quinta-feira, 23 de novembro de 2023

RO e AM - Expedição Choca dos sonhos

Ao entrar aqui não se assuste com o tamanho do texto nem com a quantidade de fotos. Alguns amigos que não apreciam leituras longas me aconselharam a escrever de forma mais resumida. Aviso, desde já, que não consigo fazer isso. Já quem curte saber detalhes e viajar comigo durante uma leitura, veio ao lugar certo. 

Ficarei muito orgulhosa se você comentar no final. (logado no Google é melhor, pois aparece seu nome). Aconselho a ler por um note ou computador. É uma experiência mais gostosa.

Neste post/livro 🤣🤣🤣 vou contar sobre minha viagem para Rondônia e adjacências, feita no final de setembro/começo de outubro deste ano (2023). 

Quando eu lembro das tratativas sobre essa expedição com o guia Kenny Uéslei (@kkennybio e @avesderondonia), não dá pra acreditar que ela aconteceu e que foi uma das melhores expedições que pude fazer este ano. Ela demorou muito para ser formalizada, mas garanto que aconteceu na hora certa e no momento certo. 

A Choca dos sonhos
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Você não vai acreditar desde quando eu queria ter ido e todos os prós e contras que antecederam a sua realização. Mas hoje só posso agradecer ao Kenny por essa maravilhosa viagem num momento tão importante da minha vida e por ele ter se tornado um grande amigo.

Como você pode ver no meu bloguinho, no índice por localidade, eu já havia feito uma mega expedição à Rondônia em 2016. Na época fui guiada pelo querido amigo Bruno Rennó (caso queira ler como foi, clique aqui). 

E em 2021, numa expedição das grandes também, saí de Cuiabá/MT e fui até Pimenteiras D'Oeste/RO com o querido guia e amigo Cal Martins em busca também de aves raras. (clique aqui se quiser saber mais)

Quando eu vi pelas redes sociais que estava surgindo um guia local especializado nas aves rondonienses e sul-amazonenses com registro de raridades, passei a acompanhá-lo pelas redes sociais e nos tornamos amigos virtuais.

2020

Mas voltemos no tempo e vou dizer como tudo começou. Em 2020 veio a pandemia causada pela covid19. Sem podermos sair de casa e para preencher uma lacuna, houve o lançamento do Avistar Conecta. Um dos episódios a ser exibido online seria sobre Rondônia, com Kenny Uéslei e Bruno Rennó. 

Foi nessa época que passei a conhecer um pouco mais do Kenny. Nosso primeiro contato pessoal pelo whatsapp foi em setembro de 2020. Kenny me contatou para pedir uma foto minha do beija-flor-de-cabeça-azul (Chrysuronia rondoniae), que eu fizera com o Bruno em 2016. Ele queria usar durante sua apresentação. O episódio foi um sucesso. Foi transmitido ao vivo em 12/10/2020. (Veja abaixo). 

 

Nesse período um amigo me contatou e perguntou se eu topava ir com ele, guiados pelo Kenny tentar ver uns bichos difíceis em Rondônia e região sul do Amazonas, cujo target principal seria o urumutum (Nothocrax urumutum)

Contatei o Kenny em novembro de 2020, dizendo a ele que eu e um amigo queríamos ir lá ver aves, com ênfase no urumutum, registrado por ele em Apuí/AM numa pousada de pescadores chamada PiraAçu

Kenny respondeu que estava em campo e que a gente trocaria uma ideia quando ele voltasse. Os dias foram passando e nem uma "famigerado" áudio de resposta veio. 

Até que um dia ele me perguntou se eu tinha uma previsão de quando queria ir. Eu perguntei se ele topava criar um grupinho no whtasapp entre eu, ele e meu amigo para conversarmos e definirmos isso juntos. E assim foi feito. Isso ainda em novembro de 2020, quando tivemos um número record de mortes por covid19.  

No começo de dezembro eu brinquei com o Kenny no Facebook sobre o urumutum. Eu tinha fotografado ele em 18/11/2016 no Zoo Itatiba, lembrando que ele estava em cativeiro, o que não vale para nossas plataformas de ciência cidadã. 

Em 12 de dezembro de 2020, eu repostei a foto e disse: "Aviso ao Kenny Uéslei ... num é lifer, mas é lifer kkkkkkkk". Ele entendeu a brincadeira e respondeu que em breve eu poderia fazê-lo para valer. 

urumutum (Nothocrax urumutum)
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O ano chegou ao fim. Tome lá um feliz natal e feliz ano novo e nenhum combinado a caminho. 🎅🎁

2021

O ano de 2021 começou mostrando a que veio a pandemia de Covid19: trancar a gente dentro de casa, deprimir as pessoas e matar milhões. A economia dos países cada dia indo mais pro espaço, aeroportos fechados, famílias enlutadas. Ainda não se sabia como seria ou quando seria o fim dessa "novela" trágica.

Havia muitas incertezas, muitas restrições ainda, isolamento social, expectativa da vacina, variando muito em cada canto do Brasil, cada cidade, cada bairro, cada residência. 

Em maio eu tomei a primeira dose da vacina, ufa!!! o que me encheu de alívio e esperança. Mas cada vez que tudo parecia que ia se normalizar, o governo decretava uma nova fase de restrição. Todas as atitudes e decisões eram tomadas com base na vacinação em massa.

Ainda em maio de 2021, o Kenny me disse que ia até a PiraAçu para estruturar melhor as trilhas para receber observadores de aves e que quando voltasse a gente ia planejar a minha ida. 

 Os dias passando e o grupinho "Rondônia" permanecia parado, sem novidades.  

Um belo dia, já em junho, Kenny disse que estava na PiraAçu e repetiu que na volta combinava tudo. Disse que tinha dado uma sumida por conta do covid. Eu disse "ok, aguardaremos".

Eu tive um segundo semestre movimentado em 2021. Para descontar tanto tempo trancafiada em casa e me sentindo mais segura tendo sido vacinada, resolvi me recompensar fazendo várias expedições. 

Fui com o amigo Marco Cruz "ibitipocar" em Ibitipoca/MG com a amiga Teca Resende, fiz uma grande saída pelágica saindo de São Sebastião/SP organizada pelos amigos Fábio Barata e Patrick Pina, rodei o litoral norte numa baita expedição com meu querido irmãozinho de coração, o já mencionado Patrick Pina, fui para Santa Catarina e fiz uma pelágica e uma passarinhada em terra com Fernando Farias e ainda rolou uma mega expedição que mencionei no início, com Cal Martins saindo de Cuiabá/MT e indo até Pimenteiras D'Oeste/RO. Na volta fui ver onça-pintada com a irmã e amiga de coração Jeanne Martins. Dei um "pulinho" até a Colômbia na Bird Fair South America para palestrar e fiz uma mega expedição pelo Rio Grande do Sul com Raphael Kurz. E para finalizar o ano, fui à Jequié/BA em dezembro para um Encontro de Passarinheiros, onde conheci pessoas maravilhosas e fui guiada pelo amigo Sidiney Vitorino

Assim encerrei um ano movimentado e ainda meio que vivenciando e torcendo pelo fim da trágica pandemia. Não tive muito tempo de ver mais nada além da estrutura e logística de cada uma dessas mencionadas viagens.

Nessas alturas Kenny sempre estava trabalhando e praticamente passamos 2021 sem nos falar. 

2022

No começo do ano de 2022 recebi dele pedidos de ajuda humanitária para famílias atingidas pelas cheias em Rondônia e lembrei de que nossa expedição estava em suspenso, ou melhor em suspense ainda. 🙃🤔🤪😆🤣. A coisa tinha sido feia por lá e por isso nem me senti à vontade de tocar no assunto da nossa possível passarinhada por lá. 

Em agosto de 2022, acho que comentei algo num post sobre aves de Rondônia, não lembro se num grupo do Whatsapp ou no Facebook. E na resposta dei uma "alfinetada" no Kenny, sobre estar esperando a mais de ano um retorno para passarinhar com ele. E mais uma vez a resposta foi que ele estava na estrada e que me daria um retorno quando chegasse em Tabajara, eu lembro de ter pensado comigo - "será? duvido ô dó".

Acho que até então ele nunca tinha lido meu post que fala sobre resposta tempestiva dos guias para os clientes, onde enfatizo isso logo no item 1 ...

"O(a) guia ideal para mim tem que...

1 – Responder, assim que estiver online, questionamentos, dúvidas ou quaisquer esclarecimentos adicionais (antes, durante e depois – não existe pior que uma mensagem visualizada sem resposta).

OBS:  É muito chato tratar com pessoas que enrolam para responder, e pior, quando respondem é sempre com evasivas ou esquecendo o que foi escrito ou dito no começo. É preciso ter em conta que informações tempestivas causam boa impressão, já a demora pode causar prejuízo, principalmente financeiro, tipo uma passagem ou hospedagem que estava em promoção. Também não gosto de informações vagas, imprecisas ou incompletas, principalmente sobre custos, datas ou roteiros. E o bom prestador de serviços jamais deixa de te ajudar na pós passarinhada, seja na identificação de alguma foto que fez durante a tour, uma dúvida qualquer ou ainda indicar um lugar onde a foto foi feita. Até pelo contrário, gosto daqueles que olham suas fotos postadas e te corrigem se necessário. Poucos dão importância a isso, sem nem imaginar o tamanho do buraco, pois nessa área da observação de aves, o boca a boca não tem pernas, tem asas e voa."

Mas convenhamos, até então, com a pandemia, a vida de todos nós estava sendo surreal. Ele finalmente deu o retorno tão esperado sobre o assunto. Foi ainda no começo de agosto quando eu estava no Parque do Rio Doce em Minas, praticamente sem conexão. Como temos diferença de fuso, ele me deu um retorno à noite e eu já estava dormindo. Respondi de manhã e ele me perguntou se eu ainda tinha intenções de passarinhar na PiraAçu em 2022 ou 2023. Eu disse que sim e ele me pediu pra enviar listas dos meus lifers de algumas cidades onde ele guiava. 

