quarta-feira, 19 de julho de 2023

MA – Expedição jacu-estalo

Expedição jacu-estalo - Saiba como foi viver o momento da mais pura emoção passarinheira.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Vou começar esse post com um desabafo, pois sei que muita gente está aguardando que eu conte os mínimos detalhes sobre esses dias no Maranhão. Então leia até o final, por favor. Mas se quiser, ative o play do vídeo abaixo e vá lendo ouvindo uma linda música do Leo Rojas, um dos meus músicos preferidos.

 

Tenho estudado a evolução da observação de aves desde o seu início no Planeta para uso em minhas palestras. Hoje considero essa atividade como uma das grandes chaves para sobrevivência da natureza.

É uma atividade muito atraente para o fomento do turismo e economia de muitas comunidades locais. Ela gera emprego e renda e proporciona um círculo vicioso de ganhos.

É movida pela necessidade do homem de se ausentar da turbulência das grandes cidades e querer se conectar cada vez mais ao mundo natural. Essa necessidade aliada ao desenvolvimento da tecnologia, tem feito a observação de aves crescer exponencialmente.

Os equipamentos que possibilitam observar com maiores detalhes ou realizar capturas de imagens, das mais diversas formas, tais como como binóculos, telescópios, monóculos, câmeras, filmadoras, câmeras trap, drones, gravadores de som, estão cada vez mais avançados e acessíveis para grande parcela da população.

Eventos correlacionados se multiplicam. Tivemos o grande Avistar em maio desse ano, e só eu tenho 3 palestras em 3 Estados diferentes do Brasil no segundo semestre, elevando a busca por "avistar" aves a patamares nunca antes vistos.

Plataformas especializadas não param de ser criadas, incentivando a participação cada vez maior da sociedade em todas as faixas de idade e sexo.

Cada vez mais fotógrafos como eu abandonam algum nicho comercial da fotografia e passam a se dedicar à vida silvestre, principalmente às coloridas e atraentes aves.

Dessa forma acabamos por entrar em um mundo que pouco conhecíamos, mas que vem sendo desbravado aos poucos.

Percebo que nas duas últimas décadas, aqui no Brasil, passamos a interagir cada vez mais com o mundo acadêmico da ornitologia, anteriormente de domínio único de estudiosos da área. Isso vem nos propiciando conhecer parte do ecossistema interligado às aves.

E como tudo que é novo, nem sempre sua essência é bem compreendida por ambos os lados. Muitos dos cientistas não sabem lidar com essa "invasão" e se sentem forçados, tal como algumas aves, a defender seus territórios.

É um grande desafio. Todos sabemos que é preciso estabelecer regras, mas ambos os lados precisam ter empatia para tal. Porém, nem todos sabem ou conseguem fazer isso.

Por sorte, alguns tem mais experiência e conseguem interagir melhor, tornando a curva do aprendizado de ambos os lados um ganho no resultado final. Mas outros, dentro da sua pobreza de espírito, ao invés de ensinar como fazer melhor, optam por bater de frente, criticar, jogar pedra, desfazer do outro. É um desafio enorme para ambos os lados.

Lados? Como assim, não estamos ou devíamos estar todos do mesmo lado, defendendo o nosso cada vez mais empobrecido e judiado meio ambiente? Né?

O ser humano sempre foi e será um bicho complexo, complicado e muito belicoso, que adora criar polêmica e controvérsia. Sua necessidade de dominância, implicância, discordância e outras atitudes que me dão ânsia, é quase um deserto sem fim. Muito pouco produtivo, diga-se de passagem.

Há pessoas que não se importam de generalizar. Como por exemplo, sempre vejo "colegas" descendo a lenha nos fotógrafos de aves, creditando-lhes a má fama de serem destruidores de ambientes, quase insinuando que são potenciais assassinos do meio ambiente e das aves. (nossa, essa eu peguei pesado)

Atribuem comportamentos de forma generalista, como se todos abusassem das formas de atrair aves, cujo único e irrestrito objetivo seria fazer um lifer ou foto espetacular. (lifer = espécie nova).

Chamam-nos de “colecionadores de figurinhas”, seres que sempre abusam de playback, que fazem qualquer coisa pelo desejo de satisfazer o ego e produzir uma boa foto. Só esquecem disso quando nos solicitam fotos para uso em suas teses, trabalhos ou livros. Como um amigo acrescentou durante um bate-papo: "os observadores aceleraram descobertas que o meio científico levaria décadas para tomar conhecimento, tais como espécies em locais onde nunca tinham sido registradas pela ciência."

Concordo que faria e faz todo sentido recomendar e até exigir-se moderação. Porque ser moderado é a tônica da vida. Agora achar que predamos o meio ambiente apenas para coletar mais um lifer, valha-me Nossa Senhora dos Ornitólogos e Passarinheiros Apaixonados, como diria, meu querido amigo Bruno Rennó.

Falando em coletar, esses mesmos críticos esquecem que parte das coletas feitas por cientistas da área, nem sempre bem preparados, muitas aves acabam morrendo ou tem partes amputadas em redes de neblina ou são abatidas sem o mínimo dó por tiros certeiros para serem dissecadas em seus gabinetes ventilados de museus ou laboratórios. Ah! Mas isso é necessário em prol da ciência, diriam eles. Siimmmm, se feito com moderação, né? Viu como é fácil jogar pedra de ambos os lados.

Mas convenhamos, nenhum desses dois lados, acredito eu, quer o mal das aves.

Quem faz mal para as aves são os caçadores, gaioleiros, traficantes, receptadores e compradores de aves silvestres, os desmatadores sem escrúpulos, os que ateiam fogo para destruir, os garimpos ilegais e outros crimes hediondos contra a nossa mãe-natureza, já tão escassa de recursos.

Então penso que, ao invés dos dois lados que tem lá suas contra defesas para potencializar seus ataques, deveriam sim era unir esforços para que a natureza fosse preservada, da melhor forma possível.

Porque a melhor forma possível de preservar a natureza é impossível. Isso só aconteceria com o fim da raça humana, onde não haveria mais gente tocando playback, cortando galhinho, alimentando comedouro e bebedouro para fotógrafos fazerem fotos, não existiriam aplicativos instigando a competição idiota por números de listas ou de lifers, muito menos uso de rede de neblina, espingarda de abate, empalhamento, amputação e dissecação de bichinhos, garimpo ilegal, caça indiscriminada, atropelamento de fauna, incêndio criminoso, pesca abusiva, agrotóxicos extremamente venenosos, destruição dos biomas, desmatamento, poluição desenfreada das nossas fontes de água, redes de esgotos oriundas dos nossos dejetos em vasos sanitários, nem nossa imensa quantidade de lixo dispersado sabe se lá onde, desde que longe das nossas casas e caras. Enfim, sem humanos no Planeta a Natureza não sofreria como hoje sofre.

