia que ficou tatuado na minha memória.

Dia que eu demorei pegar no sono, fiquei um tempo contando como foi o dia no meu e-diário 😁😁😁.

Depois simplesmente desmaiei na gostosa cama, ainda com um sorriso estampado no rosto, que deve ter perdurado até o amanhecer.

Até fiz um Poema de Agradecimento 🎀🎁🎉🎈🎂🥂🍾

No alvorecer do meu dia, com café, canto e festim,
Esperei-te, Urumutum, no meio do grandioso jardim.
Convidei-te com doçura, com muito café e pão,
Mas voaste por caminhos que não cruzaram o meu chão.

Vieram os sabiás cantores, em coral tão afinado,
E até vi o bem-te-vi curioso passando no telhado.
A tovaca deu o ar da graça e o beija-flor relampejou,
Mas tu, Urumutum, ave que mais queria ... nem um piado soltou!

Tua ausência me doeu, feito ninho vazio no peito.
Fiquei brava, fiz careta — mas tentei manter o jeito.

Para compensar vieram os amigos, ternos e verdadeiros,
Que vale muito mais que qualquer ave ou dinheiro.
Cada palavra dita, cada abraço opertado,
Foi um presente, doce e abençoado.

No compasso do tempo, mais um ciclo se fechou
E no crepúsculo, meu coração se alegrou.
Não foram só velas, ou um bolo a enfeitar,
Foram gestos carinhosos e almas a me acompanhar.

Gratidão é o que deixo nestes versos escritos com o coração.
Que a vida retribua com bênçãos sem medida,
A cada um que celebrou a minha vida.

🦤⏰😇😚🤪

Abaixo o "meu" Urumutum embrulhado para presente! 

IA by demanda Silvia Faustino Linhares


4º Dia - 29/08 quinta-feira


Nesse dia invertemos, fizemos a Trilha do Buiuçu de manhã e a Trilha da Água Linda na parte da tarde. A ideia era sair em busca do famigerado urumutum.

Mesmo o triciclo tendo nos deixado próximos da trilha, logo depois da pista do aeroporto local, foi um sufoco, andamos, andamos, andamos e nada, nada, nada.

A trilha era bastante arborizada e muito gostosa, mas eu presumo que pela quantidade de fumaça na atmosfera, as aves estavam apreensivas e se resguardavam no interiorzão da floresta, desprezando suas bordas.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Seu Raimundo tinha levado uma confortável cadeira, onde ele se sentava pacientemente aguardando nossa incansável busca pelas difíceis aves locais. Incansável coisíssima nenhuma.

Eram quilômetros e mais quilômetros. Ficam muito mais cansativos quando não temos nenhuma ave colaborando. Por isso eu procurei descansar na cadeira do Seu Raimundo enquanto o Kenny ia de um lado para o outro tentando ver ou ouvir alguma ave.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois do almoço e de um pouco de descanso, fomos de barco para a Trilha da Água Linda. Eu já estava me acostumando com a neblina de fumaça.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Essa trilha é muito legal, mas só de pensar em seu acesso e encarar aquele subidão medonho já pensava em voltar para a sede.

O monóxido de carbono vindo de longe por meio das fumaças das queimadas criminosas (não só ali, mas no Brasil todo) estava fazendo um estrago enorme no meu organismo.

Essa certeza absoluta eu tive quando cheguei em São Paulo e meu médico pediu exames para ver como eu estava. Foi necessário injeção (que morro de medo) e muito repouso nos meses seguintes ao meu retorno.

Mas sim, voltemos aos passarinhos. Apesar de parecer infinita a subida, era um pouco de exagero do meu cérebro cansado. Tinha uma escadinha com corrimão, não era escada rolante como eu gostaria que fosse 😁😁😁, mas com a ajuda do Kenny e do seu Raimundo eu chegava lá em cima com tranquilidade.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E imagina quando você escuta seu guia falar baixinho: olha seu jacamim-de-costas-verdes (Psophia viridis) ali. Ali, onde, onde? Ali, ali, ali! E você olha pra imensa brenha da gigante floresta e vê um vulto passando feito um fórmula 1. Ai, que sacanagem! Ele não deu mole mesmo. 😁😁😁

E eu, cansada como estava, com os reflexos e nervos abalados, fiz aquilo que a gente chama de registro. Só para dizer que viu. Ah! mas pelo menos tem o verdinho das costas pra provar que era ele. 😁😁😁 E depois nem sombra dele. Aliás, nem sombra de bicho nenhum.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Cansados, e eu, dramática que só, pensava mais na cervejinha gelada no isopor dentro do barco que Seu Raimundo sempre trazia do que qualquer outra coisa.

