terça-feira, 11 de outubro de 2022

MT - Expedição Paçoquinha da Sorte

Você deve estar se perguntando, cadê os posts das últimas viagens antes dessa... calma, não deu tempo de terminar ainda. Tem vários começados, uma hora consigo concluir e postar tudinho. 😁💚🍀😁💚🍀

Mas a minha última expedição, tão especial quanto as anteriores, merece ser postada já, pois ela foi um marco na minha vida. Aconteceu de uma forma muito inusitada, diferente de tudo o que estou acostumada. 

cardeal-do-xingu (Paroaria xinguensis) 
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Tempos atrás eu e amigo Vitor Piacentini conversamos sobre expedições científicas, das quais eu poderia participar como fotógrafa. Falamos sobre captura e coleta de aves para estudos e eu disse que não me sentia confortável em presenciar uma. 

E já explico o porque disso. Durante o festival de São Francisco Xavier em maio desse ano, eu criei coragem para falar sobre um acontecimento da minha infância, onde um pardalzinho foi crucial para moldar um pouco do meu jeito de ser, pensar e ver as coisas.

 Apesar de ser uma fortaleza para certas coisas, para outras sou manteiga derretida purinha. Veja abaixo algumas das telas da minha apresentação.

Print tela apresentação - arquivo pessoal

Print tela apresentação - arquivo pessoal

Print tela apresentação - arquivo pessoal

Esse acontecimento sempre me fez acreditar que eu não tinha emocional para participar de um trabalho que envolvesse a coleta de aves, mesmo que isso implicasse em trazer conhecimento para a Ciência Ornitológica, da qual sou grande beneficiária, uma vez que fotografo aves compulsivamente.

Mas na vida nada acontece sem um porquê e nossos traumas de infância estão nas nossas mãos para serem superados.

Vitor assistiu a minha apresentação naquele dia e entendeu um pouco mais da Silvia que ele pouco conhecia. Então veio com uma nova proposta. Dessa vez uma expedição para colaborar com as pesquisas e estudos de uma mestranda sua. Ele explicou que haveria trabalho com uso de rede, captura, entre outras ações necessárias. A decisão de participar ou não estava nas minhas mãos.

Já falei sobre uma conversa que tive com o Vitor em outro post. Vou repetir um trecho aqui e deixar o link caso se interesse em ler. Se o fizer, vá direto ao subtítulo A nova lista das espécies do Brasil.

"...Perguntei, feito criança, um porquê atrás do outro, queria saber porque não, porque sim, enfim, como funciona. Em suma, ele me resumiu que o pesquisador para conseguir material, tem que ir a campo, fazer viagem, repetir em outros locais, buscar novas populações, conseguir dinheiro para sequenciamento genético, etc. E muitas vezes é preciso viajar para museus no exterior com vistas a comparar o material já disponível.

Tudo isso? Pensou que era simples ganhar um lifer?

Muitas vezes os cientistas têm que ficar uma semana ou duas no campo, pois nem sempre encontram a ave. Ou encontram, mas não conseguem gravação da voz que precisavam. Além disso, às vezes é necessário repetir o campo em outras estações do ano. Ou conseguem gravar, mas não conseguem coletar. Daí tem que renovar as licenças todas, ir atrás de liberar autorizações, tentar conseguir mais dinheiro pra repetir o campo, tomar paulada nas redes sociais por tentar fazer trabalhos robustos que envolvem coleta. Às vezes o museu recebe material na coleção, mas não tem taxidermista e aí é preciso contratar alguém de fora. Na maior parte das vezes esses estudos ou parte deles são custeados pela "Fundação Meu Próprio Bolso de Apoio à Ciência" (referência ao bolso do próprio cientista ou seu orientador), especialmente num país que não valoriza a Ciência."

Lembrando dessa nossa conversa, estava aí a oportunidade para conhecer de perto como são realizados essas pesquisas, ajudar um estudante e tentar superar meu trauma infantil. 

Em suma, foram esses os motivos do porque eu resolvi participar dessa Expedição: gostar de ajudar pessoas, de explorar novos lugares, de viajar e da possibilidade de poder incluir uma nova espécie de ave na minha Bird Life List *.

*Uma Bird life list" ou "lista de vida de observação de aves" é uma lista de todas as aves que um observador já registrou. Muitos observadores são extremamente dedicados e buscam alocar tempo e recursos apenas para manter sua lista em constante crescimento. Veja mais ->> aqui.

Enfim, era pegar ou largar.

Vitor tem uma sensibilidade enorme, o que me ajudou a enfrentar "essa provação" sem maiores sofrimentos ou constrangimentos. Em contrapartida pude conhecer e ajudar sua mestranda e um aluno de graduação a ampliarem seus conhecimentos e trazerem novos conhecimentos para nós, observadores de aves. 