O mundo seria perfeito sem nós humanos. Às vezes me sinto exausta e farta de ver tanta gente falando bobagem e fazendo muito pouco em prol do nosso mundo natural.

Em tempo, reconheço e até enalteço e admiro o valor das ações necessárias dos cientistas para estudos ornitológicos, inclusive a morte das aves, embora não tenha emocional para testemunhar tal ação. Mas é preciso que fique bem claro que nós, fotógrafos de aves, não somos criminosos e não merecemos que nos chamem de prejudiciais ao meio ambiente e às aves.

Menos né pessoal, por favor. Serviu a carapuça? Então ponha-se a refletir no seu conceito, melhor no seu “pré conceito”, antes de sair vomitando palavras ofensivas a torto e a direito.

Pelo contrário realize algo que faça a sua existência valer a pena, ajude unir a nossa comunidade, faça algo por você e seus semelhantes. Pare de ser carniceiro. Seja proativo. Ilumine-se. Distribua luz e não escuridão. Mais amor e menos agressividade.

Pronto falei.

Agradeço se você leu até aqui e compreendeu o meu desabafo. Sinto-me mais leve para poder contar como foi um dos maiores e incríveis momento da minha vida de fotógrafa e observadora de aves. Não feche agora que o melhor ainda está por vir.

Mas farei isso amanhã pois são 00:01h e preciso dormir.


Meu ano de 2023


Este ano, eu pensei que ia ser mais parado, só que não. Meu primeiro semestre foi agitadíssimo e não tive tempo de postar tudo que gostaria aqui no bloguinho. Mas aos poucos irei postando.

Comecei o ano no Sítio Espinheiro Negro, da querida Jô Bernardes, fazendo um day-use para comemorar o aniversário do amigo Ney Matsumura, onde pude confraternizar com vários amigos.

Depois fiz mais um bate-e-volta até a cidade de Cachoeira de Minas – MG para encontrar-me com os queridos Wagner Loureiro e Luzete Amaral com vistas a registrar uns arapapás.

Em fevereiro passei alguns dias no Rio Grande do Sul e Argentina a convite do amigo Leonildo Piovesan com a participação dos também amigos passarinheiros Fabiano Rosa e Raphael Kurz.

Ainda em fevereiro fui para o Amazonas em mega expedição organizada pelos amigos Vanilce e Luiz Fernando Carvalho, que foi um sucesso total.

Em abril fiz pequenos passeios aqui mesmo em São Paulo com os amigos Gustavo Dallaqua e Luciano Bernardes.

Em maio teve passarinhada pré e pós Avistar com os amigos que se hospedaram aqui em casa. Estive  novamente no Sítio Espinheiro Negro e fui conhecer o Sítio Piraquara do querido Thomaz Kunze.

Em junho tivemos uma grande saída pelágica organizada pelos amigos Patrick Pina e Fábio Barata. Na sequência liderei uma pequena tour muito emocionante para o amigo Leonildo Piovesan, que compreendeu Ilhabela com Fernando Moraes e o Sítio Macuquinho com Elvis Japão.

No meu retorno desse último, a outra mala já estava pronta me aguardando. Foi só ajeitar o equipamento e me preparar para a grande aventura que vou contar nessa postagem. O destino? Maranhão com Luis Morais.

Eu já estive outras vezes no Maranhão, uma delas está contada aqui no bloguinho nesse link. Foi em 2016, com o guia Thiago Rodrigues

Mas dessa vez foi diferente, muito diferente. Atualmente detentora de um número de espécies fotografadas muito alto, só me sobraram aves bastantes difíceis para poder registrar pela primeira vez. Isso só faz aumentar o meu desafio pessoal de estar sempre me superando e cumprindo metas. E tenho que apressar o cumprimento dessas metas antes que o relógio do tempo, sempre implacável, mande o meu corpo ficar quietinho em casa fazendo tricô e crochê. 😅😅😅

Tenho amigos no Pará muito queridos e por eles foi me elogiado um grande ornitólogo maranhense, que já era meu amigo nas redes sociais: Luis de Morais ( @luix_morais - @hileiaexpeditions ) 

Vi pelas redes sociais que ele vinha registrando três das aves que sempre tive muita vontade de ver. Uma delas até então considerada um fantasma, mas que o estudo do comportamento dessa espécie por ele vinha frutificando e permitindo aos pobres mortais avistá-la. 

Às vezes eu conversava com ele pelo whatsapp, porém só trivialidades, mas sempre considerando esse jovem talentoso, fosse na música ou nas artes gráficas. Em setembro de 2022 eu disse a ele que gostaria de ir ver o “lagartão”, no caso esse é o apelido que dei ao jacu-estalo por ele estudado.

Ele me sugeriu, além de ir até Caxias, passarinhar em Açailândia também. Eu e ele tínhamos agendas bem complicadas para o segundo semestre do ano passado. A única data que fechava para os dois, verifiquei que o preço das passagens estava inviável para mim, que sou apenas uma bancária aposentada.

Este ano (2023) em março, voltamos a nos falar e ele me disse que se eu fosse para lá, seria bom eu saber que teríamos uma missão muito difícil. Isso não é novidade para mim. Mas é o que mais gosto de fazer e já estou acostumada: superar obstáculos, seja na minha vida pessoal, seja na observação de aves. 

Em Caxias e entorno, havia apenas a possibilidade de ver o jacu-estalo. Em Açailândia eu teria possibilidades de tentar fazer apenas algumas espécies novas: a tiriba-pérola (Pyrrhura coerulescens), a corujinha-de-belém (Megascops ater) e a cigarrinha-do-norte (Sporophila schistacea).

Também havia a possibilidade de fazer três subsespécies: joão-teneném-preto (Synallaxis rutilans omissa), polícia-do-mato (Granatellus pelzelni paraensis) e o papinho-amarelo (Piprites chloris grisescens). Esses três últimos poderão ser “splitados”, ou seja, podem ganhar o status de espécie plena a qualquer momento - é o que chamo de "future-lifer", nome dado pelo meu querido amigo Guto Carvalho.

