Parque Estadual Chandless
O Parque Estadual Chandless é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, criada pelo Decreto 10.670, de 02/09/2004. Possui área de 670.135 ha e abrange os municípios de Santa Rosa do Purus, Manoel Urbano e Sena Madureira, embora a maior parte esteja situada em Manoel Urbano.
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Fonte: SEMA/AC |
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Fonte: SEMA/AC |
Seus limites são: ao norte, a Terra Indígena Alto Rio Purus e o Projeto de Assentamento Santa Rosa; ao sul, Terra Indígena Mamoadate e Seringal Santa Helena; ao leste, Reserva Extrativista Cazumbá e a Floresta Nacional do Macauã; e ao oeste, a República do Peru.
Seu nome faz referência ao Rio Chandless, que drena a Unidade no sentido sudoeste-nordeste e nasce no Peru. Por sua vez o rio faz homenagem ao explorador William Chandless, que esteve na Amazônia em 1864-66, percorrendo o rio Purus. Seu objetivo era mapear todo o rio Purus até a nascente, entretanto, este feito não foi realizado, por conta da dificuldade de acesso e logística.
Rio Chandless - Foto: arquivo pessoal Silvia Linhares
O acesso à área é considerado extremamente difícil e feito inicialmente por via terrestre saindo de Rio Branco até Manuel Urbano e deste até a sede da UC por via fluvial. Também é possível acessar a UC por fretamento aéreo, saindo de Rio Branco e pousando na Unidade. A vegetação do local também é considerada inóspita devido à presença de florestas com alta concentração de bambu com espinho.
A área está totalmente situada dentro dos limites do corredor verde do Oeste da Amazônia, um dos cinco para a região Amazônica estabelecida pelo IBAMA. Está também adjacente a áreas protegidas e Terras Indígenas no lado peruano, onde recentemente espécies raras e endêmicas foram identificadas.
Estudos indicam que o Parque constitui-se em um dos centros de distribuição do bambu, os chamados "tabocais" do sudoeste da Amazônia, agregando uma diversidade de animais e plantas exclusiva daquela paisagem. Todos esses elementos tornam o Parque Estadual Chandless um lugar agradabilíssimo que deve ser mantido para as atuais e futuras gerações.
As aves do Acre
Quando a gente consulta o
eBird ou o
Wikiaves, verificamos em torno de 650 registros de espécies de aves para o Acre todo. Há uma riqueza de espécies ainda não descobertas na região onde se situa o Parque, que carece de um pouco mais de exploração.
O Acre é o Estado que possui as espécies de aves mais raras do Brasil, na minha humilde visão de "fotógrafa de passarinhos". Desse total ainda me falta registrar pelo menos umas 50. Mas quando estou lá eu fotografo qualquer espécie a minha frente, seja nova ou não para mim. Enfim, se há um lugar para o surgimento de novidades, esse lugar é o Acre. Quase tudo é subespécie. Sem contar as espécies novas ainda não descobertas ou descritas.
Queria aqui ressaltar o excelente trabalho feito pelo
Professor Edson Guilherme na edição do
Guia de Aves do Acre, de 2016, cujo projeto gráfico e capa foram idealizados pelo querido amigo
Tancredo Maia Filho. Vários amigos participaram com doação de fotos, inclusive eu. Esse guia é muito completo e, embora careça de atualização em alguns pontos, ele contém uma importante informação pelo menos para mim, que sou uma simples observadora: a
taxonomia, conforme exemplo a seguir:
"-
rapazinho-carijó –
Bucco tamatia, Gmelin, 1788 -
Spotted Puffbird São reconhecidas quatro subespécies. A forma que ocorre no Acre é a B. t. pulmentum (Pinto, 1978; Hoyo et al., 2002). "
OBS: Utilizei a taxonomia descrita em cada espécie pelo Professor Edson Guilherme no Guia de Aves do Acre nas minhas listas do eBird. Foi importante para o meu aprendizado e para ampliar meus conhecimentos.
Isso para mim, depois da "dura" que um dia eu recebi do amigo Fabio Olmos, me possibilitou fazer o dever de casa, coisa que só o antigo e caríssimo HBW - Handbook of the Birds of the World, hoje incorporado ao e-Bird, propiciava.