Pedi que ele traçasse um roteiro e custos para mim. Na segunda quinzena de agosto ele me informou que estava trabalhando no meu roteiro. Eu tinha deixado na minha agenda os meses de setembro e outubro/2022 meio que "pré-agendados" para viajar com ele. 

Nesse interim, surgiram muitos outros convites para preencher minha agenda do segundo semestre de 2022.

Ainda em agosto ele me informou que só tinha agenda na segunda quinzena de novembro e que é quando começam as chuvas e seria arriscado passarinhar nessa época. Comecei a achar que ele estava com receio de me guiar devido a minha lista de lifers ser bem complexa e difícil. É muita responsabilidade guiar uma pessoa que ocupa o primeiro lugar na nossa principal plataforma: o Wikiaves.

Ele achou melhor deixar para 2023 e eu brinquei até lá você terá me esquecido de novo. Foi então que ele insistiu em deixar algo marcado para 2023. 

Meu segundo semestre de 2022 foi bem agitado, tirei a barriga da miséria mesmo. Fora as passarinhadas levando amigos pelos arredores de São Paulo, ainda fui para o Refúgio dos Naturalistas/PA com Fernanda Freitas e Danielson Seixas, Fernando de Noronha/PE guiada pelo João Paulo, Chapada dos Guimarães/MT com Jeanne Martins, Gaúcha do Norte/MT com Vitor Piacentini, Paracuru/CE com Rômulo Guerra, Montes Claros/MG com Alex Sezko, Parauapebas/PA com Filho Manfredini, Tavares/RS, Curitiba/PR, onde o amigo Fabyano Costa me levou passarinhar, finalizando com uma mega expedição para Atalaia do Norte/AM com os amigos Vanilce e Luiz Fernando Carvalho.

Mais uma vez recebi do Kenny em dezembro de 2022, um feliz natal e feliz ano novo. 🎅🎁. E mais uma vez viramos o ano sem nada concreto.

 2023

Em fevereiro de 2023, eu entrei em contato com o Kenny avisando que eu tinha indicado ele para um amigo e que ele combinasse com meu amigo e cuidasse bem dele, se não ele estaria lascado comigo. 🤣😬🥴🤔. 

O dois fecharam uma guiada. Na ocasião, lembro de ter dito a ele que estava combinando algo no Acre com o guia e amigo Ricardo Plácido para o segundo semestre e queria emendar esta ida com uma passarinhada em Rondônia. 

E a resposta de sempre: minha agenda está meio conturbada, no bom sentido, muita gente vindo para eu guiar, mas podemos ver. Eu disse que pretendia ir na primeira quinzena de outubro pegar alguns migrantes com o Ricardo.

Eu havia acabado de voltar de Manaus de novo depois de mais uma super expedição com Vanilce e Luiz Fernando Carvalho (mais uma das que estão rascunhadas e não finalizada). Novamente não coloquei muita fé no Kenny me fincar em sua agenda não. 🤣📌 Mas queria que ele cuidasse do meu amigo Gustavo Dallaqua direitinho. 

Papo vem, papo vai, eu disse que talvez tivesse que ir com ele em setembro antes de ir pro Acre. Ele era muito solicitado para prestar consultorias e o pouco que sobrava em sua agenda, era preenchido com guiadas. Será que ele ia ter espaço para mim? 

Em abril ele pediu pra eu confirmar minha data. Tendo em vista as enchentes do Acre em março/abril as negociações de datas com o Ricardo Plácido para o Acre estavam meio paradas. Lá, as estradas todas estavam destruídas, várias pontes haviam despencado, o aeroporto estava interditado. Tudo estava muito imprevisível naquele momento. Eu sequer conseguia conversar com o Ricardo.

O Ricardo igual ao Kenny, tem agenda bem complicada também. Fazia um tempão que a gente tentava marcar uma data e não conseguia. 

Nisso o retorno do Avistar presencial em 2023 tomou conta do meu ser, do meu pensamento e do meu tempo disponível. Nossa previsão é que seria o maior Avistar de todos os tempos, e foi mesmo.

Lá na segunda quinzena de abril, um mês antes do Avistar, eu estava fechando com minha família a ida para a formatura da minha sobrinha em Ilhéus/BA que seria em outubro (e foi) deste ano, e por conta de uns fatores que não vem ao caso, pedi pro Kenny guardar minha data pois perigava eu ir direto pra Rondônia, uma vez que talvez precisasse cancelar o Acre, mas nada certo ainda. 

Aí, acabei não podendo mais ir ao Acre e nisso Kenny pegou sua agenda e reservou pra mim de 22 de set a 20 de outubro. Eu poderia escolher quantos dias quisesse nesse período. Aí sim senti firmeza. 

Apesar de ter demorado um bocadinho 🤣🤣🤣🤜🤛, finalmente eu e Kenny conseguimos compatibilizar nossas agendas. Eu dependia agora de ver preço de passagem para Porto Velho. 

Quando finalmente a data estava anotada nas nossas agendas, ele me enviou duas versões de roteiro. As duas super bem feitinhas. Ambas incluíam a Pousada PiraAçu, onde uma das aves dos meus sonhos costumava dar as caras - o tal do urumutum. 

O Kenny ficou de fechar com a PiraAçu a nossa ida. A resposta do proprietário ficou stand by por um bom tempo, uma vez que só abrem determinadas épocas e para receber pescadores. 

Em junho nós conversamos e comprei as passagens. Kenny foi me ajudando a ver os hotéis, a maioria ele quem escolheu e reservou. Eu iria dia 25 de setembro para lá, mas chegaria dia 26 por conta do horário de voo e voltaria dia 08 de outubro, também de madrugada.

Julho veio e eu fiz uma expedição muito especial ao Maranhão, onde consegui registrar um indivíduo bem complicado do mundo das aves: o jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi). Fui guiada pelo querido amigo Luis Morais e compartilhei o avistamento com o amigo Ronaldo Francisco. O post pode ser lido aqui.

Nisso entrou setembro, eu correndo de norte a sul com palestras sobre aves, ficando sem voz, cansada e nada do dono da PiraAçu confirmar nossa ida. (a seguir um vídeo com o Beto Guedes cantando a frase "quando entrar setembro" - lembrei dessa música ao escrever esse parágrafo)

Beto Guedes - Sol de Primavera (Ao Vivo)

Só dia 19 de setembro, às vésperas da viagem, o dono da PiraAçu respondeu ao Kenny, dizendo que não iria poder nos receber, infelizmente. 😪😪

Confiei no Kenny para fazer as alterações necessárias no nosso roteiro. Setembro parecia que ia ser um mês tranquilo, só que não. Eu havia ido pra Uruguaiana/RS, Resende/RJ e Paraty/RJ palestrar. 

Ainda ia participar do Ilhabela Bird Week e voltaria somente no dia 24 para viajar para Rondônia já no dia 25. Hoje sei que foi total falta de juízo a minha aceitar tantos compromissos seguidos na minha agenda. 

Ainda irei fazer um texto de como é difícil administrar e compartilhar agenda entre passarinheiros e guias e ainda incluir eventos correlatos nela. 📆🤣📌

Não tinha nem espaço nem cabeça para me preocupar. Eu lembro de dizer para o Kenny não se preocupar com o cancelamento da PiraAçu, pois de repente o que parecia ser falta de sorte, poderia se tornar um grande golpe de sorte e foi isso mesmo que aconteceu.

Disse para centrar tudo na busca pela principal ave da nossa expedição, que seria a mesma de 2016, uma vez que a digníssima senhora choca-de-garganta-preta (Clytoctantes atrogularis) não dera as caras em Tabajara naquela oportunidade.

Lembro de escrever assim no post de 2016 "A trilha até a choca era muito difícil. De cara, tivemos que contornar por conta de um enxame de abelha, vimos muitas aves no caminho, mas o sentimento de frustração foi grande, uma vez que a dita cuja nem responder respondeu. Mas, engole-se tudo e parte-se para apreciar outras belezas. E havia muitas, desde outras espécies de aves, até borboletas, flores e paisagens de tirar o fôlego."

Mas chega de blá-blá-blá e vamos ao que interessa, ou seja contar como foi dia a dia essa viagem à Rondônia com o Kenny. Acompanhe a seguir...

25 set 2023 - segunda-feira

Com a saúde um pouco fragilizada pelas alterações bruscas de temperatura, pelo cansaço e correria dos dias intensos que antecederam esta segunda-feira, eu fui para o aeroporto de Guarulhos enfrentar uma voo nada fácil. 

Meu voo tinha saída prevista para 19:15h a partir de Guarulhos, com uma parada em Brasília e chegada dia 26 em Porto Velho às 01:35h de lá (02:35h daqui de São Paulo). Voos nesses horários são um transtorno na nossa vida e deviam ser proibidos. Enfim, era só o que tinha... 🤭🤔😳😔🥱

O combinado era o Kenny me aguardar no aeroporto, a gente ia dormir um pouco no caminho e já partir logo cedinho para o primeiro ponto da agenda. 

Por isso viajei prontinha, como você pode ver na foto abaixo, pouco antes de deixar minha casa, toda faceira. Era só chegar, descansar e sair passarinhar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

26 set 2023 - terça-feira

No primeiro dia a gente ia até um ramal próximo ao perímetro urbano de Porto Velho. Nosso café foi na D. Terezinha, onde também iríamos almoçar. A nossa manhã foi dedicada à busca do maravilhoso uirapuru-ferrugíneo (Cyphorhinus modulator)

OBS: como esqueci de acertar o fuso horário da câmera, todas as minhas fotos terão horário de São Paulo/Brasília, ou seja uma hora a mais que Rondônia e do momento em que realmente foram feitas.

O uirapuru-ferrugíneo (Cyphorhinus modulator) pertence ao Gênero Cyphorhinus da Família Troglodytidae

No Brasil, desde a lista CBRO 2021, consideramos cinco uirapurus pertencentes ao Gênero Cyphorhinus. E o C. modulator foi o último a completar minha lista dessa maravilhosa e divina espécie.