Só salientando que Caxias dista de Açailândia 610 km, algo entre 8 a 9 horas de estrada. Resumindo: um dia inteiro rodando sem muito ter o que fazer.

Aí veio o Avistar e eu me concentrei nessa grande festa promovida pelo meu amigo Guto. Nesse ínterim, consegui um encaixe de datas com o Luis e com um amigo que estaria pela região. Eu e Ronaldo Francisco nos acertamos para, juntos com o Luis, tentarmos vencer esse grande desafio. 

Luis enviou um pequeno plano com o que tentaríamos fazer em cada dia. Decidi colocar um dia a mais para o jacu-estalo, considerando o grau de dificuldade e a chance mínima de um encontro produtivo. 

Antes de contar como foi cada dia saiba um pouco mais sobre a ave que deu nome a essa expedição.
 

O jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi) 


Ilustração by Flávio Sousa (Look Birdwatching)
com base na minha foto

O jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi) é uma das 147 espécies de aves que pertence à família Cuculidae. Essa família possui 33 gêneros. O jacu-estalo pertence ao gênero Neomorphus. Este grupo é exclusivo da América do Sul e Central e 4 das 5 espécies listadas ocorrem no Brasil.

O jacu-estalo é conhecido no Brasil também como acanati-de-bico-verde, taiaçuíra, taiaçuguira, aracuã-da-mata, jacu-estalo-de-bico-verde, aracuão, jacu-porco, jacu-queixada, jacu-bagunceiro e jacu-mulambo.

São aves terrestres, solitárias e esquivas, difíceis de observar entre a vegetação. São relativamente grandes, com cerca de 50 cm de comprimento. 

Como as outras espécies do gênero Neomorphus, tem um bico pesado e curvo e uma crista erétil desgrenhada. Sua cauda alongada representa cerca de metade do comprimento total do corpo.

Uma característica distintiva do grupo é uma crista azulada na cabeça. A plumagem é muito variável e colorida, o dorso é verde-azeitona, com reflexos metálicos. A zona da garganta e/ou peito apresenta também um aspecto escamoso.

As asas são curtas, largas e arredondadas. Tem pernas robustas e poderosas com orientação dos dedos dos pés em zigodáctilo, isto é, posicionados dois para a frente e dois para trás.

Apesar de seu grande tamanho e aparência marcante, esta espécie é difícil de observar nos densos sub-bosques das florestas que habita. É extremamente adaptado para um estilo de vida terrestre, usando suas pernas fortes para correr e pular no chão da floresta com uma agilidade impressionante.

Vocalização: pio baixo monossilábico descendente “uu”. Os pios se seguem em intervalos de 3 a 4 segundos durante vários minutos. Inquieto, produz forte estalo ou até matraqueia batendo as mandíbulas, lembrando o bater dos dentes do porco-do-mato.

A maioria dos registros fotográficos e sonoros desta espécie existente na plataforma e-Bird foram feitos na Costa Rica e Panamá, pouquíssimos na Colômbia, Nicaragua, Perú e Equador. Bem poucos foram feitos no Brasil. 

O jacu-estalo possui seis subespécies reconhecidas:

  • Neomorphus geoffroyi geoffroyi (Temminck, 1820) - ocorre nas florestas do leste da Bahia, no Recôncavo Baiano até a divisa com o Espírito Santo;
  • Neomorphus geoffroyi salvini (P. L. Sclater, 1866) - ocorre dos alagados da Nicarágua até a Costa do Oceano Pacifico da Colômbia;
  • Neomorphus geoffroyi aequatorialis (Chapman, 1923) - ocorre da região tropical do sudeste da Colômbia até o leste do Equador e norte do Peru;
  • Neomorphus geoffroyi australis (Carriker, 1936) - ocorre no sul do Peru e no noroeste da Bolívia
  • Neomorphus geoffroyi dulcis (E. Snethlage, 1927) - ocorre no Leste do Brasil no leste do estado de Minas Gerais, no estado do Espírito Santo e no estado do Rio de Janeiro.
  • Neomorphus geoffroyi amazonicus (Pinto, 1964) – ocorre ao sul do rio Amazonas, no leste do Pará, norte de Mato Grosso até o oeste do Maranhão.

(fonte: Wikipedia, Wikiaves e e-Bird)

Algumas curiosidades sobre o jacu-estalo


1 - Ele é um "primo" do famoso Papa-léguas do desenho que passava na TV nos "antigamente". (Road Runner and Coyote) 😁🦊 Na realidade o papa-léguas do desenho é o Geococcyx californianus e habita o sudoeste americano e México.

 

2 - Seu primeiro nome científico Neomorphus  me lembrou dois personagens do filme Matrix: Neo e Morpheus. Aliás, eu diria com certeza que nosso Neomorphus habita realmente uma "Matrix" - realidade simulada por computador, criada por máquinas sencientes (evolução da inteligência artificial) para subjugar a população humana. (link para saber mais sobre o filme aqui). 

A diferença que o nosso "Neo-Morpheus" é realidade, embora faça parte do "mundo dos sonhos" de todos os passarinheiros. Recomendo assistir o filme se você não entendeu o que eu disse aqui.


3 - No Wikiaves, o primeiro registro postado foi feito por câmera trap em 2007 na Bahia. Aqui quero destacar a primeira mulher que teve o privilégio de fotografar ao vivo e a cores esse fantasminha no Brasil: a passarinheira Marcia Tavares, cearense muito querida pelo nosso meio e por mim, embora não a conheça pessoalmente ainda, apenas por falta de oportunidade. Hoje conversando comigo, ela me contou sua experiência e vi que foi muito parecida com a minha, apenas tive um pouco mais de sorte que ela na hora de fazer as fotos.

Bom, chega de enrolar né? Bora contar como foi o dia a dia da "criatura aqui" atrás da "criatura lá".

03 de Julho de 2023 - segunda-feira


Meu voo estava previsto para sair 22:45h de Guarulhos e chegar no meio da madrugada em Teresina no dia 04. Há outros voos e companhias fora desse horário, mas como eu ia usar milhas, esse foi o mais conveniente. 💲💲💲 

Para evitar trânsito, procurei ir cedo para o aeroporto, mas quem diz que estava tranquilo. Começo de férias e todo mundo querendo "fugir" da cidade, aí já viu né. Chegando no aeroporto, fui para o lounge da cia aérea, onde do lado de fora, pela vidraça, havia uma linda lua cheia, prenúncio que vinha coisa boa por aí.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

04 de Julho de 2023 - terça-feira


Alguém descansou? Quase nadinha. Rapidinho eu e o amigo Ronaldo Francisco apanhamos o Luis e seguimos em busca do "lagartão".