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O professor Edson Guilherme à esquerda - UFAC - 2014 |
Mas por que estou levantando esse tópico aqui e não vou logo para os "finalmentes" da viagem? 😃😃 Calma! Se você chegou até aqui, já sabe que escrevo muito e gosto de explicar tudo direitinho.
A nova lista das espécies do Brasil
E falando em taxonomia, todos sabemos que quem padroniza nossas espécies de aves é o
Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos - CBRO. Os dados científicos produzidos pelos pesquisadores são compilados numa lista. Nesse momento, no meio dos passarinheiros (leia-se observadores de aves) – aguarda-se com muita ansiedade a atualização da famosa e importante
lista de aves do Brasil, que mostrará muitas subespécies recentemente reconhecidas como espécies independentes, entre outras ocorrências.
O Acre tem um papel importantíssimo nesses estudos, pois quase tudo que ocorre lá é bem específico e acaba virando uma nova espécie. Fora o que ainda tem para ser descoberto.
Hoje nós, observadores de aves, nos deparamos com um sério problema: nossa lista está bem defasada, além de incompatível com outras listas utilizadas. Os dados do CBRO são de 2015. São os mesmos utilizados no site
Wikiaves, nossa maior biblioteca online, onde eu contabilizo as espécies de aves que registro.
Já o Comitê de Classificação da América do Sul -
South American Classification Committee - SACC, responsável por uma classificação padrão para as espécies de aves da América do Sul está com uma versão atualizada de março de 2021.
O site onde faço minhas listas em campo, o
eBird da Cornell Lab of Ornithology, usa uma lista chamada
Clements, cuja versão é de 2019.
Mas para nós vale o que o
CBRO proclamar. Já é confuso aprender sobre as aves, imagina dessa forma então, difícil fazer o dever de casa, né? Mas eu fiz uma baita planilha contendo tudo que já registrei e como encontrar esses registros no
e-Bird e no
Wikiaves. Trabalho de formiguinha. Veja abaixo o início da planilha que montei e constantemente alimento.
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Print do início da minha planilha comparativa das espécies que já registrei |
Volta e meia vejo amigos "descendo a lenha" no CBRO como se essa entidade fosse a única responsável por manter atualizada a citada lista.
Sim, eles são os responsáveis, mas, como eu disse, eles compilam trabalhos científicos em uma lista. E o fazem de forma voluntária, pois não existe uma verba ou contribuição para seus membros.
E o que seriam esses trabalhos científicos? Primeiro, vamos nos perguntar: como se originam as espécies? R - Uma população (conjunto de indivíduos da mesma espécie) compartilha, entre seus membros, um conjunto gênico ou um fundo genético comum que, logicamente é separado de conjuntos gênicos de outras espécies.
Ah! "Páára!" Eu não quero saber de processo de conjunto gênico, especiação simpátrica, alopátrica, de anagênese ou cladogênese, etc. Não faço nem ideia do que ou quem são. Se eles tem perfil no Instagram ou não (brincadeirinha).
Eu e o resto da nação passarinheira queremos apenas saber as novidades, se teremos ou não na nova lista bastantes novas espécies para correr atrás.
Bom, perguntando ao nobre Diretor do CBRO, meu amigo
Vitor Piacentini, se uma determinada espécie entraria para a próxima lista, ele disse que não. Perguntei por que, se já tem tanto tempo que conhecemos o bichinho. Aí o meu amigo super querido me fez vítima das suas lamúrias, de acordo com suas próprias palavras.
Ele me disse que não entra justamente por faltar o nome científico. Eu resmunguei que: já que tem um bom estudo e se a questão é só o nome, eu posso batizá-lo então (ref. ao joão-do-norte). Ele riu e disse: "na verdade não tem esse bom estudo. Quando os pesquisadores que descobriram essa espécie se aprofundaram para descrevê-la formalmente em 2013, viram que a variação de plumagem e do canto é muito maior e parece misturar os padrões com outra espécie já conhecida, da Mata Atlântica."
Continuei, como boa virginiana que sou, tentando ver uma lógica nisso tudo, pois sabe-se que o estudo desse "estrupicinho" é antigo. Ele me respondeu que o motivo é simples: não tem material suficiente.