  • uirapuru-de-flancos-cinza (Cyphorhinus griseolateralis)
  • uirapuru-de-orelha-alaranjada (Cyphorhinus interpositus)
  • uirapuru-do-imeri (Cyphorhinus transfluvialis)
  • uirapuru-da-guiana (Cyphorhinus arada)
  • uirapuru-ferrugíneo (Cyphorhinus modulator)
Veja fotos abaixo, conforme sequência informada acima:

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Há uma lenda muito especial que envolve o Uirapuru. Ele é considerado um ser mitológico, descrito como homem transformado em pássaro que os indígenas brasileiros consideram o rei do amor. É também considerado um amuleto capaz de proporcionar felicidade no amor, nos negócios e sorte.

E nesse dia, ele foi meu amuleto, a primeira de todas as espécies que eu esperava ver durante esta expedição. Chegamos ao local, Kenny montou o "blind" e esperamos o bichinho aparecer. 

Ele apareceu no início meio tímido, escondidinho, depois se animou e cantou, e deu muitas fotaças, de encher cartão e os olhos d'água. O coração acelerou até dizer chega, de tanta emoção. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois ainda consegui fazer algumas fotos conforme sequência abaixo: arapaçu-meio-barrado (Dendrocolaptes picumnus), cantador-sinaleiro (Hypocnemis peruviana), chora-chuva-de-cara-branca (Monasa morphoeus), formigueiro-de-taoca  (Hafferia fortis), limpa-folha-de-sobre-ruivo (Philydor erythrocercum), mãe-de-taoca-de-cauda-barrada (Oneillornis salvini), um casal de papa-formiga-barrado Cymbilaimus lineatus) e um pequenino pica-pau-avermelhado (Dryobates affinis).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Teve muitas borboletas e um primata chamado Macaco-Barrigudo-Cinzento (Lagothrix lagothricha) em perigo de extinção. E até um percevejo-do-maracujá, além de uma linda formiga-feiticeira.

 
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois de um gostoso almoço e um delicioso descanso na D. Terezinha, que me emprestou uma cama no quarto dela, com ar condicionado e tudo, pegamos estrada para o nosso próximo destino: a cidade de Humaitá/AM. 

Kenny, D. Terezinha e eu
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Chegamos em Humaitá ao cair da tarde. Ainda deu tempo de tomar uma geladinha para comemorar o lifer da manhã na orla do rio Madeira enquanto examinávamos os planos para o dia seguinte.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

No começo da noite, fomos até uma padaria lanchar e o Kenny me apontou um rapaz com roupa de passarinheiro (leia-se observador de aves) no balcão, e logo reconhecemos "o sujeito". Era simplesmente o amigo e guia catarinense Fernando Farias que estava com alguns amigos fazendo fotos na região. Na saída, Fernando se juntou com a gente para um rápido bate-papo.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

27 set 2023 - quarta-feira


Saímos bem cedo nessa manhã, tínhamos várias espécies para tentar. Eu estava mais descansada do que no dia anterior e super animada.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A primeira dessas espécies desejadas, depois de horas que pareciam um século, deu o ar da graça muito no alto, no "último andar da floresta",o que dificulta acertar o foco e fazer uma foto pelo menos razoável. Era a pequeniníssima choquinha-de-garganta-amarela (Myrmotherula sclateri)

Choquinhas geralmente são espécies que "dificilmente facilitam". Elas são muito pequenas, saltitantes e não saem do dossel da floresta. Mas, enfim, apesar de tentarmos tudo que foi possível para que ela se aproximasse um pouco mais, o que contava é que estava registrada mais uma nova espécie pra minha life-list

Abaixo coloquei uma flechinha para você ter uma ideia do que estou dizendo. Isso com a lente no talo (400 mm). É assim que quase sempre as aves amazônicas de copa se apresentam pra gente. Temos que pegar a foto mais razoável e fazer um crop (recorte) gigantesco.

choquinha-de-garganta-amarela (Myrmotherula sclateri)
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

choquinha-de-garganta-amarela (Myrmotherula sclateri)
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Durante o resto do dia ainda procuramos outras aves da lista de lifers, mas sem sucesso. O dia estava muito quente, abafado mesmo. As aves se mostravam pouco, mas deu bons registros mesmo assim. Muitos deles eu chamo de future-lifers, pois um dia a ciência pode transformar uma subespécie em espécie.

Na sequência abaixo: arapaçu-verde (Sittasomus griseicapillus), cabeça-encarnada (Ceratopipra rubrocapilla), choquinha-de-garganta-cinza (Myrmotherula menetriesii), choquinha-de-flanco-branco (Myrmotherula axillaris), arapaçu-barrado-do-juruá (Dendrocolaptes juruanus), picapauzinho-dourado (Picumnus aurifrons), surucuá-de-barriga-amarela (Trogon viridis), surucuá-pequeno (Trogon ramonianus) e macuru-de-peito-marrom (Notharchus ordii).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A dificuldade que passamos para registrar a figurinha do dia pedia uma excelente comemoração e não deu outra, foi em grande estilo. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O dia terminou muito bonito e, apesar do nosso cansaço, ainda encontramos forças para papear com o Fernando Farias e seus amigos que encontramos no meio das trilhas. Inclusive os meninos trocaram muitas dicas entre eles. Nem imagina como me fez falta o lequinho que esqueci em Ilhabela e a querida Suzi Camargo recolheu e guardou para mim.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

28 set 2023 - quinta-feira


Saímos cedinho e depois de tomarmos café numa deliciosa padaria, onde fomos super bem servidos por uma simpática moça chamada Gisele Apolinário. Enquanto o cafezinho esquentava o corpo, o lindo nascer-do-sol em frente aquecia nossa alma. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

No caminho tive que pedir pro Kenny fazer uma paradinha de modo a apreciar algumas aves degustando seu café da manhã no meio da estrada. 

Olha só que belo bando de urubu-preto (Coragyps atratus) e urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura). São os "faxineiros" da natureza. Eu adoro. 🦅🧹

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E aqui abaixo parece que ouvi o preto dizer pro outro: "sai pra lá vermelho, tá se achando é?" - brincadeirinha da minha imaginação, eles estavam apenas se banqueteando sem problemas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E assim, lá fomos nós para mais um dia. Voltamos ao mesmo lugar do dia anterior. Kenny me levou mata a dentro, desta vez, por uma trilha que parecia não ter fim 🤣😬🥴🤔. Havia algumas aves pelo caminho, mas nenhuma era a que a gente buscava. 

Fiz muitos "borbolifers"🦋 nome que o Kenny atribuiu às novas espécies de borboletas que eu ia fazendo. Teve muita libélula também. Será que rola falar libelifer? 🤣🙃😊 

Nessas clicadas eu sempre aproveitava a paradinha para respirar um pouco e descansar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas Kenny ia sempre atento, procurando as aves que a gente mais queria, porém nem ele nem eu deixávamos as demais de lado. 

Abaixo uma sequência dessas mais "comuns" (contém ironia, nenhuma dessas é comum 🤣🤣🤣): arapaçu-bico-de-cunha (Glyphorynchus spirurus), chincoã-de-bico-vermelho (Piaya melanogaster), chorona-cinza (Laniocera hypopyrra), jacamaraçu (Jacamerops aureus), pica-pau-chocolate (Celeus elegans) e saí-de-bico-curto (Cyanerpes nitidus), entre outros.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Teve até melhoraifer nesse dia. Eu havia pedido para melhorar o meu registro de bem-te-vi-da-copa (Conopias parvus), e num é que nós conseguimos. A terceira foto abaixo é a que eu tinha feita em 2016 em Canutama/AM. Foi bem gostoso rever esse pequenino que sempre fica na copa das árvores e por isso ganhou esse nome.


E o mais gostoso foi poder sentar, tomar um café, comer pão com ovo e arrematar com pão de queijo, saciando a fome que sempre batia intensamente. 

A gente sempre faz isso na hora da abdução 👽👻🙃😋🤪😅, (lá pelas 10 horas) que é quando as aves desaparecem por um "portal da floresta" e entram em outra dimensão, onde nossos olhos já não podem vê-las nem os ouvidos ouvi-las. Eita, imaginação! 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nesse dia aconteceu algo muito engraçado. Desde o dia anterior a gente buscava o arapaçu-do-tupana (Campylorhamphus gyldenstolpei), um dos mais difíceis "marronzídeos" (Dendrocolaptídeos) de se encontrar nas florestas.

Apesar de hoje ter 17 fotos dele no Wikiaves, pode descontar algumas pois são fotos de amigos que estavam juntos, ou duas do mesmo autor. Acho que não chega a 10 avistamentos no total. 

A gente tinha feito um monte de passarinho bacana, mas em relação a ele eu estava um pouco desanimada, pois nem um sinal. Mas essa é a graça da coisa, o desafio vai ficando cada vez maior. 

Buscar aves cada vez mais difíceis de encontrar dá um sabor diferenciado à busca e um gosto especial quando são encontradas. São as figurinhas carimbadas do nosso álbum (leia-se lista CBRO 2021). A lista tem 1.971 aves, dessas apenas 1.959 foram registradas em fotos e postadas no Wikiaves. E nesse momento eu tenho nessa citada plataforma 1.707 espécies registradas, isso quer dizer o quê? Que só sobraram aves difíceis, muito difíceis.

Em geral a maioria dos arapaçus respondem ao chamado, mas não esse. Achei que o bicho não ia nunca dar as caras. Resolvemos sentar e descansar enquanto lanchávamos. 

Então a gente começou a bater altos papos sobre a vida, eu fiquei totalmente abstraída, mas Kenny, como sempre, antenado. Passou um tempão desde que nós nos acomodamos ali. Talvez uma hora, ou menos ou mais, eu perdi a noção do tempo ali, no meio das altas árvores que não nos deixavam ver o céu ou o sol.

De repente, muito calmo, Kenny me disse: "Silvia, olha ele lá na nossa frente". Eu olhei pra frente e não vi nada. "Aonde?" - "No tronco daquela árvore lá na frente". Aí ele se tocou que de onde eu estava tinha uma outra árvore bem na minha frente, tapando a visão de onde o sujeitinho raro estava forrageando.