Sentamos num tronco para descansar um pouco e de repente, Kenny fala com aquele jeitinho matreiro dele: num se mexe, tem um bicho legal atrás de você.

Minha Nossa Senhora dos Passarinhos! O que a gente faz num momento desses? Para de respirar, desmaia? Tudo isso e mais um pouco. Fui me virando bem devagar com a câmera em posição e ... o bicho pulou e foi para um tronco no escuro lá no fundão. 🙄🥴😳

Ah! Olha meu pensamento na hora: calma, esse você já tem, é só um chupa-dente-de-cinta! Lembrei que tinha feito fotão dele feita no Acre, em Presidente Figueiredo e em Novo Airão/AM.

Aí meu guia super antenado, me fala, esse é um future-lifer pra você, ele já é o chupa-dente-de-peito-preto (Conopophaga snethlageae) no e-Bird, muito embora no Wikiaves (Lista CBRO 2021) ele ainda esteja como chupa-dente-de-cinta (Conopophaga aurita). 

chupa-dente-de-peito-preto (Conopophaga snethlageae)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A maior parte do pouco tempo que tenho disponível eu busco estudar as subespécies dos locais onde vou passarinhar, mas confesso que esse me passou batido. 

E olha que sempre chamo a atenção das pessoas sobre isso nas minhas palestras, falando das 41 subespécies de cambacica no mundo e 5 em território brasileiro. Aí digo, nunca despreze nenhuma ave no caminho, nem uma cambacica, ela pode ser seu lifer de amanhã 😁😁😁

Esse tipo de estudo é um pouco confuso, exige dedicação e busca de conhecimento, tem que saber geografia também, pois é um tal de norte, sul, sudoeste, leste, foz, interflúvio, abaixo, acima do rio X, Y, ou seja, é bem difícil mesmo, por isso valorizo demais os guias que sabem isso para nos orientar como foi esse caso.

Extraí o texto abaixo do Wikiaves para demonstrar:

"O chupa-dente-de-cinta possui seis subespécies reconhecidas:

1 - Conopophaga aurita aurita - ocorre ao norte do rio Amazonas, a partir da foz do rio Negro até o Amapá (AM, PA, AP) e também nas Guianas.

2 - Conopophaga aurita inexpectata - ocorre no interflúvio Negro/Solimões (AM) até o SE da Colômbia;

3 - Conopophaga aurita occidentalis - ocorre no Equador, NE do Peru e extremo O da Amazônia ao sul do rio Amazonas (AM, AC);

4 - Conopophaga aurita australis - ocorre ao S do rio Amazonas (AM, AC) na região SO da Amazônia, e para oeste até o Peru;

5 - Conopophaga aurita snethlageae - ocorre ao S do rio Amazonas, entre o baixo Tapajós e o C do Pará (PA, MT);

6 - Conopophaga aurita pallida - ocorre do C do Pará até o rio Tocantins (PA)."

Usando a Lista CBRO 2021 (base do Wikiaves) abaixo um comparativo, o primeiro é o Conopophaga aurita snethlageae, que fiz na PiraAçu, o segundo Conopophaga aurita occidentalis feito em Mâncio Lima/AC e o terceiro foi feito Presidente Figueiredo/AM seria o Conopophaga aurita aurita.

Repara nas diferentes manchas de preto no peito e pescoço.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Enfim o dia parece que não foi muito produtivo, mas foi. Estar no topo do ranking do Wikiaves me cobra um preço árduo e aumenta em muito as dificuldades dos guias, pois sobram poucas espécies novas e fáceis para buscar. Quando conseguimos uma, eu digo que ela vale por cem.