Perguntei, feito criança, um porquê atrás do outro, queria saber porque não, porque sim, enfim, como funciona. Em suma, ele me resumiu que o pesquisador para conseguir material, tem que ir a campo, fazer viagem, repetir em outros locais, buscar novas populações, conseguir dinheiro para sequenciamento genético, etc. E muitas vezes é preciso viajar para museus no exterior com vistas a comparar o material já disponível.
Tudo isso? Pensou que era simples ganhar um
lifer?
Muitas vezes os cientistas têm que ficar uma semana ou duas no campo, pois nem sempre encontram a ave. Ou encontram, mas não conseguem gravação da voz que precisavam. Além disso, às vezes é necessário repetir o campo em outras estações do ano. Ou conseguem gravar, mas não conseguem coletar. Daí tem que renovar as licenças todas, ir atrás de liberar autorizações, tentar conseguir mais dinheiro pra repetir o campo, tomar paulada nas redes sociais por tentar fazer trabalhos robustos que envolvem coleta. Às vezes o museu recebe material na coleção, mas não tem taxidermista e aí é preciso contratar alguém de fora. Na maior parte das vezes esses estudos ou parte deles são custeados pela
"Fundação Meu Próprio Bolso de Apoio à Ciência" (referência ao bolso do próprio cientista ou seu orientador), especialmente num país que não valoriza a Ciência.
É, meus amigos, conseguir viabilizar tudo isso no nosso país é bem difícil.
Então agora, antes que eu resolva fazer alguma crítica ao trabalho dessa galera, eu vou me lembrar sempre disso. E
Vitor, Fernando Pacheco, Fernando Straube, Glayson Bencke e outros membros do CBRO, só me resta fazer votos que essa lista possa sair logo e parabenizar vocês e todos os nossos cientistas por realizar esse "penoso" trabalho. Sim, porque envolve muitas penas. (brincadeirinha). Olha só, desde já, coloco minhas fotos à serviço da Ciência, contem comigo sempre que precisarem.
Mas vamos em frente e contar como foi dia a dia dessa expedição. (se quiser ver todas as aves registradas, acesse o link do meu
eBird ao final de cada dia relatado ou no meu perfil do site
Wikiaves)
Sexta-feira - 20 set 2019
A oportunidade de conhecer essa distante terra enfim chegara. Esse acontecimento abria novos caminhos. Ser uma exploradora não era algo novo para mim, mas não desse jeito, num lugar tão inóspito. Nessa noite mal preguei os olhos. A ansiedade era tanta que me vi escrevendo no diário às 3:01h da manhã. Enfim, levantei, tomei meu café, chequei a bagagem para ver se não estava esquecendo nada. Assim as horas foram passando e quando vi já estava indo para o aeroporto.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Meu voo saiu de Congonhas às 17 horas, fez uma parada em Brasília, que aproveitei pra lanchar. Cheguei em Rio Branco às 22:35 horas de lá, lembrando que lá o fuso é menos duas horas. No meu relógio era mais de meia noite quando cheguei. Fabio Olmos foi me buscar no aeroporto.
Ao chegar no hotel, tomei um rápido banho e fui logo dormir. No dia seguinte tinha um encontro marcado com os passarinhos.
Sábado - 21 set 2019
Ficamos hospedados no
Hotel Maju, para facilitar a vida do Ricardo, uma vez que ele morava próximo. E foi muito bom, pois ao lado tinha um restaurante peruano chamado
Cuzco, muito aconchegante, com uma gostosa comida e excelente atendimento.
Um pouco antes das 5 da manhã a gente já estava na entrada do
Ramal do Noca. A passarinhada começou cedo. O café foi no mato mesmo.
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Ricardo, eu, Fabio e Robson (arquivo pessoal Silvia Linhares) |
Depois disso fomos correr atrás de passarinho, andando no meio do mato, do barro, tentando fotografar em lugares praticamente impossíveis ou melhor, impenetráveis, tanto para os pés quanto para os olhos. O que me doeu foi ver o
tiê-preto-e-branco (
Conothraupis speculigera), que era novidade para mim, se mandar na minha cara. Mal deu tempo de vê-lo de relance e ele se foi sem me dar nenhuma chance. Mas você fica com a sensação, ele vai voltar, né, ah! vai!