Esse dia foi dedicado totalmente a "ele". Fomos em vários pontos, não me lembro se sete ou oito. Ficávamos um determinado tempo em um e quando o resultado era vinte a zero, a gente partia pro próximo.

Não, Patrick Pina, não tinha "tenébrio de chocolate", aliás não tinha tenébrio nenhum, nem milho, painço, rede de neblina, apenas balinha de café no meu bolso, pois a falta de sono estava acabando comigo.

Foi assim: a gente chegava, colocava um blind, sentava num banquinho e sequer respirava, a ordem do "Coronel Morais" era não se mexer por nada, nem o "zoinho". Qualquer estalo por perto eu fazia sinal de interrogação com os olhos e recebia um resposta murmurada: é o vento, é a rendeira, é não! 

O Luis sabe das coisas, conhece cada estalinho que o bicho dá, cada passinho no mato meio seco e fechado e para onde o "sujeito" está se dirigindo. Ele vem estudando o bicho com afinco, para tortura da oposição. 

Playback? Sim, de vez em quando uns estalinhos. Mas os estalinhos mais altos vinham da minha coluna, pescoço, joelhos, que mal estavam se aguentando em pé. 😂😂😂

Arquivo pessoal Luis de Morais

Depois de horas esperando, 💤😴🥶🥵🤢🤮 de vários deslocamentos infrutíferos, de dormir sentada no banquinho, de sonhar com um café ☕️, com uma cama macia, eis que ... 

Arquivo pessoal Luis de Morais

Sim, num dos pontos, "ele" deu sinal de vida. Quando o Luis percebeu, pediu que nós nos levantássemos muito devagar, sem mexer a cabeça ou o corpo e preparássemos as câmeras. Tudo murmurado. Adrenalina total, sono foi parar na estratosfera. O olhar passou a perscrutar a floresta em busca do vulto até enxergar um movimento por trás da brenha. O estalo se intensificou e se misturou às batidas do coração. 

Aí, bom, aí, ... eis que ele sumiu, e nesse dia não o vimos mais, mas pelo menos eu sabia que ele existia, não era produto da Matrix. Eu quase "fotografei" ele.😅😅😅👻👻👻

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Num dos nossos deslocamentos eu só conseguia pensar em algo mais que o Neo. Desejava com toda minha alma um café e meu desejo foi atendido. Acho que degustei dois copos cheios de café. Detalhe: com açúcar, lógico, pois a influência mineira parece ser muito grande na região. Café raramente vem sem açúcar. Fazer o que né? Coffee is coffee! ☕☕☕☕

Arquivo pessoal Luis de Morais

Mas gente, gente, calma, não deu foto nesse dia do "lagartão", mas teve coisa legal pelo caminho, como flores, insetos e uma linda ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

05 de Julho de 2023 - quarta-feira


Já descansada, após uma noite bem dormida, acordei cedão, cheia de gás. Tínhamos mais um dia para tentar ver o "bichão". Tomamos café com calma e lá fomos nós repetir o script do dia anterior com algumas inovações de local.

Num dos pontos, estávamos a postos, naquele conhecido marasmo de sempre, porém sempre antenados, até que a coisa aconteceu. Só lembro do Luis falar pra levantar bem devagar, sem nenhum movimento brusco, sem movimentar a cabeça de um lado para o outro, etc etc etc. Nem lembro quais foram os etecéteras porque eu parecia um zumbi nessa hora. 

Eu fiz isso em câmera mega super hiper lenta. Respiração zero. Aí ele apontou onde o "bicho" estava. Na brenha, no alto de uma árvore, mas dava pra ver - eu vi, eu vi ... woo woo - eu vi e fotografei. 🥳🤘🤟🖖😍😱📷

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Então afastei um pouco pro Ronaldo ficar onde eu estava, porque só de um único buraquinho era possível ver e registrar o "bicho". 🎯

Nisso nosso antenado guia percebeu que era um casal e que um deles estava se deslocando pelo chão, apesar da vontade de gritar de alegria, de pular, de comemorar, me obriguei novamente a me mover em câmera lenta e continuar sem respirar, sem sequer piscar, porque menos de 10 segundos depois um deles pousou num tronco lá no fundão. 

Minha Senhora dos Ornitólogos e Passarinheiros Apaixonados, como diz meu amigo Bruno Rennó. O bicho estava lá, paradinho, no maior estilo idealizado pela querida Daniela Maia, no limpo, na altura dos olhos, sem galhinho na frente. 

E acha que eu tinha emocional pra isso? Olha minhas primeiras fotos, agora imagina minha R7 fazendo 30 fotos erradas de uma única clicada, porque, sim, ela faz 30 fotos por segundo num único apertão e tudo isso silenciosamente.

Meu anjinho da guarda chamado Luis dizia, calma, olha se a câmera tá direitinho, se a foto saiu. Pedi a ele que pegasse o celular no bolso do meu colete e fosse registrando o momento. 

uma das primeiras fotos
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Tem uma galinha empoleirada lá no fundo? Nãoooooo! É só um jacu-estalo...😅😅😅👻👻👻

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares
by Luis de Morais

Já tínhamos clicado o suficiente para dizer que o orgasmo fora múltiplo.🤣🤣🤣🥳🥳🥳 

Luis percebeu que o "bicho" não tinha se assustado com a gente e pediu que eu saísse de trás do blind e fosse caminhando vagarosamente, sem movimentos bruscos, e se possível, sem tirar o olho dele, pra ver qual seria sua reação.

Então eu fui andando, pezinho-ante-pezinho e os dois vieram atrás de mim, agachados. Apesar de concentradíssima, só lembrava do tombo feio que eu levara em Ilhabela alguns dias antes por não olhar o chão ao voltar emocionada e distraída depois de clicar um casal de coruja-preta.

Eu olhava para o "bicho" e ele olhava pra mim. Na minha fantasia de conto de fadas, eu comecei a imaginar que ele era um príncipe encantado e que se apaixonara por mim. Abaixei e me apoiei no tronco que nos separava. Cliquei até doer o dedo, o joelho, os olhos. Não sei quanto tempo isso durou. E então ele acenou com a cabeça, virou-se e foi embora.

