Dourado, a 290 km de São Paulo é um lugar que deve constar obrigatoriamente da agenda de qualquer observador de aves. A quantidade de aves e diversidade de espécies é bem grande. Mas não dá para ir sem guia, pois a maioria dos locais de interesse fica dentro de propriedades privadas e somente é possível adentrar com um guia local conhecido. No caso de Dourado, os guias mais procurados são o Cal Martins e o Jone, seu pai.
E sem o facebook, a comunidade de observadores de aves e o site wikiaves jamais saberíamos as novidades. Foi uma foto feita pelo Cal do
cardeal-do-banhado (
Amblyramphus holosericeus) que me chamou a atenção, embora o grande sucesso do ano passado tenha sido a corujinha
caburé-acanelado (
Aegolius harrisii).
Após as combinações com amigos via inbox, chegamos em Dourado no sábado (18/01), por volta de 10 horas da manhã. Nosso retorno estava previsto para segunda-feira com pit-stop em Santa Bárbara D'Oeste, onde o amigo Gustavo Pinto ia nos levar no famoso brejão do triste-pia.
Queríamos pelo menos duas noites para "corujar e bacurauzar". Nesse passeio, além do amigo e guia Cal Martins, contei com a companhia das amigas Rosemarí Julio, Hideko Helena e do casal Neuza e Geraldo Luiz.
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Geraldo, Hideko, eu, Cal Martins e Rosemarí by Neusa Luiz
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Neusa, Hideko, Eu, Rosemarí e Cal Martins by Geraldo Luiz |
Ficamos hospedados numa pequena pousada na segunda entrada da cidade (de quem chega de São Paulo). Seu nome é Pousada Eco e fica na Avenida da Saudade, 760, Jardim Paulista - fones 16. 3345.3770 | 3345.1273. O próprio Cal reservou para a gente. É bem simples e seu custo diário muito baixo. Porém é de fácil acesso, tem amplo estacionamento e fica próximo a tudo, o que facilita a logística. Mas há pousadas em fazendas que oferecem mais confortos, mas são bem mais caras. Fica a critério de cada um. A Pousada Eco oferece um café da manhã simples, mas Seu Elenildo gentilmente providenciou para que na segunda nosso café pudesse ser às 5:30 e não às 6:30 (horário de início do café na pousada).
Você tem que ficar atento para os horários de almoço e jantar dos restaurantes da cidade. Encerram as atividades cedo, mas sempre tem uma pizzaria aberta. E quem resiste a uma boa pizza? A pizzaria São João (Rua Tiradentes, 360, Centro) tem até pizza de alface e a marguerita deles é deliciosa.
Bom, mas vamos aos passarinhos. Assim que chegamos o Cal resolveu logo aplacar a minha ansiedade e realizar meu maior sonho ornitológico dos últimos tempos. Ver o
cardeal-do-banhado. Esse bichinho vinha me dando um olé...venho procurando por ele desde 2011, tentei no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul e ainda em Tavares/RS e nada. Eu queria muito ver e fotografar o bichinho.
Mas em Dourado foi "mamão com açúcar". Ao chegarmos ao local, tinham dois pousados no fio, e com jeitinho, o Cal trouxe eles para bem perto. Acho que fiz mais de 100 fotos num instante. Com ele alcancei minha marca cabalística: espécie nº 666ª, que eu comemorei a contento, com uma ilustração feita pelo amigo Luccas Longo. Não tem "mastercard" que pague uma emoção dessas. Mas as emoções estavam só começando.
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cardeal-do-banhado (Amblyramphus holosericeus) |
Sabe aqueles passarinhos que você ouve falar e depois de muitas passarinhadas eles nunca cruzaram seu caminho e você fica até achando que eles não existem...tipo
barulhento (
Euscarthmus meloryphus),
graveteiro (
Phacellodomus ruber),
vite-vite-de-olho-cinza (
Hylophilus amaurocephalus),
formigueiro-de-barriga-preta (Formicivora melanogaster)
*VU, fruxu-do-cerradão (
Neopelma pallescens)
*VU,
suiriri-cinzento (
Suiriri suiriri) *CR,
andorinha-de-dorso-acanelado (
Petrochelidon pyrrhonota),
andorinha morena (
Alopochelidon fucata)...mas existem sim, embora alguns estejam correndo sério risco de extinção
(*).