Ele falou pra eu mover a cabeça um pouco. Fiz isso bem devagar "estilo jacu-estalo' (entendedores entenderão ou clique aqui para ler o post sobre o assunto). E ali, sentada no meu banquinho fiz as primeiras fotos deste raríssimo arapaçu, inclusive no limpo. Sequer tinha certeza se o que eu estava fotografando era a ave que ele me indicara, mas minha percepção é a seguinte, é ave, fotografa, depois pergunta.
 
E quando dei por mim, eu tinha feito um dos lifers mais cobiçados, difíceis e importantes da viagem. Eu e Kenny não acreditávamos. Foi muita felicidade. Obrigada Deusa Tupana, por me dar esse presente! Sim Tupana é um nome indígena místico, só pesquisar no tio "Gugo".

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E o dia findou-se com dois bobões felizes igual crianças, voltando ao hotel para descansar. O calor do dia tinha sido infernal, por volta dos 40 graus e o cansaço parecia ter se instalado sem piedade.

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

29 set 2023 - sexta-feira


Mais um dia para tentar um bichinho novo na mesma mata de Humaitá. Repetimos a mesma rotina do dia anterior e lá fomos nós, mas diferente do dia anterior, a gente não ia adentrar nenhuma trilha fechada, íamos ficar pelas bordas. E assim foi, parando o carro, descendo, andando e buscando, voltando pro carro, andando mais um pouco, e depois de novo e de novo.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O dia começou bem, com aves de rapinas alegrando as bordas da estrada: dois belos falcões-de-coleira (Falco femoralis) e um posudo gavião-ripina (Harpagus bidentatus) fizeram minhas lentes saltitar.

Um cantador-sinaleiro (Hypocnemis peruviana) até fez eu esquecer quem a gente estava procurando. Nem a ariramba-do-paraíso (Galbula dea) passou despercebida, mesmo estando no alto, como é seu costume.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E eis que o Kenny me avisa para ficar atenta, pois ele tinha ouvido o nosso target: o balança-rabo-do-inambari (Polioptila attenboroughi)

E lá no último andar da floresta, na cobertura, ele deu o ar da graça no meio de um bando misto. Se não fosse o rabitcho balançando eu teria confundido ele com uma folha. 🤣🙃😊

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Vai de lá, vai de cá, e quando eu já não aguentava mais segurar o equipamento apontando para o alto, ele me deu uma última chance. A foto abaixo tá bem "cropada", viu!

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E assim terminamos nossa missão em Humaitá, pegando caminho de volta para Porto Velho. Na volta paramos num posto onde comemoramos o lifer do dia com muita alegria.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Assim que saímos de Humaitá, foi que vi a cena mais louca do mundo. Pedi ao Kenny para encostar achando que tinha umas flores estranhas dentro de um rio, em cima de um monte de paus. 

Ao me aproximar da ponte e ver mais de perto percebi que não eram flores, pois flores não voam. Então pude registrar centenas de garças-vaqueira (Bubulcus ibis) pousadas. Já vi muitas delas em pastos, ninhais, mas assim jamais. Foi uma das cenas mais chocantes da viagem toda.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

No retorno passamos por um dos ramais conhecidos e procuramos por alguns dos meus lifers, mas era fim do dia. E apesar da gente ter caminhado bastante, outro portal fora aberto por ali e não se via ou ouvia nada. Ou quase... 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Para não nos deixar tristes, um lindo formigueiro-de-cara-preta (Myrmoborus myotherinus) veio todo posudo dando mole, estilo Dani Maia, na altura do olho, sem galhinho na frente. Foi uma alegria para minha lente, que não economizou. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Após um lanche, Kenny me deixou no hotel e foi dormir com sua família. O dia seguinte era um dos mais importantes da nossa tour e eu queria estar bem descansada.

30 set 2023 - sábado


Esse era um sábado especial e a "balada" ia começar muito cedo. A gente ia seguir para o distrito de Jaci Paraná, que pertence a Porto Velho, navegar com o Sr. Casemiro pelo Rio Branco até suas terras, onde ele e Kenny iam me conduzir a um bambuzal para tentar ver a ave que nem me deu bola em 2016 em Machadinho D'Oeste: a choca-de-garganta-preta (Clytoctantes atrogularis)

Apesar da tensão pela expectativa eu estava super relaxada. Evitamos parar para registrar as aves pelo caminho com vistas a não nos atrasarmos, mas tem hora que não dá...

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Tivemos que fazer uma parada. Três anacãs (Deroptyus accipitrinus) deixaram eu e Kenny hipnotizados. E como Seu Casemiro é um piloteiro muito hábil, conseguiu nos posicionar pra fazer fotão dos três. Realmente não tem psitacídeo mais lindo do que eles. Eles haviam descido para se alimentar e a gente não podia deixar escapar a oportunidade.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Fui aproveitando e clicando mesmo sem o barco parar, andorinhas e outras coisinhas fofas pelo caminho, como um bonito quatizinho, o que me fez lembrar do "Barbosa", o quati do sítio do amigo Guto Carvalho, que tantas histórias protagonizou na época da pandemia. 

Na foto a seguir andorinha-do-campo (Progne tapera), andorinha-do-rio (Tachycineta albiventere Quati-de-Cauda-Anelada (Nasua nasua).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Chegamos na propriedade do Seu Casemiro, desci do barquinho sem dificuldades. Em seguida pegamos uma trilha pra chegar ao local da choca. Eu estava super ansiosa. Logo no início começamos a passar por lugares bem difíceis como essa passarela abaixo, molhada pelo orvalho.

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

A ansiedade não desgrudava de mim. Aí uma "caba" ficou com inveja dela e resolveu grudar também, mas no meu braço, me deixando com ele dolorido por vários dias. 

O que é uma caba? Olha, nem queira saber, mas vou tentar explicar. Caba, na região norte, é um termo utilizado para designar várias espécies de himenópteros (Hymenoptera) com ferrão (vespas, marimbondos, camatins, etc). "Caba" se originou do termo tupi "kawa". Ela também é conhecida como Marimbondo-Chapéu (Apoica pallens).

Estavam bem no nosso caminho. Eu só ouvi o Sr. Casemiro, que vinha logo atrás de mim, dizer: "Corre, nem olha do lado ou pra trás, só corre". 

Aí uma delas já tinha grudado no meu braço e picado sobre a blusa bem pertinho do cotovelo. No dia seguinte inchou mais ainda e continuou doendo horrores, precisei usar lidocaína (anestésico). Dias depois sumiu como por mágica, nem sinal ficou.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Além dessas perigosas vespas ou marimbondos, tinha também as "lambe-zóio" ou Lambe-Olhos (Leurotrigona muelleri). Elas não machucam a gente, mas incomodam muito, principalmente quando você usa lente de contato, como é meu caso. 

A forma de se defender é bastante conhecida: procura os olhos das pessoas a fim de lamber a secreção que umedece o globo ocular. E não era uma nem duas, eram centenas. A minha sorte é que eu sempre levo uma redinha para vestir sobre o rosto e tentar me proteger um pouco. Fica parecendo um véu fúnebre, mas é muito eficaz.😆😆😆😆

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E tome tentar achar a choca! As horas iam passando, a fome apertando e nada. Uma paradinha estratégica para comer pão com ovo e um bocado de descanso no caminho ajudaram na angustiante procura e espera. E nada. Veio aquela sensação de "déjà vu". Mas o jeito foi abstrair e ir caminhando com calma pelas trilhas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Abstrair é fácil quando temos uma fofurice pela frente, daquelas que dá pra fazer foto de quadro. Eu nunca vi um rabo-branco tão colaborativo. Fiz um ensaio inteiro deste rabo-branco-de-bigodes (Phaethornis superciliosus) abaixo, enquanto a choca não dava sinal de vida. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu já estava achando que de novo, não ia ver a choca, quando ela finalmente vocalizou, apesar de um bocadinho longe. Só vi o sorriso do Kenny e do Sr. Casemiro ir de orelha a orelha. Já era quase hora do almoço. Meu coração veio pela boca, contei até 1.599, respirei fundo e me preparei para o momento tão esperado. 

Então ela timidamente veio por detrás dos bambus. Só dava pra ver que tinha movimento bem láááá no fundo. Kenny me posicionou de jeito e fiquei de olho, buscando um sinal dela, até que eu a vi entre as folhas e galhos do bambuzal. Era uma fêmea. Linda-de-morrer!!!!!

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Tenta de cá, tenta de lá, dá um passinho pra frente, para e não se mexe muito, vai para um lado, vai pro outro, abaixa, suspende, agacha, ajoelha. Fiz de tudo pra não perdê-la de vista até que ela me deu uma chance de fazer uma boa foto. 🤣🙃🙂😋🥰🙄 Kenny foi impecável. Chegamos a gravar o som dela enquanto estava um pouco longe.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Pronto, a quinta e mais esperada nova espécie para mim estava no cartão. Motivo pra comemorar e muito não faltou. Depois de pouco mais de 7 anos, eu finalmente conseguira ver e registrar a famosa e difícil choca-de-garganta-preta (Clytoctantes atrogularis)

Só existe registros dela em 3 municípios do Brasil: Apuí/AM, na PiraAçu, Machadinho D'Oeste/RO e Porto Velho/RO. E viva a preservação desse bambuzal pelo Sr. Casemiro em sua propriedade. Só assim  meu sonho se tornou realidade.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas pera, não acabou não. Voltamos ressabiados, eu morrendo de medo de ter que passar pelas "cabas" de novo, mas deu tudo certo, dessa vez nem sinal delas. Foi só felicidade minha e dos parceiros de aventura.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Como eu disse não acabou não. Cruzamos com alguns "rapazes" pelo caminho. E deu fotaça dos bonitões. 