Olho no olho
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Momento da partida
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Se deu foto boa? Acho que deu foto de quadro, calendário, livro, camiseta, caneca (aguarde que meu amigo Flávio Sousa, da Look Birdwatching vai produzir peças para venda com minha foto). Deu foto de um jeito que nunca imaginei fazer. 

A única palavra que encontro para descrever o momento que vivi é "surreal"! Absurdamente surreal!

jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi)
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

O sorriso do Luis era de alma lavada, ele sabia que nós tínhamos dado m-u-i-t-a sorte. Então... eu sou pé quente e sortuda pra caramba. Dizem que quem tem sorte no jogo tem azar no amor, ou seria sorte nos passarinhos e azar no amor. Sai pra lá, que azar o que! 😄🐦🐥😍 Quem faz as coisas com amor tem sempre sorte em tudo.

Eu sempre digo que energia boa e sintonizada, limpa toda a inveja, toda impureza, todo sentimento ruim que é direcionado pelas pessoas maléficas, que só sabem cobiçar o sucesso dos outros.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares
by Luis de Morais

Nossa previsão era partir somente no dia seguinte para Açailândia. Mas devido a esse inacreditável acontecimento, decidimos ligar no hotel e pedir para antecipar a nossa chegada, o que fomos prontamente atendidos. Comemoramos com muito café, pois ainda era muito cedo para uma cerveja. E partimos para Açailândia em seguida.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Pera, não vai embora não, ainda tem muita história com emoção. Pra finalizar essa primeira parte vou deixar um vídeo maravilhoso para você se emocionar como eu. 

Acapella cover arrangement of the Lord Of The Rings OST "In Dreams" written and composed by Howard Shore.


Continuando a saga...

Pegamos estrada e fui brincando pelo caminho com a ajuda dos amigos. Além de rolar muitas histórias, fomos parando para fazer pontinhos vermelhos no meu mapinha do Wikiaves (red-ball-lifer).

Em alguns lugares, paramos pra fazer andorinhões, e o Luis ficava falando nas minhas "oreias": Pega! Pega! Pega! E o bicho passando lá no fim do mundo, mais rápido que um fórmula um desgovernado. 

Eu só dizia: ah! para, Luis, eu fico aparvalhada. E ele e Ronaldo ficavam rindo de mim. 😁😁😁😁 Eu não tinha me aparvalhado com um jacu-estalo ia me aparvalhar com andorinhão no céu. 

Para marcar um pontinho valia de um tudo, pardal, urubu, anu, pomba, nada escapou da gente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Em Juriti-pupu, digo, Juriti-cupu, ops, Buriti-pupu, eita! ah! tá: Buriti-cupu (só lembrar de suco de buriti com cupuaçu), 😁😁😁😁 eu fiz uma pombo-pupu, pois não achei uma juriti-pupu, pra brincar com o nome que eu me enroscava toda pra falar kkkkkkk

Mas deu bom, no posto de gasolina que paramos tinha pombos e rolinha-fogo-apagou, e um mato florido com um lindo beija-flor-de-garganta-verde dando mole.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Chegamos em Açailândia no final do dia, deixamos o Luis na casa dele e nos instalamos no hotel, onde apaguei de sono e cansaço.


06 de Julho de 2023 - quinta-feira


Acordamos bem cedo, pois nosso destino estava a quase duas horas de onde estávamos. Tomamos café no caminho. Teríamos um longo dia até escurecer e procurarmos um dos meus principais "targets": a corujinha-de-belém (Megascops ater).

Durante o dia até o começo da noite fizemos fotos de aves super legais. O Ronaldo fez "lifers" até dizer chega. Enquanto a noite não vinha, o Luis tentava achar as preciosas tiribas-pérola (Pyrrhura lepida coerulescens) ou "tiribosas", assim chamadas pelo amigo Marco Cruz.

O Luis havia dito que elas não tinham ponto certo e não atendiam playback. Ora, ora, ora, pra quem conseguiu que eu fotografasse um jacu-estalo, olho no olho, achar uma tiriba ia ser moleza. Só que não. Nem sombra delas. 🦜😆🦜😆🦜😆

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Fomos almoçar na pequena e aconchegante cidade de Cidelândia. Eu estava acabada de tanto andar e dormir menos do que estou acostumada. Então eu disse que ia dormir um pouco no banco da pracinha. E deitei mesmo, aí ganhei colo do Luis, fotinha do Ronaldo e muitos risos pra me animar. Mas não dormi não. Bora que ainda tinha chão.

Arquivo pessoal Ronaldo Francisco

Abaixo na sequência, algumas aves do dia: ararajuba (Guaruba guarouba), saíra-de-papo-preto (Hemithraupis guira), anacã (Deroptyus accipitrinus), chororó-didi (Cercomacroides laeta), poaieiro-da-guiana (Zimmerius acer), rapazinho-estriado-do-leste (Nystalus torridus), rabo-branco-do-maranhão (Phaethornis maranhaoensis), rabo-branco-de-bigodes (Phaethornis superciliosus) e bacurau-rabo-de-seda (Antrostomus sericocaudatus). Este último já nas primeiras horas do anoitecer.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Após o belo bacurau-rabo-de-seda, que apareceu em dupla, ainda andamos um bocado. Às vezes Luis ouvia uma vocalizar da corujinha bem longe. Tentávamos nos aproximar e nada. 

Foi uma saga até ouvir e encontrar a tão esperada corujinha-de-belém (Megascops ater). Deu foto como eu queria, de capa de livro. Foi emoção de chorar. 🦉😢🙃🥰 Olha  aí, Willian Menq, já pode escolher a capa do nosso livro.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E esta vai para a intriga da oposição, que acha que minha vida é só correr atrás de "lifer". Sabem de nada, coitadinhos! Eu passo o dia me divertindo, clicando tudo pelo caminho, até casinha de cigarra (saiba mais aqui), embora tenha quase sentado no chão de tanto rir. Recebi uma aula e tanto sobre isso. Há de se considerar que é um formato bem estranho. (veja a última foto do quadro abaixo) 😁😁😁😁

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E durante a passarinhada é sempre um olho no chão para não tropeçar e outro no céu, literalmente. 🤣🤣🦶🦵👀👣👓

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E lá se foi mais um dia sensacional e super produtivo.