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"os três mosqueteiros" |
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selfie com o barquinho ao fundo |
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o barquinho com mata derrubada ao fundo - 😞🙍 |
Nesse dia eu fotografei ao todo 32 espécies. Três eram novas para mim: o
zidedê-de-encontro (
Euchrepomis humeralis) que me deu um baile danado, a
freirinha-amarelada (
Nonnula sclateri), uma "calma e comportada garota" da família dos Buconídeos. Apesar dela estar num local muito fechado e com quase nenhuma luz a foto ficou bonita. A terceira nova espécie do dia apareceu para a gente na beira da estrada, uma
saíra-opala (
Tangara callophrys) forrageando ao lado de um linda flor vermelha de maracujá (
Passiflora coccínea), aí eu me acabei.
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saíra-opala, freirinha-amarelada e zidedê-de-encontro |
Vimos "macaquinhos" pelo caminho também, salvo engano um lindo
Sagui-imperador ou sagui-de-bigode (
Saguinus imperator) se alimentando e um
Macaco-prego (
Sapajus macrocephalus) esperando "carona" numa curva.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Apesar de todo o emaranhado de galhos da vegetação acreana (tabocal), a gente consegue fazer umas fotos bem legais...às vezes... 😂😃😃😂😂👇
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a maior parte do tempo é isso que a nossa lente vê |
Veja a seguir mais alguns dos destaques do dia (se quiser ver todas as aves registradas, acesse o link do meu
eBird ao final de cada dia relatado ou meu perfil do
Wikiaves):
Xexéu (Cacicus cela), capitão-de-bigode-limão (Eubucco richardsoni), surucuá-de-cauda-preta (Trogon melanurus), anambé-de-cara-preta (Conioptilon mcilhennyi), papagaio-campeiro (Amazona ochrocephala), maracanã-de-cabeça-azul (Primolius couloni), araracanga (Ara macao), ariramba-da-capoeira (Galbula cyanescens) e papa-lagarta (Coccyzus melacoryphus). |
Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Nosso jantar foi no Cuzco, onde eu matei saudades de comer
ceviche*, acompanhado de
pisco** para comemorar.
*Ceviche: prato da culinária peruana baseado em peixe cru marinado em suco de limão. O essencial é que o pescado seja branco, mas de carne firme; ou ainda de camarão, lagosta ou mesmo polvo.**
Pisco: bebida famosa no Peru, parecida com nossa caipirinha. Não é uma cachaça! É produzido a partir da destilação do vinho provenientes de alguns tipos de uva.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
e-Bird - Veja a lista do dia
Sáb 21 set 2019
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163198
Nesse dia resolvemos explorar o Ramal do Noca um pouco mais. Tinha chovido muito durante a madrugada. O dia amanhecera nublado, mesmo assim nós fomos em frente. Chegando no local, por volta das 5:30h, paramos para tomar um cafezinho na entrada e vimos que o barro molhado não permitiria trafegar com o carro.
Resolvemos deixar o carro na entrada e ir a pé. Não sei se meus pés apreciaram a ideia, pois andamos mais de 6 km, com muita dificuldade. Veja no mapa essa linha azul, foi o caminho que fizemos à pé.
Segunda participamos de uma reunião na SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Acre) com a diretora-executiva Vera Reis, onde foram colocadas as expectativas para com a nossa expedição ao Chandless. Foi muito bacana contar com esse apoio ao nosso projeto.
Depois do almoço, Ricardo tinha compromissos no trabalho com vistas a agilizar a logística da nossa expedição. Eu, Fabio e Robson seguimos adivinha pra onde? Para o Ramal do Noca. E como estava de bicho? Fraquinho, fraquinho. Fiz uma gravação de uma ave nova para mim, mas não consegui foto. A "infeliz" da
) nem se dignou a dar as caras. Fiquei magoada com ela (kkkkkk). A
) ficou lá no alto, no limpo, fingindo de estátua, também nos ignorando por completo, mas eu gostei da foto.