Sorte que eu gosto de fotografar a natureza e nem uma colmeia de Abelhas Sem Ferrão me passa batida, principalmente quando vejo um coração nela.

Florzinhas e borboletas então, afff, eu adoro. Até porque elas antecedem os passarinhos nas minhas fases fotográficas. Atualmente eu as posto na plataforma iNaturalist e assim aprendo um pouco mais sobre elas.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas pelo menos a gente terminou a trilha animados.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

E num falei que tinha cervejinha no barco. Olha ela aí, gente! 

arquivo pessoal Kenny Uéslei

5º Dia - 30/08 sexta-feira


Já no quinto dia, estava dormindo e acordando com os pés inchados e doloridos. As aves permaneciam escondidas por conta do fumaceiro ter se estendido pelo ar mesmo vindo de longe.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Embora o cenário fosse deprimente, a gente tentava não desanimar, mas te confesso, não dava nem vontade de sair do conforto da sede da Pousada.

Já não estava tão confiante na mãe natureza. Muito embora o Kenny fosse um guia super perspicaz e dedicado, as aves não estavam colaborativas.

Mas fiz todas os bichinhos que vi pelo caminho, lagartos, borboletas, mariposas, insetos, nada escapou dos meus olhos e lente.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Apesar de poucos, um ou outro passarinho cruzava nosso caminho, como esses a seguir:

1 - beija-flor-tesoura-verde (Thalurania furcata)
2 - rapazinho-de-colar (Bucco capensis)
3 - chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons)
4 - urubu-preto (Coragyps atratus)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A gente ia numa trilha, ia na outra, e tudo silencioso. Olha, minha experiência na Amazônia já completou uma década e nunca vi a floresta tão parada, tão silenciosa e vazia.

E o urumutum? Nem sombra!

Essa dia fizemos a Trilha da Água Linda de manhã e a Trilha do Buiuçu à tarde.

Nessas alturas, eu já estava confundindo folha seca com passarinho. 😜🙄🤣🤓🧐

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Todos nós estávamos muito-muito cansados, seu Raimundo com muitas dores na coluna, eu mais do que cansada, estava começando a ficar desanimada.

Nem os bichos mais "aparecidos" apareciam. Kenny mantinha suas antenas ligadas o tempo todo, na esperança que algum passarinho desse o ar da graça. Ficava indo de um lado para o outro o tempo todo.

Mas tinha muito tronco para a gente sentar e seu Raimundo nunca deixava de trazer cafezinho e prosear um "cadinho" - falei que nem mineira agora. 🤣🤣🤣

E no fim da tarde, foi o que fizemos, sentamos num tronco e começamos a bater aquele papo.

De repente Kenny chama: Silvia, a mãe-de-taoca-dourada (Phlegopsis borbae) tá vocalizando, se prepara. Tomei um susto. Aí vem aquela adrenalina e você esquece tudo.

Já viu alguma mãe-de-taoca facilitar? Nunquinha! Esta apareceu bem longe, lá no fuuuuuundo da floresta, no meio da brenha, aquele tipo de lugar difícil de entrar, você até tenta, mas ela vai mais pro fundo cada vez que você tenta se aproximar.

É assim que primeiro ela apareceu. Aquele borrãozinho marrom bem no centro da foto.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Até me ajoelhei no chão para tentar fotografar no meio do entranhado, apesar de saber que minhas articulações do joelho depois iam explodir de dor por conta da falta de cartilagem, herança dos tempos de jogadora de voleibol.

E o treco não foca, lente, câmara ou fotógrafa? Porque nada funciona, tudo sai desfocado, quem é o pior? Eu ...deve ser, porque meu amigo Carlos Alexandre foi lá com o Kenny e só fez fotão.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois do desespero inicial, ela foi embora e eu fiquei chateada que só. Tinha uma foto ruim no cartão, não sei nem se ia dar pro famigerado registro. Lágrimas turvavam meus olhos.