07 de Julho de 2023 - sexta-feira


Nesse dia nosso destino estava mais perto, uma meia hora da cidade, por ser mais tranquilo, eu dormi um pouco mais. Saímos por volta das 6:30h e o dia estava lindíssimo, tanto que não resisti e pedi para parar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Era dia de procurar bambuzais, pois nossa prioridade era encontrar  a cigarrinha-do-norte (Sporophila schistacea). Eu havia tentado ela em outros lugares e nada. Como a nossa sorte e pé quente estavam sempre presentes aliados à competência do Luis, não tinha dúvida que a encontraríamos. E lá fomos nós andar por uns emaranhados sem fim. Era picão-preto e carrapicho "garrando" por tudo quanto é lado. Que sufoco. 😳🤬😖
 
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Já cansada de olhar os emaranhados de bambus frutificando e nada, seguimos para outro ponto. Eis que o Luis pede para o Ronaldo parar carro. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Dois indivíduos se alimentavam neste bambu ao lado da estradinha. Foi assim que fiz a espécie que eu tanto tinha tentado no Pará sem sucesso. E a bichinha ainda me olhou com curiosidade, tipo: "ei, quem é você? Num vem roubar meu café da manhã não." - Calma, cigarrinha, só quero te registrar pro meu livro de Caboclinhos. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Quando fiz o meu primeiro fotolivro sobre o tema, em 2015, faltavam 11 dos 32 Sporophila que temos na nossa lista CBRO 2021. Hoje falta apenas um para eu poder reeditar meu livro: o caboclinho-do-pantanal (Sporophila iberaensis), que infelizmente não dei sorte com ele ainda.


Ficamos tão felizes pelo sucesso da empreitada, que servi de modelo para fotos com cone de casca de bambu.

Arquivo pessoal Ronaldo Francisco

Arquivo pessoal Ronaldo Francisco

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Já esgotadíssima de tanto cansaço, eu pedi para ficar no hotel depois do almoço, onde obviamente dormi a tarde toda. Preferi deixar os meninos irem "caçar" passarinho sozinhos. Mas acredita que os dois foram para o parquinho. Eu tenho a prova. Olha aí embaixo a foto. Crianças, bagh!!!! 😂😂😂

Arquivo pessoal Ronaldo Francisco

Eles retornaram e, conforme tínhamos combinado, desci para jantar no restaurante do hotel, onde o simpático garçom Arthur fez essa foto a meu pedido. A gente estava comemorando três dos meus quatro lifers possíveis e uns num sei quantos do Ronaldo, pois nessas alturas eu já tinha perdido as contas de quantas novas espécies ele tinha feito.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

08 de Julho de 2023 - sábado


Mais um dia de ida para os lados de Cidelândia. Para isso o despertador berrou às 4:15 da manhã. Vida de passarinheiro é maravilhosa, mas nem um pouco fácil. A gente, com vistas a não perder tempo parando para o café, pois de acordo com o Luis as "tiribosas" davam mais mole nas primeiras horas do amanhecer, providenciamos coisas para fazer o nosso café no mato.

Por volta das 6 horas a gente fez a paradinha pro café. Abençoada paradinha. Luis tinha feito um delicioso café e eu me empanturrei com minha bebida favorita.


Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Arquivo pessoal Luis de Morais

Mal o dia clareou, às 6:30h, Ronaldo já estava fazendo um lifer enquanto eu aguardava ver as "tiribosas", sempre olhando o tempo todo para o céu.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Aliás esse dia teve sacanagem. - (meu conceito de sacanagem: todo bom negócio do qual você não participa) - Eu caminhava sempre um pouco distante dos meninos, de repente eles, lá na frente gritaram: tiriba, tiriba, tiriba. Eu olho para eles e Ronaldo olhava para cima e clicava adoidado, com Luis apontando um lugar. 

Quando chego perto, toda esbaforida e pergunto: onde, onde, onde? Foi gargalhada geral, eles estavam me "zuando". Eu, quase enfartada, faltei bater nos dois. Só me faltou forças para isso.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Passado um tempo, no meio da tarde o Luis deu um alarme sobre as tiribas passarem voando, eu nem olhei pois achei que era brincadeira de novo. E não era. A sorte dele é que elas passaram tão rápido que ele mal as viu. E sumiram da nossa vista, me desacorçoando de vez. 

Eu disse assim: - "ói, mininus", num brinca com essas coisas assim não. Se eu tivesse perdido a chance de fotografar elas por culpa de vocês ficarem inventando história, os dois iam parar na black-list e nem se ajoelhassem, iam sair dela.

Para compensar, o Luis me ajudou a melhorar minha foto do aracuã-de-sobrancelhas (Ortalis superciliaris). Mas não sem antes sofrer um pouquinho. 

Foi assim: olhem lá na lantana, tem um aracuã. E quando o guia falar ali na lantana, não olha pra embaúba como eu fiz. Mas o que é lantana mesmo? Ah! tá, aquela florzinha fofa que beija-flor adora. 🌸🌴🎋🦖😅

E aí o bicho voou, cortando a estrada numa velocidade supersônica, primeiro um, depois o outro, e mais outro e nada de eu conseguir a foto, só dava borrão. Mas depois consegui "uminha" muito melhor da que eu fiz em 2016. Veja no quadro abaixo.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E as "tiribosas"? Nada! Roda, roda e nada! Mas teve bichinho bem legal de se registrar. Um deles foi o o joão-teneném-preto (Synallaxis rutilans omissa), no e-Bird está como ruddy spinetail (Sooty) - Synallaxis rutilans omissa e no Wikiaves ainda como joão-teneném-castanho

É um trenzinho enjoado, daqueles bem difícil de registrar. Como todo synallaxis, este também tinha pacto com o demo. 😂😈😂😈😂😈.

Já há trabalho aprovado e é espécie plena, mas ainda não foi publicado pelo CBRO, por isso ainda não está no Wikiaves como Synallaxis omissa, conforme o Luis informou. Como eu brinco, cá está um "future-lifer" garantido.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Mas nem na hora do almoço faltou passarinho, e esse era "lifer", tô até agora tentando entender que bicho era esse. Nem o Merlin teve sugestão para ele. Talvez uma mula-sem-cabeça, ou melhor, um passarim-sem-cabeça 😂🤣😂🤣

Arquivo pessoal de Luis de Morais e Silvia Faustino Linhares

O dia foi bem legal, deu foto muito bonita, inclusive da maria-bonita (Taeniotriccus andrei). Destaque ainda para choquinha-de-garganta-clara (Isleria hauxwelli), cauré (Falco rufigularis) e japuguaçu (Psarocolius bifasciatus). Teve muito mais, mas estavam muito longe para um boa foto.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

E assim terminou o nosso dia, mais um sem as "tiribosas", leia-se tiriba-pérola (Pyrrhura lepida coerulescens) ou simplesmente (Pyrrhura coerulescens).