Mais um dia indo aonde? No Ramal do Noca, óbvio! Só que dessa vez o Fabio pediu pra eu ir dirigindo. Ricardo não poderia nos acompanhar novamente. Tivesse barro ou não, eu ia ter que enfrentar.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
E só posso adiantar que deu tudo certo. Até o sol resolveu vir nos iluminar. Isso que é "ser um ser" iluminado. 😂😂😂😂
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Os bichos estavam mais animados. A lista rendeu 20 registros, dentre eles uma importante nova espécie para mim. Mas o mais legal que quase me transformo de passarinheira em "macaqueira", pois foi dia de fazer muitos primatas:
Sauim-de-cara-suja, (
Saguinus weddellii),
Sagui-imperador (
Saguinus imperator) e
Zog-zog (
Plecturocebus cupreus). Nunca vi tantas espécies num dia só. São muito fofinhos e curiosos.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Mas a saga do dia foi conseguir
uma fotinha, pelo menos, do "Drymo" -
trovoada-listrada (
Drymophila devillei). Ah! Deixa eu explicar isso. Como os meninos só conversavam em "
cientifiquês", o Google Tradutor não possui pacote dessa linguagem e meu tradutor-mor, o Ricardo, não estava presente, não tive outra saída, apelei para o Merlin e eBird.
Aos poucos o Fabio e o Robson se acostumaram a me falar apenas as duas primeiras letras de cada um dos nomes científicos e aí o meu eBird ou Merlin já traduziam pro "populês". Isso eu aprendi com o Guto Carvalho e ensinei para eles na hora. Era só me dizer "Dr de" e o eBird já me dizia: trovoada-listrada. Não é que eu não goste de nomes científicos, é apenas porque não tenho nem nunca tive muita capacidade para memorizar certas coisas.
Mas devaneios à parte, essa avezinha deu um baile que você não faz ideia. Tudo que um fotógrafo "adora": no alto, distante, se mexe muito e rápido, se esconde atrás de tudo que encontra, pula do breu total direto para a contraluz e ainda faz complô com as folhas e galhinhos para se enfiarem na frente bem na hora que você acha que vai conseguir "A FOTO". O bichinho é encardido. Mas "deu pro gasto", como se diz no popular. Para chegar na quarta foto dessa sequência, devo ter feito mais de 100 cliques.
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a melhor fotinho do "Drymo", bem cropada |
E um desses que eu diria que é impossível fazer fotão longe de bebedouro, me surpreendeu bem no meio da taboca, pousadinho, arrumando as peninhas pra sair bonito na foto. Obrigada minúsculo rabo-branco-rubro (Phaethornis ruber). Você arrasou e me fez muito feliz.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
O joão-pinto (Icterus croconotus) também caprichou e avisou que ia pousar na florzinha, pra sair bonito na fita, digo, na foto. Até o arapaçu-meio-barrado (Dendrocolaptes picumnus) saiu lindão, apesar de não ser colorido. O chora-chuva-de-bico-amarelo (Monasa flavirostris) fez uma coreografia especial só pra virar quadro aqui em casa. Quer saber quais os bichinhos do dia? Acesse as listas nos links ao final do relato do dia.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Eu estou brincando, mas graças aos dois amigos que entendem muito de passarinhos, apesar de não saberem quase nada de nome popular, eu consegui alguns registros muito legais. Taboca não é fácil. 😃😃😃😃😃😃😃 Se você acha a floresta amazônica um lugar difícil de fotografar, eu diria que é um estúdio perto de um tabocal. Espia só como é intrincado nas fotos a seguir.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Na hora do almoço, voltamos à Rodovia AC 90 e fizemos uma paradinha básica na lanchonete do Tonho, com direito à salgados deliciosos, uma cervejinha e uma "siesta" antes de voltar para o barro.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Voltamos para o hotel já com o sol se pondo. Estava muito bonito. Depois jantamos no Cuzco e cada um foi pro seu quarto descansar.
Quarta-feira - 25 set 2019
Amanheceu um lindo dia. Ainda sem poder contar com o Ricardo, que tinha
tarefas no trabalho, adivinha pra onde fomos? Se disse Ramal do Noca,
acertou. Você deve estar pensando, mas o post era sobre o Ramal Noca ou Chandless? kkkkkkk Acontece que o preparo para ir ao Chandless é custoso e demorado. Enquanto isso a gente ia
se distraindo como dava e o melhor lugar em Rio Branco para passarinhar é, sem dúvida, o Ramal do Noca.
Chegamos bem cedinho e, em seguida, começamos a monitorar o movimento das aves. Estava difícil enxergar qualquer coisa na brenha. Então começamos a tocar play-back pra ver se alguma das aves que a gente queria respondia.