Cada um sentou-se num tronco e passamos a conversar. E de repente um coisa passou "correndo", digo, voando muito rápido sobre minha cabeça. Meu sensor de movimento, também herança dos tempos de jogadora de vôlei, acompanhou.

Foi tempo de ver onde onde ela posou, a poucos metros de mim, fazer algumas poucas e boas fotos dessa maravilha de ave nova, e lá se foi ela.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu confesso que "renasci das cinzas". Adrenalina e endorfina se espalharam pelo meu corpo e eu tinha vontade de saltitar, de gritar bem alto, de sair correndo feito criança.

Olha eu abaixo, no meu "sofá" de troncos, comemorando e tentando afastar o calor.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

arquivo pessoal Kenny Uéslei


6º Dia - 31/08 sábado


Neste sábado inovamos. Subimos o Rio Aripuanã até a Trilha do Jatuarana. Foi uma boa decisão, apesar do fumaceiro deixar o local com cara de filme de terror, vimos muitas coisas no trajeto até essa trilha, que era um pouco mais demorada para chegar que a Trilha da Água Linda.

Indo para o píer para embarcar, fiz esta foto quando parei para observar o rio do alto, que estava super tranquilo como eu.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O sol nascendo sempre me emocionou. E lá fomos nós navegando um tempão onde algumas coisas prendiam nossa atenção e nos obrigava a fazer uma parada.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O primeiro deles foi um Veado-Mateiro (Mazama americana). Ele andava sobre as pedras tranquilamente e só parou um segundo para nos olhar.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois duas Antas (Tapirus terrestris) atravessaram o rio bem na nossa frente. Nós as seguimos até as margens do rio. Quando uma delas foi subir em um tronco escorregou e caiu dentro da água de novo. Pena que eu não estava filmando pois foi uma cena digna de "natgeo".

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E durante a navegação vimos algumas aves super legais, dentre elas:

1 - mutum-cavalo (Mitu tuberosum)
2 - picaparra (Heliornis fulica)
3 - gavião-de-anta (Daptrius ater)
4 - maria-da-praia (Ochthornis littoralis)
 
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Finalmente chegamos na Trilha do Jatuarana. Facinha de entrar. Sua mata dava gosto, era super bem  preservada. 

Um local onde um bando de tiriba-de-barriga-vermelha (Pyrrhura perlata) costumava vir se alimentar. E de repente, lá chegou o bando, todo quietinho e esfomeado, fazendo a nossa alegria.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Seu Raimundo abaixo pedindo ao Kenny para ver as fotos que ele tinha feito. A expressão de felicidade dele ao nos ver felizes com sua dica foi o destaque do dia.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas vimos outros aves encantadoras em nosso percurso. Veja no quadro a sequência abaixo:

1 - ariramba-da-mata (Galbula cyanicollis)
2 - arapaçu-rabudo (Deconychura longicauda)
3 - cantador-estriado (Hypocnemis striata)
4 - pica-pau-chocolate (Celeus elegans)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E para fechar nossa manhã, um bando de urubu-preto (Coragyps atratus) dava um show de elegância e educação enquanto bebia água entre as pedras.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Devagar fomos voltando para a sede para almoçar. Tentei registrar o nosso trajeto, mas a fumaça estava muito densa e não permitia desfrutar inteiramente da beleza local.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Cheguei com os pés muito inchados, sentindo muita dor, coloquei os pés para o alto para ver se aliviava um pouco. D. Chica conseguiu um balde para eu fazer imersão com gelo e tentar minimizar um pouco da dor.

Depois do almoço, Kenny perguntou se eu queria tentar pela última vez o urumutum, vai que a gente dava sorte, né?

Então fomos até a Trilha do Buiuçu novamente. Eu, ele e seu Raimundo sentamos cada um num ponto da trilha, e combinamos que se alguém visse ou ouvisse o urumutum era para dar um sinal. Só não podia ser de fumaça. 🫠😂😷💨

Eu cheguei a dormir sentada de tédio durante essa espera interminável. Ficar conversando comigo mesma é muito sem graça. 🙄🥴😳🤣

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O jeito foi chamar todo mundo para voltar e esquecer esse sonho por um tempo. Mas só por um tempo, viu, Kenny e Ronaldo?