Primeiro foi um barbudo-de-pescoço-ferrugem (Malacoptila rufa) e depois um rapazinho-de-boné-vermelho (Bucco macrodactylus). Ah! Esses rapazinhos ... deixam sempre as lentes em festa. 🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E além das aves, fiz mais alguns registros interessantes. Um gafanhoto muito diferente, uma borboleta identificada no iNaturalist como Danaus eresimus ssp. Plexaure e já na volta de barco vimos algumas tartaruguinhas ou melhor alguns Tracajás (Podocnemis unifilis). *

*O tracajá é uma espécie de cágado muito comum na Amazônia, vivendo entre 60 a 90 anos em habitat natural. Pertence à ordem Testudinata, mais conhecida por quelônios, que engloba répteis dotados de carapaça como os jabutis, cágados e tartarugas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Já relaxada e com a missão do dia cumprida, parei para clicar todas as lindas aves do rio Branco que surgiam diante dos meus olhos. Vimos muitas andorinhas, entre elas um bando de peitoril (Atticora fasciata), que pareciam estar discutindo a relação. 😃😁🤣

Uma linda e elegante garça-real (Pilherodius pileatus) gostou de modelar e ficou chacoalhando seus "cabelos" ao vento enquanto um martim-pescador-verde (Chloroceryle amazona) vasculhava a área em busca de um peixinho. 

E por fim um posudo urubu-preto (Coragyps atratus) ficou nos observando passar. De acordo com o Seu Casemiro, todo ano ele faz ninho no mesmo tronco.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E assim terminou nossa manhã. Após um lanchinho partimos para o nosso próximo destino que nos tomou a tarde toda. A cidade chama-se Jaru, onde reside nosso amigo Wendell Luccas (@hellowendell). Nosso pernoite foi em Jaru.

01 nov 2023 - domingo


Como foi "chiritar" no bambu nesse dia. Wendell Luccas é biólogo como Kenny e educador ambiental também. Éramos amigos virtuais apenas. Agora eu o considero amigo na vida real. Ele conhece bem as aves da sua região e nesse dia se dispôs a nos levar no ponto de um bichinho muito bonitinho, umas das espécies mais inquietas que já vi. É pior do que o jacu-estalo. De certa forma sim... e não!  😃😁🤣

Essa espécie ganha de qualquer synallaxis. Todo passarinheiro (leia-se observador de aves) sabe o que isso quer dizer. 🙄🤭🤔😆😈

Ele é "primo" dos balança-rabos (Polioptila) cuja família sempre é complexa para registrar. Falo do chirito-do-bambu (Ramphocaenus sticturus).

Os meninos faziam tudo que podiam para eu conseguir registrar o sujeitinho. No início fiquei correndo de um lado pro outro. Depois percebi que se ficasse imóvel talvez ele ia me desse uma chance. E foi assim. A maior dificuldade é que ele, além de ser agitado, não para de jeito nenhum, ele não possui cores que se destacam na vegetação onde vive. A câmera tem muita dificuldade de focar quando não encontra contrastes e cores.

E quando ele dava chance, era um zeptosegundo apenas (menor unidade de tempo, isto é, 0,000 000 000 000 000 000 001 segundos) e óbvio, eu não conseguia focar, aliás, mal conseguia vê-lo. 

E teve um erro da "operadora" aqui, meu Back Button Focusing da câmera relativamente nova (R7) estava configurado errado, quando mexi nela para fazer como na minha antiga 7D, esqueci que ela tem vontade própria e forma de salvar as novas configurações diferentes. Só descobri isso quando cheguei em casa. Um reles botãozinho mal configurado causou um drama a viagem toda, mas com o chirito foi pior. Talvez isso aliado à difração de lente, devido ao grande calor, ficou ainda mais difícil.

O emaranhado onde ele se encontrava era quase impossível fazer uma captura de imagem decente. E quando pensava que tinha conseguido algo razoável, ia ver e nada. E nem vou contar como o chão era difícil de andar, gerando um medo enorme de tropeçar ou afundar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu escolhi nove fotos das centenas de tentativas que fiz para demonstrar o drama que foi, todas tem muito crop. Desde desfoque total, até ele voar bem na hora dos incontáveis disparos da dona R7 ou virar o bum-bum pra mim na hora do clique (aí o treco focava) 🙄🤭🤔😆😈.

E quando você acha que vai dar, teimosos galhinhos pulam na frente para protegê-lo. E esses não eram poucos, um emaranhado pior que as linhas da minha avó guardadas numa cestinha. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas nem eu nem os meninos desistimos, depois de parar um pouco para respirar, com paciência e sorte, de uma hora para outra ele parou um pouco na nossa frente, no limpo. Deu foco e deu para ver como ele era bonitinho, apesar de ser da cor dos galhos onde ele adorava se camuflar. Eu gostei do apelido que o amigo Carlos Alexandre de Souza deu a ele: tampinha espoleta. Bem pertinente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Se você não acredita que esse carinha é hiperativo como eu disse e não para quieto, assista esse vídeo do Wendell e vai me dar razão.

 

A alegria, enfim, estampou-se no meu rosto e nós três ficamos muito felizes por eu ter conseguido mais uma nova espécie para minha life-list, no caso, a 6ª da expedição.

Eu, Wendell e Kenny
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Os chiritos (qualquer um deles) são bem difíceis de registrar. Esse então, a brenha até doía os "zóios". Basta olhar as outras 29 fotos dele que existem no Wikiaves (algumas do mesmo indivíduo) que vocês vão me entender.

Obrigada meninos pela paciência para que eu conseguisse uma foto postável, além do sonzinho que gravei.

Logo depois seguimos até um local sob a ponte do rio Jaru, onde confraternizamos, em meio a altos papos, comemorando muito, afinal o sujeitinho me fez passar por um dos momentos mais difíceis dessa expedição.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ainda tentamos ver outras aves, mas o tempo urgia e eu e Kenny tínhamos que ir para Tabajara, distrito de Machadinho D'Oeste, caminho l-o-o-o-n-n-n-g-o-o-o, parte asfalto e parte terra.

Pelo caminho fiz mais dois red-ball-lifers aumentando a quantidade de municípios onde registrei aves no Estado de Rondônia. 

Municípios onde colaborei com registros para o WikiAves.

Em Theobroma/RO paramos para registrar andorinha-grande (Progne chalybea), vários pombos-doméstico (Columba livia), um lindo suiriri (Tyrannus melancholicus) e dois periquitões (Psittacara leucophthalmus).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Já em Vale do Anari deu registro de um lindo pardal (Passer domesticus) se secando do banho que tomou numa poça d'água e um lindo quiriquiri (Falco sparverius). Tudo isso na beira da estrada, nos acostamentos enquanto seguíamos em frente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E no caminho aconteceu um fato que foi tão tenso que nem lembramos de registrar. A estrada em alguns trechos era pouca movimentada, mas sempre tinha caminhões em alta velocidade. De repente nós vimos um tamanduá-mirim querendo atravessar a estrada, meio paralisado de medo. Do jeito que estava, seria atropelado com certeza. 

Pedi ao Kenny para tirar ele da estrada. Descemos e então eu me posicionei no meio da estrada, fazendo sinal para os carros pararem. No caso veio um caminhão gigante com uma família e parou quando  sinalizei com os braços. Eu continuei lá no meio, mesmo correndo risco de ser atropelada ou apanhar de algum motorista enraivecido e o Kenny foi com jeitinho espantando o bichinho pro mato. 

Tudo ocorreu dentro dos conformes e resgatamos o tamanduazinho. O caminhoneiro e sua família cumprimentaram a gente e seguiram seu caminho. Eu e Kenny seguimos também, com a alma lavada e o coração aliviado por termos salvo um bichinho de ser morto ali na beira da estrada.

Já em Machadinho D'Oeste/RO, chegando na vila de Tabajara, numa paradinha breve, fizemos um lindo gavião-caboclo (Buteogallus meridionalis) e uma dupla de papagaio-campeiro (Amazona ochrocephala).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Após D. Auda nos acomodar em sua pousada em Tabajara, eu e Kenny fizemos um brinde a nossa passarinhada, torcendo para que nossa sorte continuasse. E o calor? Parecia um forno e a gente dentro. 🤣🔥🔥🧯 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

02 nov 2023 - segunda-feira


A primeira coisa que vi nas campinas/campinaranas de Tabajara após nossa chegada na Trilha do Caldeirão foi um Tamanduá-Mirim (Tamandua tetradactyla), igual ao que salvamos no dia anterior. Ele é muito fofinho, mas esse correu rapidinho da gente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Logo depois que chegamos registrei dois papagaios-dos-garbes (Amazona kawalli) que ainda estavam acordando. Era bem cedinho, o que tornava a travessia pela campina mais fácil, uma vez que não há quase nenhuma árvore que faça sombra para nos proteger do sol e do forte calor nesta parte da trilha.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Entramos na floresta amazônica, daquelas bem densas, árvores bem altas, onde eu ficaria perdida e não saberia voltar se não fosse o Kenny. Nesse dia andamos mais de 8 km, percurso que durou mais de 7 horas ida e volta (registrado pelo aplicativo da plataforma e-Bird). 

Mas vamos ao objetivo do dia. Ele não demorou a ser encontrado. Falo do arapaçu-de-bico-curvo-de-rondônia (Campylorhamphus probatus). No nosso primeiro encontro ele estava se alimentando no alto de uma árvore, na contraluz. Foi um momento alegre pelo encontro, mas de muita frustração pela impossibilidade de uma foto legal. Conhece aquela frase? "Só pra registro!' Então...🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois, graças aos esforços do Kenny, consegui melhorar a foto, mas ele virou e ficou de costas pra mim bem na hora do clique. Depois sumiu de vez. 

Para postar essa espécie no Wikiaves usei a foto que fiz no dia 7, que ficou muito melhor. Esses bichos são como loteria, um dia não dão mole, no outro facilitam, um indivíduo é mais de boa do que o outro, e então, eis que uma hora você consegue algo razoável.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Andamos muito buscando outras aves dos nossos desejos, mas estava muito-muito-muito quente e a tal abdução aconteceu pra valer, até antes da hora. O melhor a fazer era sentar e comer pão com ovo tomando cafezinho. E foi o que fizemos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nesse dia um quetzal-pavão (Pharomachrus pavoninus) nos acompanhou pela floresta adentro. Eu percebi que ele adorava nos seguir, mas não gostava de ser fotografado. O Kenny e ele tinham um caso de amor. O Kenny assoviava para ele e ele respondia de vez em quando, mostrando que estava por perto. Acho que o Kenny não explicou direito pra ele como as coisas funcionam. Tem que ser mais "amostrado" e posar para a fotógrafa.😃😁🤣

Como só havia borboletas e lagartinhos pelo caminho, resolvemos voltar para a pousada.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Antes de pular a cerca e entrar no carro para voltarmos, o Kenny abriu o isopor e retirou duas geladinhas para comemorarmos a 7ª espécie nova registrada por mim. Pensa num ser saindo das entranhas do mundo e voltando à vida, era eu... 😂😂😂🍺🍺🍺

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

Voltamos à pousada para almoçar já bem tarde. A surpresa boa foi a mousse de cupuaçu preparada pela Marlene. Eu juro, era irresistível, geladinha, saborosa. Vou te falar, eu comi quase toda.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Uma fotinha da Marlene e d. Auda, feita pelo Kenny a meu pedido. Duas super guerreiras e queridas.