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Eu e Robson aguardando as aves |
Combinamos que cada um dos três ia tocar o play-back de um possível bicho. A pedido do Fabio, eu passei a tocar o "malinha" ou barbudo-de-coleira (Malacoptila semicincta). Estava sendo penoso acompanhar o "cientifiquês" dos dois, parecia que eram dois vietnamitas conversando e eu, uma alienígena, pois eles também não sabiam nomes populares. A gente ia se virando como dava. Ao nosso redor aquelas brenhas "deliciosas" -> contém ironia. 😃😃😃😃😃😃
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Consegue visualizar um passarinho aí? Não! Nem eu, mas tem... 😃 |
E nada de resposta, nada de movimento. De repente, pousa um bicho na contraluz, no limpo. Eu não consegui identificar o que era. Eu
virei pro Fabio, na maior calma e disse: olha esse bicho, Fabio, se não for um chora-chuva,
pode ser o malinha.
Ele pegou seu potente binóculo Swarovski, olhou e virou rapidamente para mim, dizendo: é ele, desliga o play-back, desliga o play-back. Aí minha cabeça entrou em modo pânico. Até que
desliguei o play-back, coloquei no bolso, me posicionei, preparei a câmera pra
clicar, ele voou. Voou e ficou numa brenha horrorosa. Tentei me reposicionar, mas não conseguia ângulo. De repente ele se
foi e não voltou. E foi assim que não consegui foto dessa espécie nova tão
desejada. Depois que ele se foi descobri que era só ter subido num tronco que
tinha no chão, embaixo de mim e fazer
ele no limpo por cima da brenha. Decididamente ter um guia ao lado, cuidando de tudo, inclusive play-back, faz uma diferença enorme.
O jeito foi suspirar fundo e continuar procurando outros bichos. No Acre,
quando não é taboca, é árvore de "trucentos" metros de altura. Tinha
uma fruteira no meio do mato, que se sobressaia das demais
árvores. Estava carregada de frutinhas e tinha muito movimento. Nós nos
posicionamos da melhor forma possível. O Fabio e o Robson conseguiram identificar algumas raridades, sendo que duas delas eram espécies novas para mim.
Mas sabe aquela máxima "de noite todo gato é pardo",
no birdwatching é assim: "no alto, todo movimento é lifer!" E ficar
olhando pra cima muito tempo dói, dói tudo, pescoço, ombros, braços, coluna, até os fios de cabelos. kkkkk
Os olhos começam a
embaçar, a embaralhar, dá tontura, etc. O Fabio até deitou no chão arriscando sair cheio de
carrapatos, para nem citar os demais peçonhentos que poderiam habitar aquele colchão de folhas secas.
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O Fabio deitado e a visão que ele tinha |
O mais difícil foi enxergar o periquito-da-amazônia
(Nannopsittaca dachilleae). "Nano" traz consigo a ideia de algo pequeno, reduzido, diminuto - do grego nannos = anão. Exatamente isso. Estava difícil conseguir encontrá-lo na copa ao longe.
Minúsculo, do tamanho e cor de uma folha, só "pordeoz". De repente um "movimentinho" nas folhas distantes e pimba,
consegui vê-lo. Mas ver de longe com os olhos é uma coisa, fazer a câmera ver,
fotometrar e focar é outra. Mas com jeitinho e 200 fotos depois, uma acabou dando certo. Assim que encheram a pança, eles se
foram e aí só sobraram alguns bichinhos comuns. Se Ricardo estivesse junto ia dizer: esses "prestam não". kkkkkk
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Imagem sem crop e imagem cropada do periquitinho. |
De repente, um alerta e os meninos alvoroçaram. Uma cotinga-de-garganta-encarnada (Porphyrolaema porphyrolaema) estava na
fruteira. Nem precisa dizer que não consegui ver na hora. Apertava os "zoinhos" e nada. Qualquer coisa que se mexia eu clicava, e aí toma clicar caraxué, saí-isso, saí-aquilo, pipira, juruviara e nada de cotinga. Aí, de repente, sumiu tudo.