09 de Julho de 2023 - domingo


Voltamos ao local das tiribas. Era no nosso último dia em Açailândia. Fizemos o mesmo esquema do dia anterior, café no mato. E longas caminhadas vasculhando os céus e todos os locais onde poderíamos achá-las. 

Iniciamos o dia com belos rapinantes: urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) e um acauã (Herpetotheres cachinnans).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Teve muita ave colorida, muitas flores e insetos bonitinhos, mas a gente queria mesmo era a jóia preciosa que faltava: a pérola.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Teve até mais um future-lifer, um fofo papinho-amarelo (Piprites chloris grisescens) se mostrou num buraquinho. Ele sabe ser bonitinho e fazer pose.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ronaldo nessas alturas estava meio triste por mim, ele com mais de 30 lifers, e eu com apenas 3 dos 4 que viera buscar. Porém nenhum dos três desistiu. Era nossa última tentativa. 

E, de repente, a cena do dia anterior se repete. Ronaldo dá o alarme já clicando enquanto grita: tiriba, tiriba, tiriba. Ele viu quando elas pousaram na frente dele, enquanto eu e Luis tínhamos nossa atenção voltada para o outro lado.

Eu sabia que não era "zueira" dessa vez. E o desespero era tanto, que eu fiquei onde, onde, onde? - Ali, ali, ali, Ronaldo dizia. Naquele galho de embaúba. E a "metralhadora" dele disparando!  

E eu mirei e cliquei o tal galho da embaúba e repetia: não tô vendo, não tô vendo. - O primeiro galho da esquerda. Sim, eu estou nele, mas não vejo nada. Obviamente que não via, pois procurava algo camuflado no meio das folhas, nunca no limpo onde elas estavam.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Ronaldo e Luis se achegaram do meu lado e me mostraram as duas com calma. Aí vi e cliquei sem nem ver a configuração da câmera. E as bichinhas voaram. Mas o registro estava feito. Ficamos emocionadíssimos. Ronaldo não acreditava. Fora ele o agraciado com a chegada delas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Finalmente eu havia conseguido a desejada e difícil tiriba-pérola (mais difícil que jacu-estalo 🤣🤣🤣🤣). Abaixo com colar colocado por mim, via "fotoxópis" para comemorar a façanha um pouco.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

A gente não se cansava do assunto nem de relembrar o momento. Realmente inesquecível. 🥰🤜🤛

Aquela foi a embaúba.
Arquivo pessoal Ronaldo Francisco e Silvia Faustino Linhares

Eu precisei até sentar para me acalmar. Parecia criança que acabou de ganhar presente de natal.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Felizes que nem pinto no lixo, fechamos a expedição com chave de ouro? Nãoooooo. Fechamos com chave de pérola. Uai, é preciosa do mesmo jeito.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Tive que esperar dar 10 horas para poder comemorar com uma cervejinha. Reza "a lenda" que não se pode beber cerveja antes das 10 da manhã, principalmente na floresta, né Vanilce Carvalho?

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

Depois ainda passarinhamos um pouco e voltamos para o hotel arrumar as tralhas e à noite saímos para uma comemoração de despedida. Sem combinar nada, os três se vestiram de preto. Tudo roqueiro raiz? 

Fui pesquisar sobre a cor preta. "O preto é a cor mais poderosa e neutra. Tende a ser associada à elegância e força. Essa cor transmite a sensação de mistério, além de ser relacionada ao medo, curiosidade e, algumas vezes, memória emocional. O preto representa a energia de calmaria, pronta para expandir a qualquer momento. Ele passa uma sensação de pessoas discretas, sérias e poderosas."

E era assim que a gente se sentia: poderosos!

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares

As metas foram atingidas e os desafios superados. Poderia ter sido diferente? Sim. Mas seria ruim? Nãooooooo.

A alegria e sinergia do grupo já teria valido a pena. Poder dividir essa alegria com um amigo como Ronaldo que me foi apresentado por um super querido amigo baiano, o mestre Luis Trinchão, não tem preço. Ter conhecido o Luis pessoalmente e comprovado que dividimos o apreço e o carinho pelas aves, pelos estudos, pelo mundo natural, o gosto pelas artes, pela música, por dar boas risadas das coisas da vida, já fez valer a viagem.

Além disso, ter conhecido pessoas bacanas pelo caminho, como funcionários dos hotéis que ficamos, donos ou funcionários de restaurantes onde nos alimentamos, a dona da padaria que fez um café especial para mim sem açúcar quando me ouviu contar porque não tomava café com açúcar, ou a avó do Luis que todos os dias nos esperava no portão só fez somar às alegrias dessa expedição.

E isso sem contar todos os amigos pelo Brasil afora torcendo por mim, vibrando com cada postagem que a gente fazia contando um pouco dessa história.

Jamais vou conseguir palavras suficientes que bastem para fechar essa postagem como ela merece.

Realmente não tem preço. É vida. É o espetáculo da vida. A celebração da vida, e falando nisso, quero terminar esse post com uma música fantástica, de um dos maiores talentos que já habitou esse planeta.

É uma das músicas mais conhecidas de todos os tempos, We Are The Champions da banda britânica Queen, também é uma música sobre superação. Inspirada no universo dos esportes, a música fala sobre vitória compartilhada, sobre triunfo e celebração.

É um hino que deve nos unir nas vitórias e nas derrotas; uma celebração da vida e uma afirmação do nosso ser, que nos diz que até nos momentos mais difíceis podemos sair vitoriosos.


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27 comentários:

  1. Silvia, seu relato me levou a reviver cada momento! Foi incrível! De todas as espécies buscadas eu queria mesmo era o "lagartão", como você apelidou o famigerado jacu-estalo. Nunca vi um bicho tão esquivo ficar tão tranquilo com nosso presença. Ele parecia interagir conosco. Foi, como você bem expressou, surreal! Momento pra não se esquecer jamais. Luis usou de todo seu conhecimento para nos brindar com essa façanha. Ele mesmo estava incrédulo. Vá Luis, conclua seu mestrado, faça seu doutorado, pois capacidade e garra não lhe faltam. Obrigado por nos propiciar essa experiência ímpar. Parabéns Silvia por suas conquistas e por incentivar tantos passarinheiros pelo mundo afora.