Um pouco antes do jantar, um dos hóspedes me levou até a varanda para me mostrar uma mariposa na mesinha. Fui na hora, até porque sou encantada com esses bichinhos.

Era uma Mariposa Imperial (Eacles imperialis), muito bonita. Foi esse meu último encontro com a realeza local. 🦋💛🦋💛


Mariposa Imperial (Eacles imperialis)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares


7º Dia – 01/09 - domingo


Mala arrumada, tomamos café e preparamos para retornar à Porto Velho. Ronaldo tinha compromissos na cidade e iria no barco com a gente.

E na porta do meu quarto, as mariposas, sabendo que gosto delas, vieram dar bom dia e se despedir de mim.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois nos ajeitamos com nossos pertences no pequeno barco e fomos voltando devagar.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O retorno foi um sufoco pois o rio estava muito baixo. Havia muitas pedras e navegar contra a corrente não era nem um pouco fácil.

Mas a gente tinha dois heróis dentro do barco, seu Raimundo e Ronaldo. Eles conhecem bem o percurso e fizeram o possível e eu diria, até o impossível, para que, aos poucos, conseguíssemos chegar tranquilos em Novo Aripuanã.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E para relaxar, quando a gente via alguma ave dando mole, fazia uma breve paradinha para clicar.

A seguir dois quadros com as aves do Rio Ariuanã durante o nosso retorno.

1 - mexeriqueira (Hoploxypterus cayanus)
2 - gavião-preto (Buteogallus urubitinga)
3 - maçarico-de-colete (Calidris melanotos)
4 - garça-moura (Ardea cocoi)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Este segundo mosaico mostra no último quadrinho um pavãozinho-do-pará, que se estivesse mais perto daria a tão sonhada foto de quadro dessa ave que, ao abrir as asas, lembra uma colorida borboleta.

1 - andorinha-do-campo (Progne tapera)
2 - andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer)
3 - garça-branca-pequena (Egretta thula)
4 - pavãozinho-do-pará (Eurypyga helias)

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Chegamos em segurança. Kenny foi buscar nosso carro guardado num estacionamento na vila e eu fiquei embaixo da sombra de uma árvore tomando conta da nossa bagagem.

Está vendo esse barco virado na areia, do lado esquerdo? Eu me sentei ali e fiquei quietinha aguardando. Até pescador local parou e veio, curioso, tirar uma prosa comigo.

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas passarinheiro que se presa não consegue ficar parado e percebi um movimento bem acima de mim. Olhei para o alto, aguardei um novo movimento e consegui ver o que era.

Um garrinchão-de-barriga-vermelha (Cantorchilus leucotis), identificado pelo Kenny depois quando viu minhas fotos. Um não, dois. Eu acredito que era um casal, talvez fazendo ninho por perto.

Eles ficaram super tranquilos com minha presença e consegui registrá-los numa boa, até comendo, inclusive.

garrinchão-de-barriga-vermelha (Cantorchilus leucotis)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

garrinchão-de-barriga-vermelha (Cantorchilus leucotis)
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Kenny voltou pra me buscar e me contou uma novidade. O pessoal da Pousada Amazon Roosevelt (@amazonroosevelt_eco) convidou-nos para dar uma passada por lá e almoçar.

Seguimos por uma estrada e chegamos lá por volta de 10:30h. Fomos muito bem recebidos pelo Toco e pelo Ney. Conheci rapidamente a pousada e seus arredores, um aperitivo para um dia voltar. Deu até para ver uns passarinhos.

Toco, eu e Kenny
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu, Toco, Ney e Kenny
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nas imediações da Pousada registrei algumas aves, apenas como tira-gosto. Você pode vê-las no quadro abaixo:

1 - chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons)
2 - polícia-inglesa-do-norte (Leistes militaris)
3 - cigarrinha-do-campo (Ammodramus aurifrons)
4 - tiziu (Volatinia jacarina)
 
arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois seguimos nosso caminho pela poeirenta e cheia de fumaça Transamazônica até chegarmos em Humaitá, onde passamos na nossa padaria preferida, lanchamos e depois voltamos pra "casa". Para a casa entre aspas. Minha casa mesmo estava bem longe, só pouco mais de 3 mil km. 😁😆🤗🫢

arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas vamos concluir a P1 com todo o carinho. Apesar das fumaças, dos passarinhos tentarem se esconder da gente, o resultado foi muito positivo.