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barulhento (Euscarthmus meloryphus) |
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fruxu-do-cerradão (Neopelma pallescens) |
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graveteiro (Phacellodomus ruber) |
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andorinha-de-dorso-acanelado (Petrochelidon pyrrhonota) |
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suiriri-cinzento (Suiriri suiriri) |
O Cal levou a gente num único dia para ver tudo isso e mais um pouco. Foi um desfile de espécies que incluíram ainda as belas
tesouras-do-brejo (
Gubernetes yetapa) em seu frenético e incansável balé, o iridescente
beija-flor-de-bico-curvo (
Polytmus guainumbi)
*VU, o aclamado cantor
bico-de-pimenta (
Saltatricula atricollis), casais de
chorozinho-de-bico-comprido (
Herpsilochmus longirostris)
*EN, de papa-formiga-vermelho (
Formicivora rufa), de
caboclinho-branco (
Sporophila pileata), o belo
Soldadinho (
Antilophia galeata) com a crista eriçada, entre outros. Tinha até
bacurau-norte-americano (
Chordeiles minor). Numa dessas nem precisei ir à América do Norte só para vê-lo. (rs rs rs)
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tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa) |
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bacurau-norte-americano (Chordeiles minor) |
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beija-flor-de-bico-curvo (Polytmus guainumbi) |
*AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO (Dados de 2009 in Fauna Ameaçada de Extinção no Estado de São Paulo)
CR – Criticamente em perigo – enfrenta risco extremamente alto de extinção
EN – Em perigo - enfrenta risco muito alto de extinção
VU – Vulnerável - enfrenta risco alto de extinção
Mas o inesperado aconteceu. E sempre acontece quando você não está com sapinhos saltitantes no estômago de tanta ansiedade. Já há alguns meses que a coruja
caburé-acanelado (
Aegolius harrisii) não era avistada. O Cal estava muito preocupado com elas. Então fomos corujar com a esperança presente no coração, mas já sabendo que ia ser difícil avistá-la. O Cal começou a realizar seu trabalho "
plaibecando" com todo cuidado que lhe é peculiar. E "
BINGO!" Eis que a "Cal-buré" surge na frente dos nossos olhos. Nem o Cal se aguentava de tanta emoção. De todas as corujas que já fotografei, essa é a que apresentou o olhar mais doce de todas. Teve um momento que ela estava olhando de lado e o Cal fez um barulho com a boca, então ela olhou para ele com a cabecinha virada de ladinho, e juro, (não me achem louca) ela olhou carinhosamente para ele como que dizendo "
eu conheço você e sei que não vai deixar ninguém me fazer mal".
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caburé-acanelado (Aegolius harrisii) |
Após alguns minutos e todos satisfeitos com os registros, deixamos que ela se fosse sem importuná-la ainda mais. Imagina como eu estava me sentindo, comecei um dia com um sonho esperado, e terminei com um inesperado.
Mas a noite não havia terminado. Ainda avistamos uma cobrinha Dormideira e nos divertimos à beça quando o Cal levantou ela...sei lá, cobra, não importa qual, sempre causa medo e susto. Para encerrar a noite, uma bela
mãe-da-lua (
Nyctibius griseus) posou para as nossas lentes. E sob um bonito luar voltamos para a pousada com um sentimento de pura realização e dever cumprido.
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Cobra Dormideira |
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mãe-da-lua (Nyctibius griseus) |
E era só o primeiro dia. Domingo tivemos outro desfile de espécies. Pela manhã fomos até a beira do Rio Jacaré-pepira, onde havia um belo e arisco bando de
anu-coroca (
Crotophaga major)
VU*. Em seguida, o Cal nos colocou cara a cara com o
bagageiro (
Phaeomyias murina) e com a
guaracava-grande (
Elaenia spectabilis).
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bagageiro (Phaeomyias murina) |
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anu-coroca (Crotophaga major) |
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guaracava-grande (Elaenia spectabilis) |
Depois em cena
o
arredio-do-rio (
Cranioleuca vulpina), o
rabo-branco-acanelado (
Phaethornis pretrei), o
caneleiro-preto (
Pachyramphus polychopterus), entre outros. Andamos um pouco e eis que surgiu um lindo
curió (
Sporophila angolensis), o
sanhaçu-de-coleira (
Schistochlamys melanopis)
*EN e um
suiriri-de-garganta-branca (
Tyrannus albogularis).
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caneleiro-preto (Pachyramphus polychopterus) |
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suiriri-de-garganta-branca (Tyrannus albogularis) |
Perto do meio dia foi a vez de uma família de
pula-pula-de-sobrancelha (
Myiothlypis leucophrys)
*EN fazer festa para nossos olhos e ouvidos. Em seguida uma
maria-ferrugem (
Casiornis rufus), bem exibida, se deixou fotografar de tudo quanto é jeito, culminando por parar num lugar onde um raio de luz do sol, muito mágico, propiciou uma foto ímpar. Terminamos a manhã com o
garrinchão-de-barriga-vermelha (
Cantorchilus leucotis) dando baile em todo mundo e muito corre-corre.