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

Nesse dia o cansaço tinha sido tão extremo e depois de uma comilança exagerada, pedi ao Kenny para ficar na pousada e dormir a tarde toda. E assim foi feito. 

03 nov 2023 - terça-feira


Saímos bem cedo nesse dia e nosso destino era ir até um local tentar um beija-flor no meio de uma floresta perto do perímetro urbano da cidade de Machadinho D'Oeste, a uns 60 km do distrito de Tabajara, onde estávamos. Mais de uma hora pela estrada de terra. 

O dia estava lindo. A lua se despedia nos dando bom dia lá no alto do céu azul,

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Chegamos bem cedinho. Entramos por uma trilha onde havia colmeias de abelhas espalhadas por caixas pelo caminho, e por conta disso nós contornamos para não correr risco de levar picadas de algum possível enxame.

Enquanto nossa estrela do dia não vinha fiz outros bichinhos pra variar: saíra-de-bando (Tangara mexicana), xexéu (Cacicus cela), sanhaço-do-coqueiro (Thraupis palmarum) e pica-pau-chocolate (Celeus elegans)

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu contava muito que teríamos sorte. Mas como tudo na floresta amazônica é imprevisível, a gente tinha que ter paciência, tentar, caminhar, tentar, caminhar, e vai por aí. Nada é fácil nesse bioma. 

Nossa estrela demorou, mas de uma hora para outra deu o ar da graça. Sim, uma estrela mesmo, ou melhor, um beija-flor-estrela (Heliodoxa aurescens)

Ele demorou muito a aparecer onde um amigo do Kenny (Evandro Gervásio) costuma observá-lo. Veio no alto, na contraluz e quando meus braços estavam doídos de tanto clicar, tentando melhorar a foto, num segundo que abaixei-os, o bichinho fez um display com sua cauda. Quase chorei. Ali naquele momento, desejei ter um tripé. 

Eu não me conformava de ter perdido esse momento, mas são esses perrengues que ficam na memória e nos trazem risos quando a gente lembra deles. Obrigada Kenny e Evandro por esse momento único e muito feliz.

*Aqui o vídeo incrível feito pelo Evandro Gervásio em algum outro momento com ele fazendo o tal display que eu perdi (shuift - snif). 😪🤭😁

 

Abaixo momentos em que pedi ao Kenny para pegar meu celular e registrar enquanto eu tentava fazer uma foto bonita do "estrela". 🥀⭐

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A segui um mosaico cuja primeira sem crop e tratamento mostra a situação inicial, e depois alguns momentos legais.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E pronto, beija-flor-estrela checked - não 😆😆😆 não é vida longa e próspera e sim a 8ª espécie nova desta maravilhosa expedição. Uma estrela tinha iluminado meu dia. Sim, foi um beija-flor- estrela, há muito desejado. 

No final acabou virando uma brincadeira e uma homenagem ao Mr. Spok de Star Trek (ressaltando que eu sou trekker fanática). Vida longa e próspera à todas as aves e seus habitats.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Aí já era hora do lanchinho e como eram apenas 9:30h, eu ainda não podia tomar cerveja (esta só depois das 10h - entendedores entenderão). 😂🍺⏰

Então coca e água tônica aliviaram um pouco o calor enquanto a gente se fartava de comer pão com ovo, para variar. 🥛🥪🥚🍳😆

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E para finalizar a manhã eu tomei café numa mesinha improvisada (um suporte de caixa de abelha, sem a caixa em cima) e nem abelhas por perto. 🐝☕

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

 A comemoração pra valer foi depois do almoço, antes de voltar pro mato. 🍺🍻

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

À tarde fomos de novo para a Trilha do Caldeirão. Passando rapidinho pela escaldante campina / campinarana, fomos direto para a floresta. Foi uma tarde infernal. Não consegui fazer fotos bonitas como eu queria e nem bichos novos, mas nossas tentativas resultaram na melhoria de registro do arapaçu-de-bico-curvo-de-rondônia (Campylorhamphus probatus)

Veja abaixo na sequência: um galho com um arapaçu-de-lafresnaye (Xiphorhynchus guttatoides) ao fundo, um arapaçu-de-bico-curvo-de-rondônia (Campylorhamphus probatus) olhando pro outro lado, um tangará-de-coroa-amarela (Chiroxiphia regina) cuja melhor foto foi essa escondendo o bico e um casal de anambé-pombo (Gymnoderus foetidus), aves lindas, mas sempre muito distantes do alcance das minhas lentes.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Apesar de tudo sempre tinha algum inseto ou primata para distrair a minha ansiedade e expectativa em relação ao reaparecimento das "aves abduzidas". 👻🤣

Abaixo um lindo marimbondo construindo casa, bem calminho e longe dos meus braços. 🐝🤣 Sob uma folha vi um bicho muito diferente, que depois descobri tratar-se de uma mariposa em estado larval do gênero manduca. 🐛🦋

E dois primatas fizeram minha alegria, pois adoro registrá-los. 🙈🙉🙊 Um deles era um macaco-de-cheiro do Gênero Saimiri (Saimiri ustus). O outro era um membro dos Titis, Uacaris, Cuxiús e Parauaçús, chamado Brown titi monkey ou zogue-zogue (Plecturocebus brunneus). 

Olha, eu não entendo muito sobre o mundo fora das aves, mas amigos e uma plataforma chamada iNaturalist me ajudam muito. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Na floresta você perde a noção das horas. O dia queria ir embora. Já eram quase 18 horas e o sol na campina / campinarana viera poeticamente se despedir da gente, iluminando a areia ao nosso redor. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ficamos até o último raio de sol brindar a Terra com suas luzes mágicas.

Porém ao chegar na pousada uma notícia triste nos aguardava. Um querido amigo nosso falecera. Não quero comentar nada mais aqui sobre isso, pois esse assunto ainda me deixa em pedaços.

04 nov 2023 - quarta-feira


Nesse dia, eu acordei bem desanimada e Kenny fez de tudo pra me alegrar, inclusive careta enquanto eu fazia "borbolifer". 

Se pensar bem, vida de guia não é nenhum pouco fácil, eles tem que entender de aves, biomas, geografia, mamíferos, insetos, flores, répteis, ser trilheiros, aventureiros, descobridores, motoristas, poliglotas e na maioria das vezes, psicólogos, o que os torna nossos grandes amigos. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Aliás foi o que mais fiz nesse dia, registrar insetos e borboletas. Nenhuma das espécies que a gente buscava quis vir me animar, e um que lindamente vocalizou, que era um inclusive um pedido de melhoraifer, não facilitou minha vida. 

Eu não sei se ele é difícil assim mesmo ou que estava muito distraída, mas na única hora que o Kenny me disse: "olha ele no limpo, na sua frente", eu estava concentrada olhando o chão e clicando uma borboletinha. Acredita? 

Olha o melhor que consegui do Senhor tiê-do-mato-grosso (Habia rubra). Onde? Olhe bem no centro, veja uma coisinha cor de ferrugem, atrás dos galhos. Era como ele se mostrava pra mim, exceto na hora da borboletinha. 🤣🦋

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas fala sério, elas são demais né? Tirando a apavorante mutuca (a marrom da 3ª fila da esquerda) 🤣, a Mariposa-Vespa azul e vermelha e o percevejo amarelo de bolinhas pretas também arrasaram.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Só pra quem não sabe, minha fase macrofotografia (borboletas, insetos e flores) antecede a fotografia de aves. Porém nunca fui de estudá-los como faço com as aves. O que me atraia eram as cores e o mundo oculto dentro dos jardins e vegetações.

Vou destacar no quadrinho abaixo as aves que consegui fotografar durante esse dia.

Na sequência: maracanã-do-buriti (Orthopsittaca manilatus), papagaio-dos-garbes (Amazona kawalli), um casal de capitão-de-cinta (Capito dayi), tem-tem-de-topete-ferrugíneo (Tachyphonus surinamus), araracanga (Ara macao) e ainda um lindo vite-vite-camurça (Pachysylvia muscicapina).

Ainda brincamos com o nome científico desse último. Algo como "pá que isso Silvia", vai ouvir "múscica ca Pina" (lembrei da minha querida tia Pina nessa hora e do meu amigo e irmão de coração Patrick Pina).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

05 nov 2023 - quinta-feira


Era nosso último dia em Tabajara. Kenny escolheu irmos até um lugar conhecido popularmente como Campina do Jacu (FloNa Rio Preto-Jacundá - Picada Campina / Campinarana).

OBS: Campinas são florestas com porte de 4 a 7 metros de altura ao passo que as campinaranas possuem um porte um pouco mais elevado, sempre associadas a solos arenosos. 

O solo, quase sempre é de areia branquinha. Para mim lembra praia e mar, só falta o mar. 🤣🤪🤣🤪

O Kenny ia na frente procurando as aves e eu mais atrás só respirando e sentindo minha mente e corpo se conectarem com a natureza. Andamos quase um quilômetro até achar uma turminha boa. Um bandinho misto de passarinhos "tava que tava".

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nesse dia faríamos uma última tentativa de encontrar uma ave que eu queria muito: caraxué-da-campina (Turdus arthuri)Caraxué, na Ornitologia é a denominação empregada na Amazônia para designar os pássaros que, no Sul, chamamos de sabiá.