Sabe aquela dor
igual quando você fecha os olhos e espera ganhar um beijo na boca do crush e recebe só um beijo na bochecha? Então, foi um
pouco pior. Juro que quase chorei. O movimento da fruteira era sazonal, ora
pulava bicho pra tudo quanto é lado, ora não tinha um folha se mexendo. E de repente o bando misto retornou. E junto uma fêmea e um jovem macho de cotinga. Com os meninos me explicando com jeitinho, eu consegui
achar e fotografar. Viva!!!!!! Mais uma nova espécie para a lista.
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cotinga-de-garganta-encarnada (Porphyrolaema porphyrolaema) |
Felizes até dizer chega, fomos para o Bar do Tonho degustar
salgadinhos. O Robson parecia uma criança comendo uma coxinha atrás da outra. E
o Tonho já até parecia amigo de infância. Ele ria muito com as nossas histórias.
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o Tonho ao fundo e o Robson se acabando |
Depois fomos para o hotel porque o grande dia estava
chegando e eu sabia que ia passar a noite sonhando com isso, isso se conseguisse dormir. Mas sabe com o que eu
sonhei mesmo? Não, não foi com o "disgranhentinho" do crush não. Foi com uma Torre de Observação no Noca, do tipo que eu pudesse ficar com os
bichinhos no limpo, na altura do olho e uma cervejinha gelada do lado, ui, dá até borboletinhas na barriga só de pensar.
e-Bird - Veja a lista do dia
Qua 25 set 2019
Rio Branco--Ramal do Noca
https://ebird.org/checklist/S60163338
Quinta-feira - 26 set 2019
Enfim, o grande dia chegara. O Chandless nos aguardava. Madrugadinha, todos à postos, malas na caçamba, coração saindo pela boca. Muita expectativa e ansiedade. Valfredo ajeitou tudo pra nos levar de Rio Branco até o ponto de embarque em Manoel Urbano. Tinha uns 150 km até lá, embora a estrada fosse asfaltada, mais esburacada impossível. Tinha que ir com muito cuidado e devagar. Manoel Urbano é a cidade às margens do Rio Purus, onde iríamos embarcar no batelão para ir até a sede do PE Chandless.
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Foto: arquivo pessoal by Fabio Olmos |
E como era muito cedo (eu digo que era de noite ainda kkkkkk), imaginei que teríamos paradinha pro café no caminho. Só que não. Eu preferia ter dormido em Manoel Urbano e sair de lá, porque essa ida e mais a navegação tornou tudo bastante exaustivo. Acabamos não embarcando e saindo tão cedo como gostaríamos e seria necessário.
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Paradinha num posto na entrada de Manoel Urbano - Valfredo, Fabio, Robson, eu e Ricardo Arquivo pessoal: Silvia Linhares
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Chegamos na beira do rio e começou a novela para embarcar. Não tinha um pier, era areia fofa, pisava-se na água e depois pulava pela amurada para dentro do barco. Valfredo ainda foi deixar o carro em algum lugar seguro para quando voltássemos.
Sob seu comando e do piloteiro Mandinho (Cristiano) nós começamos nossa saga rio adentro. Conhecendo a história da amiga Renata Biancalana, cujo barco bateu em algo no Rio Purus e seu equipamento caiu na água com perda total, eu embalei tudo em dois sacos plásticos bem grossos, lacrei com silver tape, ficando, assim, impossibilitada de clicar aves pelo caminho. Paciência.
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
O batelão era bem espaçoso, eu fui deitada no fundo sobre as nossas coisas, ora pensando na vida e ouvindo música, ora cochilando.
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Vidinha "mais ou menos", ... vai pensando. |
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... uma sonequinha ... Foto: arquivo pessoal Fabio Olmos
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Navegaríamos uns 170 km a uma baixa velocidade, pois o rio é raso, cheio de troncos, tocos e bancos de areia. Nós teríamos que deixar o batelão num local próximo à entrada do Rio Chandless. Por ele ser mais raso, nós iríamos nos dividir em duas voadeiras - embarcações menores e mais lentas ainda.
Abaixo eu usei fotos que fiz durante nosso retorno, só pra se ter uma ideia do tamanho das duas embarcações. A primeira é o batelão, até bem confortável. Depois é a voadeira. Na terceira foto os dois um ao lado do outro.