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maria-ferrugem (Casiornis rufus) |
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pula-pula-de-sobrancelha (Myiothlypis leucophrys) |
Almoçamos em Dourado, e após o "famoso" sono da beleza, o Cal nos levou até a divisa com Trabiju, onde avistamos novamente um bando de
tesoura-do-brejo,
chopim-do-brejo (Pseudoleistes guirahuro),
narceja (Gallinago paraguaiae), essa última fez o Cal andar atrás dela de um lado para o outro até a gente conseguir fotografar - hilário.
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tesoura-do-brejo e chopim-do-brejo |
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Cal Martins atrás da narceja - por Rosemarí Julio |
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narceja (Gallinago paraguaiae) |
Enquanto o Cal se esmerava em achar a narceja para fotografarmos, a gente fotografava o boi-da-cara-preta (acho que era vaca-da-cara-preta) e não pense que é uma nova espécie do
CBRO, não é não - é bovino mesmo e ainda aprontamos por causa dele.
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Boi-da-cara-preta / ou vaca-da-cara-preta |
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Rosemarí tocando a vaca pro lado lado da Hideko! E eu só olhando... Muy amigas !!! Foto by Hideko Helena Okita |
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A Rosemarí fotografando a vaca indo para cima da Hideko. Foto by Rosemarí Julio |
No final do dia o Cal levou a gente para ver andorinhas, achamos só as de
bando (
Hirundo rustica),
que voavam loucamente em zigue-zague, quase impossibilitando a gente de focar e fotografar. Porém, banhadas pelo por do sol, ficaram lindas e
vermelhinhas.
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Andorinha-de-bando (Hirundo rustica) |
Emendamos o final da tarde e saímos em busca do
bacurau-chintã (
Hydropsalis parvula), mas como não é a época deles, nada do chintã, mas vimos muitos
bacuraus comuns (
Hydropsalis albicollis) e o
bacurau-tesoura (
Hydropsalis torquata), que foi uma festa para os amigos que nunca tinham avistado ele. Eu queria ver o
tuju (
Lurocalis semitorquatus), ver eu até vi, mas o bicho é tão frenético em seu voo, que é impossível fotografá-lo, ainda mais no escuro. Um dia talvez eu consiga, num ninho, ou pousado...nunca se sabe...
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bacurau-tesoura (Hydropsalis torquata) | | |
Mas o ponto culminante da noite ainda estava por vir. O Geraldo e a Neusa sonhavam em ver a
Murucututu-de-barriga-amarela (
Pulsatrix koeniswaldiana). E o Cal conseguiu, não uma, mas duas. Além de podermos apreciar as duas, ainda pudemos ouvir sua vocalização, o que nos deixou pra lá de emocionados.
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Murucututu-de-barriga-amarela (Pulsatrix koeniswaldiana) |
Só o
formigueiro-de-barriga-preta (Formicivora melanogaster) ficou me devendo uma pose melhor, fiz o registro, mas não uma fotona como aquela bela espécie merece e eu gostaria de ter feito.
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formigueiro-de-barriga-preta (Formicivora melanogaster) |
A única coisa que não gostei é ver a mão do bicho-homem desrespeitando a natureza, deixando lixo onde não devia, destruindo matas e brejos, inconsequentemente, sem, no mínimo, pensar no prejuízo para si mesmo e para as futuras gerações. Também fiquei muito triste ao assistir, sem nada poder fazer, uma cobrinha verde ser atropelada no asfalto por um motorista muito veloz e descuidado. Fiquei sem ação na hora. Você fica olhando o carro vindo rápido, sem que o motorista se dê conta da bichinha atravessando a pista, ele nem viu a gente gesticulando para diminuir a velocidade, e pronto, tragédia - ele passa sobre ela, o sangue esguicha, ela se encolhe, fica toda se estrebuchando e morre. Cena de filme de terror. Doeu viu...
Por essa e outras que eu torço para que cada vez mais pessoas comecem a observar e fotografar aves. Se isso se espalhar e crescer, com certeza teremos mais vozes para brigar por um mundo melhor, onde humanos e natureza se equilibrem e convivam em paz. Onde a ignorância não encontre porta de entrada, só de saída.
Mais passarinheiros no mundo é igual a menos estresse e menos "diabinhos interiores"...isso resulta num mundo mais feliz e menos bélico. Pode acreditar: um dia no mato vale por 10 sessões de terapia. Basta ver essas carinhas...
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Foto by Geraldo Luiz |
Enfim, são minhas considerações. Essa foi uma passarinhada memorável. Meu conselho: não deixe de colocar Dourado e região no seu próximo roteiro. Então, ... não se demore, compre logo um par de galochas, muito filtro solar e repelente, arrume suas malas e manda ver. Não vai se arrepender, isso eu garanto.
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Sensacional seu relato, parabéns. Dourado passa a fazer parte de lugares que pretendo passarinhar antes de morrer.
ResponderExcluirAtenciosamente, Luiz Carlos Veríssimo
Perfil do Wikiaves: Luiz Verissimo