Só tenho a agradecer a todos que tornaram o meu aniversário um acontecimento muito especial. Mas deixo um recado aqui: "Sr. Urumutum, eu fiquei muito magoada com o senhor, sequer se dignou a vir dar um oi para mim. Espero que você numa próxima oportunidade. Venha e pare no limpo, na altura do olho e deixe eu fazer uma foto de quadro sua." Recado dado.

E você, querido leitor, anota isso na sua agenda: no Sábado, dia 17/05/2025, durante o maior evento de observação de aves do Brasil, o Avistar Brasil, na cidade de São Paulo, o Kenny Uéslei, a partir de 15 horas vai ministrar uma palestra chamada "No coração da Amazônia - Pousada PiraAçu". Imperdível.

arquivo pessoal Kenny Uéslei

Veja o Trip Report P1 - Rondônia e Amazonas 2024😍🦅🍺🦆🐥🐤🦋☕🦆🐦 no e-Bird 👉clicando aqui.👈

Chegamos em Porto Velho e fui para o imóvel que eu e os meus amigos Gustavo Dallaqua e Luciano Bernardes alugamos via aplicativo. Eles chegariam no aeroporto de Porto Velho em algumas horas. Eu arrumei minhas coisas e fui descansar, porque ia começar a P2 (passarinhada 2).

👉Clique aqui👈 para ver como foi a continuação dessa expedição
RO/AM/AC - De Porto Velho à Rio Branco (P2)

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8 comentários:

  1. Acabei de ler e estou maravilhado com o relato! Você conseguiu captar cada momento da nossa passarinhada na Pousada PiraAçu com tanta riqueza de detalhes que me senti revivendo tudo de novo. Um texto leve, envolvente e cheio de paixão pela natureza, parabéns Silvia!
    Que venham muitas outras jornadas como essa

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    1. Foi uma expedição muito rica e cheia de superação. Já quero ir de novo, e vê se amarra o urumutum 🤣🤣🤣🤣🤣

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  2. Boa tarde, Silvia. Maravilhoso relato, parabéns. E eu achava cansativo um final de semana fotografando em um autódromo...

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    1. Obrigada meu amigo. Acho que é um pouco mais cansativo, mas é gostoso igual.

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  3. hahaha
    Você é engraçadinha, Silvia! Fala que o problema dos registros era a fotógrafa (você), e logo em seguida "tasca-lhe" uma fotaça desse fantásma amazônico que, diga-se de passagem, apenas ouvi o canto e vi um vulto, mas zero registro pra mim. rsrsrsrs
    Porém, looonge de ser uma reclamação! Foi a passarinhada mais surreal, insana, incrível que já fiz! A pousada Piraaçu é mesmo fantástica! Sou extremamente grato ao Ronaldo (proprietário) pelo convite para conhecer a pousada. O Nengo, funcionário da pousada, feeeeeera e gente boa demais, um ouvido incrível para os sons da floresta! A comida da Dona Chica... Nossa! Que foi aquilo... Que refeições deliciosas. E o Kenny... sem palavras... um dos melhores guias de birdwatching do Brasil.
    E como é gostoso ler essas histórias. A gente vai junto, se cansa, se frusta e se alegra junto. Cada som, movimento, momento relatado é vivido também aqui pelo leitor! Parabéns!

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  4. Excelente relato de expedição, eu e o Kenzo lemos juntos e nos emocionamos com a aventura (o Kenzo especificamente ficou com água nos olhos com a foto da mãe-de-taoca-dourada, uma das aves favoritas dele). Espero reencontrá-la no Avistar!

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    1. Obrigada querida, vamos nos rever sim. A gente se acha pelo whatsapp, pois aquilo é coisa de louco kkkkkkkkk

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