Essa da campina é uma ave muito parecida com sua co-irmã, da qual foi separada. Antes de serem desmembradas ambas recebiam o nome de caraxué-de-bico-preto (Turdus ignobilis). Aí foram "splitadas" uma virou o caraxué-da-campina (Turdus arthuri) e sua co-irmã passou a ser chamada de caraxué-da-várzea (Turdus debilis). 

Eu tinha várias fotos de caraxué, feitas no Acre em Rio Branco e em Atalaia do Norte no Amazonas. Mas de acordo com os especialistas nenhuma delas era a da campina. 

E foi atrás dela que saímos especificamente nesse dia. A natureza irregular de sua distribuição no norte do Brasil se deve em grande parte à sua especialização nos habitats de campinas, de areias brancas, que ocorrem no mosaico de habitats amazônicos. Esse local onde fomos era perfeito para encontrá-la.

Fazia muito sol e calor para variar, mas demos muita sorte nesse dia. O local parecia um comedouro / bebedouro a céu aberto, porém sem qualquer intervenção humana.

As aves tinham se reunido ali para tomar seu café da manhã. Eram tantas espécies no local que por um momento, a gente se esqueceu de quem tínhamos ido buscar. Para não espantá-las a gente não se aproximou muito.

Três lindas espécies de beija-flores deram um show. Com destaque para o beija-flor-azul-de-rabo-branco (Florisuga mellivora). Tinha adulto, fêmea, filhotões, tudo de uma vez só.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Registrei também beija-flor-tesoura-verde (Thalurania furcata) e asa-de-sabre-de-cauda-escura (Campylopterus obscurus).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Teve uma variedade de aves bem grande, esse era um bando misto de verdade. Veio pra farra matutina o senhor bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus), um mocinha chamada juruviara (Vireo chivi), um imponente suiriri-de-garganta-rajada (Tyrannopsis sulphurea) e vissiá-cantor (Rhytipterna immunda), que não cantou nada, pois só queria saber de encher o bico com as minúsculas frutinhas e sementinhas da vegetação local.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

 O show mesmo ficou por conta dos saís-de-bico-curto (Cyanerpes nitidus) e das saíras-beija-flor (Cyanerpes cyaneus). Dava gosto vê-los todos juntos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ainda registrei de longe um fim-fim (Euphonia chlorotica) e um casal de tem-tem-de-topete-ferrugíneo (Tachyphonus surinamus). Mas de repente, foi aquele "para tudo e fica de olho ali no fundo". 

E no meio desse bandinho havia um sabiá. Ops, mas não um sabiá qualquer. Era um caraxué-da-campina (Turdus arthuri). Desbotado e sem cor como alguns dos seus primos. 

Ah! Essa família dos turdídeos (Turdidae) é bem grande. No mundo são 175 espécies dentro de 17 gêneros. Só no seu gênero Turdus temos 86 espécies. São considerados grandes cantores e conhecidos pelos seus melodiosos cantos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu queria ter feito mais fotos dele, mas bandos mistos quando um resolve ir embora, todos vão juntos. E assim aconteceu. Todos se foram e nós resolvemos ir também, mas não embora, mas seguir caminho até a floresta com dossel fechado no fundo antes de voltar para a pousada e nos prepararmos para voltar para Porto Velho.

Lá dentro estava bem mais fresquinho. Algumas aves colaboraram e consegui fotos bonitas de algumas como a linda fêmea de pica-pau-de-barriga-vermelha (Campephilus rubricollis) e um espetacular quetzal-pavão (Pharomachrus pavoninus) que teve pena de mim e fez pose de nobreza. 

Uma pequenina fêmea de uirapuru-de-chapéu-branco (Lepidothrix nattereri) compareceu e um jovem ariramba-bronzeada (Galbula leucogastra) veio ser fotografado enquanto fazia minha cabeça ficar confusa se era ou não seu primo, a ariramba-do-paraíso (Galbula dea). Mas o Kenny me explicou porque é uma e não a outra.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Além de muitas borboletas e insetos diferentes fiz um primata-lifer: um ameaçado Macaco-aranha-peruano também conhecido como Macaco-aranha-de-cara-preta (Ateles chamek), super curioso com nossa presença.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

No dia anterior nenhum lifer tinha sido contabilizado e o vidro do carro (bem sujinho, inclusive) permaneceu com a escrita de 8 lifers. Finalmente neste dia eu fiz a 9ª nova espécie: o caraxué-da-campina. mas a gente nem alterou Aí foi só comemorar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas o dia não acabou por aí. Estava terrivelmente quente, o capeta parece que tinha aberto todas as portas e janelas do inferno e ligado todos os aquecedores. "Há uma probabilidade maior que 99% de que 2023 seja o ano mais quente já registrado", afirmou a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês).😈🥵🔥

Bom, feitas as despedidas e os acertos financeiros com d. Auda, e depois de ter me acabado e literalmente acabado com as sobremesas da Marlene, seguimos nosso caminho de volta à Porto Velho, onde pude fazer mais dois red-ball-lifers: Ariquemes e Alto Paraíso.

E quando cruzamos o município de Ariquemes, Kenny deu voltinhas na rotatória para eu registrar o portal da cidade. 😃😁🤣. Ô falta do que fazer, viu? Mas ó, fui eu que pedi para fazer foto do portal. E tivemos que ficar rodando porque a gente não tinha onde parar. 😁🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Na beira da estrada consegui registrar uma ave no município e isso já valeu. Obrigada senhor araçari-castanho (Pteroglossus castanotis) por ter me dado essa chance de dentro do carro mesmo. Ele tava de olho era na frutinha balançando ao vento. Fui embora sem saber se ele conseguiu ou não.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Já no município de Alto Paraíso, consegui clicar umas aves bem legais pelo caminho: um barulhento quero-quero (Vanellus chilensis), uma polícia-inglesa-do-norte (Leistes militaris), que não multou a gente por parar no acostamento 🤣🤣👮‍♀, um tico-tico-do-campo (Ammodramus humeralis) que em princípio pensei ser a cigarrinha-do-campo (Ammodramus aurifrons) e uma garça-vaqueira (Bubulcus ibis), literalmente vaqueira.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Em Alto Paraíso nós paramos para lanchar, o cansaço estava estampado na nossa carinha até dizer chega, mas estávamos felizes e realizados. Kenny mais ainda, pois ia matar as saudades das suas meninas (esposa e filhas), já que ia dormir em sua casa.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

06 nov 2023 - sexta-feira


Nosso dia amanheceu lindo. O piloteiro Erivelton Faustino Dias já nos aguardava em Jaci Paraná, distrito de Porto Velho, para sairmos navegar pelo Rio Madeira. E já tinha passarinho passeando perto do sol. (Detalhe: Erivelton tem Faustino no sobrenome mas não temos parentesco, porém somos ambos "gente boa" 😂😂😂)

🌞🍀 Foi mais um dia pra lá de incrível. Após uma navegação deliciosa pelo Rio Madeira, chegamos à famosa Ilha do Búfalo, que eu nem sabia que existia. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Navegamos calmamente até lá, mais de uma hora, o rio estava muito baixo e Erivelton ia com muito cuidado. Eu só ia apreciando o trajeto, havia algumas aves nas margens, mas nada que valesse parar. 

Finalmente chegamos. A Ilha embora pequena, mais ou menos uns 28 km², possui uma vegetação bem densa e variada. Seu acesso é bem difícil, mas com calma e paciência adentramos e passamos uma boa parte da manhã nela. 

crop Google Maps

Abaixo uma foto feita pelo Kenny quando eu saia da mata que aparece ao fundo. Veja só, o terreno era propício a nos derrubar, uma vegetação entrelaçada onde parecia que as plantinhas estavam ali esperando para te dar uma rasteira. 

Enganchavam pelos pés, arranhavam o rosto, te faziam tropeçar em buracos sob elas. Nem adiantava ter pressa. Aliás, passarinhar é algo que se faz com calma e, nessas horas, poder controlar a ansiedade e triplicar sua calma é essencial. 😑🙄🤯🤕🥴😳😁😅

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

E eu achando que íamos demorar a encontrar o nosso pássaro-alvo, de repente os ouvidos biônicos do Kenny logo o localizou por meio da sua vocalização e disse "borali". Saí "correndo", ou algo parecido com isso, devido às dificuldades do terreno que mencionei. 🤣🤣🤣

E aí toma um drible do bichinho. Ele é muito semelhante a outras espécies, lembra muito uma elaenia ou piuí. Eu nem imaginava que esse tal papa-moscas-de-alder (Empidonax alnorum) fosse tão tinhoso, daqueles que gosta de se embrenhar e te espiar por detrás da folhagem.

Teve hora de eu o confundir com a guaracava-do-rio (Elaenia pelzelni), que é um pouco maior, mas no meio de um bando misto, longe, entranhada também, fica difícil distinguir. Por isso digo que era sorte e competência aliadas, no caso a sorte era minha e a competência do guia. Olha no mosaico abaixo algumas das primeiras tentativas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Só lembrando que ele é migratório e tem poucas ocorrências no Brasil. Em geral ele vem pelos Andes e raramente passa sobre o Brasil. 

Mas como eu disse, sorte e competência juntas fazem milagre. Ele saiu uma única vez no limpo. Essa foi a única e eu aproveitei bem. E no final ainda pudemos gravar seu sonzinho.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ainda na ilha fiz a choca-barrada (Thamnophilus doliatus), formigueiro-preto-e-branco (Myrmochanes hemileucus), guaracava-do-rio (Elaenia pelzelni)andorinha-azul (Progne subis). 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Entramos lá no fundão da Ilha e fizemos um novo lifer não só para a cidade de Porto Velho, mas para o Estado de Rondônia, no Wikiaves. Apesar da luz ruim e da falta de contraste para um foco perfeito, consegui algumas fotos pra mostrar o bichinho. 