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    1. Foi um prazer enorme contar com seu companheirismo. Mais que um irmão, um grande e querido amigo. Foi muito ... nossa... sem palavras aqui.

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  2. Já iniciei a leitura sabendo que seria mais uma aventura bv Silvia, que sempre nos transmite as emoções de forma incrível, mais uma vez, parabéns Silvia pelo maravilhoso relato !!!!!!!!!

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    1. Obrigada meu querido, faltou dizer que você é padrinho dessa passarinhada, pois me fez confiar nos trabalhos do Luis, que agora é como um filho para mim. E Ronaldo já se candidatou a ser sogro dele kkkkkkkkkkkkk

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  3. Rodrigo Agostinho. Silvia..... uma delícia ler toda essa saga. Parabéns pelos encontros mágicos com nossa biodiversidade. Saudades. Abração.

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    1. Querido Rodrigo, sei que vocês sabem exatamente como foi essa emoção. Saudades também. Bora combinar uma expedição. Sei que sua agenda é complicada, mas a gente ajeita.

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  4. Como não se emocionar com um relato desses. Infelizmente, ainda não consigo vivência tudo isso tão de perto, mas só em sentir toda essa mistura de sentimentos aqui no seu artigo, Silvinha. Já me deixam mega feliz. Parece que estou lá do seu lado sentindo tudo isso na pele. Obrigada por compartilhar esse momento fantástico. Você sabe o que penso sobre o desabafo. Estamos num apreendizado constante. Sempre existiram pessoas para falar mal ou generalizar as coisas! Isso é fato! O importante é seguimos fazendo o nosso melhor. E parabéns pelo lagartão!! Quero um dia vê-lo correndo/voando pela mata feito um foguete rsrs.
    Fran

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    1. Pois é minha querida Fran, tudo o que fazemos com amor, com amor volta. Mas a gente segue feliz por ser feliz e ter gente como você ao redor. Feliz dia do Amigo. Grande beijo no seu coração.

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  5. Parabéns por mais um belo relato, além de um muito consistente desabafo.

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  6. Parabéns Sílvia! Um sincero desabafo e um belíssimo relato de uma maravilhosa expedição com lifer super especiais! Abs. Paulo M Silveira

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  7. Parabéns Silvia! A gente não consegue parar de ler enquanto não chega ao final. Sensacional. Você há muito é inspiração para mim e com certeza para um sem
    número de mulheres. Obrigada. Abraço. Maria Marta.

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    1. Obrigada Maria Marta. Não imagina como fico feliz com seu feedback. É muito bom inspirar pessoas.

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  8. Primeiramente parabéns pelos fantásticos registros feitos e seu relato sempre rico e impressionante da expedição. Penso que em algum momento, tudo que você relata no blog, poderia muito bem ser publicado em formato de um livro, certamente é uma obra que não temos no Brasil e seria uma forma de preservar toda essa experiência para as futuras gerações. Sobre o seu desabafo acredito que o conhecimento é sempre uma faca de dois gumes: pode abrir horizontes mas também gerar arrogância para quem se sente "superior" aos demais. Certamente, medindo prós e contras, os observadores ajudam a preservar as aves, e o meio ambiente como um todo, muito mais do que poderiam prejudicar; ainda alavancam o conhecimento científico, economias locais e etc. Não enxergar isso é agir com má fé e prepotência.

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    1. Obrigada Renato, seu comentário é muito producente. Espero que esse nosso apelo alcance muitas pessoas do nosso meio. Saudações.

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  9. Maravilha de relato! Obrigado por compartilhar conosco sua experiência em detalhes.

    Guilherme Serpa

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  10. "Quem faz mal para as aves são os caçadores, gaioleiros, traficantes, receptadores e compradores de aves silvestres, os desmatadores sem escrúpulos, os que ateiam fogo para destruir, os garimpos ilegais e outros crimes hediondos contra a nossa mãe-natureza, já tão escassa de recursos."
    Concordo 100%.

    "Isso (melhor forma possível de preservar a natureza) só aconteceria com o fim da raça humana,.."
    Pertinente.

    "Mais amor e menos agressividade."
    Apoiada!

    "Agradeço se você leu até aqui e compreendeu o meu desabafo."
    Disponha! É sempre um enorme prazer ler e reler várias vezes o que você escreve.
    Seria ótimo se os outros 99 do top 100 escrevessem pelo menos 5% do que você escreve compartilhando
    dicas.

    "...fazendo tricô e crochê."
    Rolei no chão de tanto rir.

    "O estalo se intensificou e se misturou às batidas do coração. "
    "...eis que ele sumiu"
    Silvia, a minha taquicardia acelerou só de ler isso...
    Isto é pior do que tomar uma ducha de água fria. Risos...

    " fosse caminhando vagarosamente, sem movimentos bruscos, e se possível, sem tirar o olho dele"
    Tenho uma experiência parecida com mamíferos no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, se eu baixar o olho o bicho cai fora.

    "Eu olhava para o "bicho" e ele olhava pra mim."
    Fui obrigado e ler essa frase umas dez vezes. Sensacional! Adrenalina nas alturas.

    "E o bicho (andorinhão) passando lá no fim do mundo, mais rápido que um fórmula um desgovernado. "
    Risos...

    Parabéns mais uma vez por esse incrível relato. Sou fã incondicional seu e do Luis Morais.
    Abraços capixabas de Hilton Monteiro Cristovão, Vitória-ES

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  11. Que legal, Silvia! Amei seu relato tão rico em detalhes! Obrigada por nos inspirar!
    Um cheiro!

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  12. Que massa seu relato, Silvia! Tão divertido e detalhado! Parabéns por aumentar sua lista de lifers e muito obrigada por nos inspirar! Um cheiro!

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  13. Uma super leitura, simplesmente sensacional.
    Muito feliz pela sua super viagem, e feliz pelo desabafo que com toda certeza serviu para todos nós que amamos as aves nos atentarmos em nos unir em prol delas.
    Muito Obrigado por compartilhar.

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    1. Obrigada meu querido amigo. Assim que tiver um tempo disponível vou relatar essa nossa Expedição. Inspiração não falta.

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