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Esse é nosso batelão, foto feita no dia do retorno, só para se ter ideia do que é um batelão |
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Essa é uma Voadeira (aqui com Valfrerdo, Darlete, Pedro e Cristiano) |
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O batelão e a voadeira - Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Falando em voadeira, olha nossa voadeira sendo carregada com uma preciosa carga (brincadeirinha, era só uma carga de "não sei quem, sei lá pra onde"). Mas não podia perder a piada. 😃😃😃😃
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Arquivo pessoal: Silvia Linhares |
Finalmente partimos. Tudo ia monotonamente bem. Bora olhar a paisagem e pensar na vida. Impossível conversar sem ser gritando, por conta do barulhão do motor. Escuta só o barulho no vídeo abaixo feito pela querida
Darlete Oliveira, a Dadá.
O jeito era acordar muito cedo pra poder sair bem cedo também. Usávamos lanternas para levantar, escovar os dentes, colocar lentes de contato, se arrumar e até para tomar café.
Obrigada por chegar até aqui. Aguardo ansiosamente sua opinião sobre o post.
ResponderExcluirSilvia gostei de acompanhar sua aventura foi muito bem detalhada, com alegrias e dificuldades.Você é ótima contadora de histórias, vai sair um livrinho aí?
ExcluirPois é, mas parar para esquematizar um livro é muito complicado. Quem sabe um dia né? Super obrigada pelo retorno.
ExcluirSou a Renata Maggion não sei porque apareceu unkown ... mas pense nisso quem sabe um audio book rsrs
ExcluirOi Renata, esse sistema do Blogger de comentários é meio estranho, eu não entendo muito bem. Mas fico mais feliz ainda em saber que o comentário foi seu.
ExcluirMaravilhosa expedição! Viajei junto! Que delícia! Saudades de passarinhar e de ser com vc!❤️💋💋
ResponderExcluirObrigada querida amiga. Em breve vamos passarinhar juntas.
ExcluirSilvinha, seu texto prende a gente de uma forma que é qcomo se tivéssemos presente com vcs nessa expedição! O Chandless precisa ser reconhecido mesmo e vcs estão fazendo a parte de vcs, obrigada!
ResponderExcluirÓtima leitura, ótima experiência, ótimos registros e percepções.
Obrigada querida. Você tem toda razão. Obrigada por seu feedback. É muito importante pra mim.
ExcluirLindo texto. Muito esclarecedor. Viajei um pouco por esse lugar tão distante e inviável para a maioria. Parabéns pela tua resiliência. Uma lição para todos nós.
ResponderExcluirAgradeço imensamente pelo seu retorno. Pena que não tenho como identificar o autor deste comentário, mas fiquei muito feliz.
ExcluirOlá Silvia, ótimo relato (tradição sua!). Puxa, quantos percalços, mas também quantas fotos e histórias super atrativas e interessantes. Sem falar na grande importância da expedição em si. Creio que vc ter participado dela, foi um dos fatores decisivos para o seu (dela) sucesso, seja qual for o resultado/objetivo final a ser almejado ou alcançado. Outro fator, claro, a capacidade do Ricardo Plácido como guia-algo já bem conhecido de todos nós.
ResponderExcluirParabéns, grande abraço!
Obrigadíssima, fico muito feliz com esse feedback. É muito incentivador.
ExcluirQuanta riqueza de detalhes em... Apesar dos obstáculos vcs tiveram grandes recompensas ouvindo, vendo e registra aves dos sonhos de todos os passarinheiros. Acredito ter sido a sua maior superação de desafio, merecia a documentação em vídeo, mas estou satisfeito e provocado a querer viver as mesmas experiências. Parabéns pelo relato super completo!
ResponderExcluirObrigada meu querido amigo, fico muito feliz com seu feedback. Que venham mais experiências como essa. Quase na hora de começar a planejar as grandes expedições. Um super abraço pra vc.
ExcluirUma verdadeira aventura! Parabéns, Sílvia por sua determinação, persistência e vontade de passarinhar sempre em busca de novas descobertas! Eu não faria esse roteiro, mas viajei junto com vocês pelo blog. Mais que um blog, um capítulo de um documentário maravilhoso!
ResponderExcluirContinue assim e obrigado por dividir conosco suas aventuras e suas belas fotos!
João Valadão Filho
João, eu me sinto muito honrada com seu comentário. Essa é a recompensa que recebo por montar esses textos com fotos contando minhas aventuras. Muitíssimo obrigada.
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