Com receio de perder algum display como perdi no dia do beija-flor-estrela, eu segurei firme a câmera, ignorei a dor nos braços e finalmente consegui, mas o foco não cravou e não consegui a foto dos sonhos. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Clicando o beija-flor-pintado
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas o importante é que o objetivo foi atingido, fomos em busca do papa-moscas-de-alder e conseguimos. Era o 11º dia de expedição e eu tinha feito 10 espécies novas no total. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Na volta, já bem mais relaxada, vim aproveitando para fotografar as belezas que surgiam na frente dos meus olhos pelo Rio Madeira, como bandos de cigana (Opisthocomus hoazin), uma imponente águia-pescadora (Pandion haliaetus), um martim-pescador-pequeno (Chloroceryle americana) e um bandinho de japacanim (Donacobius atricapilla). 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Eu e Kenny fomos almoçar e comemorar no restaurante Rancho Rio Jaci (@ranchoriojaci), que serve uma maravilhosa comida e cerveja bem geladinha. E coca-cola pro guia/motorista, que lambuzou a mesa todinha na hora da selfie. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Terminamos a refeição e óbvio, eu pedi um cafezinho. A proprietária disse que era só se servir. Aí, café pronto em restaurante, como eu suspeitava, tinha açúcar. Perguntei pra ela se ela era mineira, pois todo café em Minas Gerais tem açúcar. E eu só bebo sem. 

Papo vai, papo vem, eu e Neidy ficamos amigas e ela me contou que é filha de mineiros. Tá "issssplicadu, né? Acabamos fazendo uma foto para guardar de lembrança, e eu já avisei, voltarei. Com certeza a comida estará melhor ainda, mas será que vai ter café sem açúcar? Ela garantiu que sim ☕

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Abaixo o belo visual que desfrutamos durante o almoço. Se eu tivesse uma rede tinha ficado o dia todinho só curtindo.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Logo em seguida fomos pra Candeias do Jamari onde ficamos um tempão conversando na beira do rio Jamari com um senhor muito simpático cujo nome eu esqueci e o Kenny também não se lembra. 🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O local era muito acolhedor e havia muitas aves no local, como andorinha-serradora (Stelgidopteryx ruficollis), peitoril (Atticora fasciata), ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) e maria-da-praia (Ochthornis littoralis).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O show ficou por conta de um lindo casal de saí-amarela (Dacnis flaviventer). Como todas as saíras, elas encantam nossos olhos e põem nosso dedinho nervoso em polvorosa. 🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Quando o dia começou a cair fomos atrás de uma coruja, mas não era qualquer uma não. Era a caburé-da-amazônia (Glaucidium hardyi)

Primeiro uma apareceu, mas não era a que a gente queria. Seguimos buscando pela "nossa", que ali tinha sido registrada pelo Kenny em 2020. A gente queria um indivíduo com heterocromia - anomalia genética na qual o indivíduo tem um olho de cada cor ou até mesmo um olho com cores diferentes.

Parecia que ela não ia dar as caras, só que para finalizar nosso grande dia, aos 47 segundos do segundo tempo, a bela caburé-da-amazônia finalmente fez pose para minha lente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

🦉 Obrigada Kenny, pelo dia espetacular. Terminar o dia com uma corujinha especial não tem preço.

07 nov 2023 - sábado


12º e último dia da expedição Choca dos Sonhos.

Esse dia foi reservado para relaxar e conhecer pessoas. Comecei tomando um delicioso café preparado pela D. Adi, proprietária do Amazonas Pousada e Náutica, que fica às margens do Rio Candeias.

D. Adi, por incrível que pareça, além de ser uma pessoa encantadora e excelente cozinheira, consegue ser mais falante e contar mais histórias do que eu. 🤫😜🤪🤣. Uma figurinha carimbada, única e exclusiva. 

Enquanto ela contava histórias eu fui comendo e comendo e comendo. Comi tanta tapioca e pão com ovo, que não sei nem como consegui me levantar e sair para passarinhar. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Nesta manhã conheci o Fábio Santos veio se encontrar com a gente na d. Adi. Fomos passarinhar numa trilha ali por perto. Cheios de muito papo e alegria, mas e passarinho?

Arquivo pessoal Kenny Uéslei

De cara eu e Fábio conseguimos fazer fotão do rendadinho (Willisornis poecilinotus). Nisso Kenny pediu silêncio absoluto, pois dois inhambus-anhangá (Crypturellus variegatus) estavam por perto. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Passamos um tempão tentando ver se esses inhambus saiam da moita, mas eles só fizeram cantar, cantar e cantar. Acho que será preciso voltar com a Jeanne Martins, uma vez que ela é encantadora de tinamídeos. 🧙‍♀️⚡️

Para você ter ideia como o bicho é bonito e difícil, assista o vídeo a seguir feito pelo amigo Gustavo Magnago em Linhares/ES lá em 2013.

 

Mas pelo menos eu gravei o som dele. E olha o meu sonzinho aqui que eu juntei com imagens que capturei do vídeo do meu amigo Gustavo Magnago. Esse som recebeu tratamento pelo meu amigo Marco Cruz que sabe como deixar ele muito mais legal do que eu. 🤣🤣🤣

Clique duas vezes na setinha pra ouvir.


Mas vamos falar de mais um lifer para a cidade de Porto Velho no Wikiaves. Como eu já disse, fiz o arapaçu-de-bico-curvo-de-rondônia (Campylorhamphus probatus) em várias oportunidades. 

Fiz o primeiro registro dele no dia 2 em Machadinho d'Oeste. No dia 3 também o encontramos, mas sua melhor aparição foi neste dia 7. E por isso deixei pra postar essa bonita foto dele como lifer no meu perfil no Wikiaves. Seria novidade para o amigo Fabio Santos, mas ele tinha acabado de ir embora, quando o digníssimo vocalizou na floresta e veio se alimentar pelas bordas.

Embora todos são "marronzídeos" e muito similares, os do gênero Campylorhamphus, cujos bicos curvos os fazem ser os mais bonitos da família. São extremamente difíceis de registrar, pois não param quietos, se escondem atrás dos troncos e folhagens. Gostam de ficar no topo das árvores ou na densa vegetação rasteira onde não é possível visualizá-los. Eu os chamo de lagartixas de penas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Registrado o lindinho, voltamos para a D. Adi e exploramos um pouco as cercanias da pousada. É um lugar incrível. Lá pelas tantas, sentei-me num tronco, só levantando de vez em quando para melhor me posicionar e fazer fotos mais bonitas.

Fiz registros sensacionais de aves também sensacionais e bem difíceis. Aqui sim poderia dizer que estava me sentindo num comedouro. Havia muitos puleiros naturais  Graças ao empenho e conhecimento do meu guia e agora grande amigo Kenny Uéslei, os bichos quase desciam aos nossos pés.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Na sequência abaixo uma fofa choquinha-da-várzea (Myrmotherula assimilis) e uma choquinha-estriada-da-amazônia (Myrmotherula multostriata), que fez desdizer que as choquinhas são difíceis de registrar. Diferentes da sua prima choquinha-de-garganta-amarela (Myrmotherula sclateri), essas brincaram na minha frente enquanto eu as fotografava sentada num tronco (falo de mim sentada num tronco) 🤣🤣🤣

Ainda teve foto do macho de tem-tem-de-dragona-branca (Loriotus luctuosus) e picapauzinho-dourado (Picumnus aurifrons).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Um pouco depois fiz fotos de mais dois marronzinhos: arapaçu-de-bico-comprido (Nasica longirostris) e arapaçu-bico-de-cunha (Glyphorynchus spirurus). E complementaram as aves do dia uma linda ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) e a maria-da-praia (Ochthornis littoralis) que adorava posar para mim.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E ainda vimos borboletas, mas fechamos o dia com "cobras e lagartos". 🦋🐍🦎😅 Não só com fotos, mas falando * cobras e lagartos de pessoas que não gostamos. (*Expressão popular que significa: falar mal de alguém (ou de algo) com muita ênfase). Deve ter tido muita orelha queimando - brincadeirinha. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Voltamos para Porto Velho, arrumei as malas e saímos para confraternizar com os amigos passarinheiros. Coisa gostosa fazer human-lifers

Apesar do cansaço estar pegando, de saber que tinha ainda que viajar a madrugada inteira para chegar em casa, consegui brindar com os amigos. 

São esses momentos que ficam para sempre na nossa memória, o resto, como eu dizia pro Kenny toda hora: "é só passarinho!"

No quadro abaixo Fátima Aline, (esposa do Kenny) eu e Kenny, Michellyne Ayres eu e Carlos Alexandre, Edylene Latocheski, eu e Artur Luiz S. de SouzaGlauko Correa, eu e Anne Karoline, Eu e Erunaiá Lima, uma querida de redes sociais e que dessa vez eu pude conhecer pessoalmente. Eu e Fátima Aline brindando, e uma selfie com todos.


E não podia faltar uma imagem só com as meninas, mostrando a nossa elegância. E depois com os meninos. Todos ficarão para sempre no meu coração. 💚💚💚💚


Fechamos com chave de ouro. Só falta um Avistar Rondônia para passarinharmos todos juntos. Como eu sempre digo no final de uma viagem, parto com o coração partido. 🥰💚🌟🔑💔

08 nov 2023 - domingo


Aí era só chegar em casa, baixar as fotos, postar e depois escrever esse post/livro. Simples né? Só que não é fácil não. Lá se vai um mês e meio cheio de obrigações pessoais para me impedir de terminar tudo rapidinho como eu pretendia. 

Agradecimentos finais


Obrigada Kenny Uéslei por me acompanhar nessa difícil e deliciosa jornada, foram dias incríveis. Não vejo a hora de voltar. Agradecimentos a sua família (na próxima quero conhecer as pequenas).

Só destacando uma coisa aqui, apesar de todos os desencontros que tivemos para compatibilizar as nossas agendas, você foi um guia impecável. Mas melhor que isso, encontrei em você e Fátima Aline dois novos grandes e queridos amigos. E não vamos enrolar mais dois anos para uma próxima. E que a próxima seja um sucesso como essa foi.

Tudo saiu como a gente esperava, um pouco fora do planejamento inicial, mas acho que até isso foi providencial. 

Obrigada a todas as pessoas que mencionei nesse texto por fazerem parte da minha vida em algum momento. 

E obrigada a você que leu esse texto até aqui. Você é muito corajoso! 🤣🤣🤣🤣

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Fecho esse post com um vídeo contendo a música Encontros e Despedidas cantada por Simone e Milton Nascimento (Composição: Fernando Brant / Milton Nascimento).



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