E nesse processo todo, minha amizade e admiração pelo Vitor, doravante chamado de Vitinho, só aumentou e ainda ganhei mais dois novos amigos do coração, Jaiane Oliveira e Davi Teixeira Campos Pereira.

A Expedição Paçoquinha da Sorte

A Expedição Paçoquinha da Sorte seria minha primeira expedição de cunho científico e eu fiquei bastante ansiosa e empolgada. A princípio iríamos eu, Vitinho, Jaiane e a Jeanne Martins, minha amiga e irmã de coração. Eu só pensava: "ai minha nossa, dois nomes tão parecidos, vou acabar enrolando minha língua, dando um nó no meu cérebro". 😆😆😆

Próximo a nossa ida, a Jeanne avisou estar impossibilitada de nos acompanhar. Ela nos ofereceu pernoite no seu sítio com vistas a facilitar a ida até nosso destino.

No início, nossa expedição recebeu o nome da ave, chave dos nossos interesses: Cardeal-do-xingu, espécie integrante da lista CBRO 2021, pouco conhecida e estudada, pouco avistada e fotografada. A Jaiane ansiava ampliar os estudos existentes sobre essa espécie da mesma forma como eu desejava registrá-la com minha câmera.

Essa espécie pode ser encontrada no leste do Mato Grosso, mais precisamente no rio Culuene (ou Kuluene) em Gaúcha do Norte e Canarana.

Nosso trajeto, feito com os pontos de gps no Google Maps

O rio Culuene é o mais importante e caudaloso afluente do Rio Xingu, que é um dos principais rios da bacia amazônica. 

Tem mais de 600 km de extensão, recolhe as águas do lado noroeste da Serra do Roncador e possui muitos afluentes, como os rios Auita, Culiseu, Tanguro, Conto de Magalhães e Sete de Setembro. Suas nascentes estão a 600m de altitude, na região denominada Alto Xingu. 

O Culuene é um rio muito procurado para pesca esportiva. As belezas naturais da região também impressionam. É uma das poucas preservadas no Mato Grosso e possui fauna e flora riquíssimas. 

Ele divide os municípios de Gaúcha do Norte e Canarana. A pousada onde nos hospedamos fica em Gaúcha do Norte, mas é só atravessar o rio e você já está em Canarana. 


23/09/2022 - sexta-feira

Saí de São Paulo com um frio de 14 graus e um frio maior ainda na barriga. Cheguei em Cuiabá com um calor de 30 graus. Vitinho me pegou no aeroporto e seguimos lanchar. Depois fomos buscar seus alunos na faculdade. Lá chegando, ele me mostrou um pouco do laboratório onde trabalha. Em seguida fomos para a Chapada dos Guimarães, onde Jeanne e Mario Friedlander nos receberam com o carinho de sempre.

Vitor testemunhou minha saída da aeronave e fez e foto abaixo - a seta fui eu quem colocou para mostrar a minha "pessoinha" ali embaixo.

Arquivo pessoal Vitor Piacentini

Abaixo eu e Vitor lanchando rapidamente, depois subindo para a Chapada dos Guimarães com os meninos e logo após, jantando na casa da Jeanne e do Mario.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©


24/09/2022 - sábado

Acordamos cedo, tomamos café, demos umas voltinhas no quintal, nos despedimos e pegamos estrada. 

Eu, Jeanne, Vitor, Davi e Jaiane
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

No caminho fui fazendo pequenas paradinhas para  clicar uma ave em cada município, aumentando assim as famosas bolinhas vermelhas do mapinha do Wikiavesas quais chamo de Red-Ball-Lifers. Ao todo foram 8 novos pontinhos. Como você pode ver, no lado leste do MT antes não havia nada até essa expedição. 🔴🐥🔴🐥🔴

Sem contar que fiz muitos City-lifers (espécie nova para um município). Para Gaúcha do Norte foram 35 novas espécies fotografadas e 2 sons, sendo que o Vitor fez também um som, o mais importante de todos, o do cardeal-do-xingu. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

No começo do nosso percurso havia pouca ou nenhuma mata ao redor da estrada, as fotos ficaram todas "cor de palha" e as aves pareciam ter aberto mão do colorido para combinar com a paisagem. Como a natureza é sábia, acredito que é uma forma de se proteger dos predadores, uma vez que sem mata ficam muito expostas.

A seguir alguns destaques das belas aves que registrei pelo caminho até Gaúcha do Norte: a pernalta ema (Rhea americana) em Campo Verde, fofíssimos filhotes de coruja-buraqueira (Athene cunicularia) em Primavera do Leste, a bela curicaca (Theristicus caudatus) em Água Boa e uma elegante seriema (Cariama cristata) em Canarana.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Os meninos Davi e Jaiane foram no banco de trás, abarrotados de equipamentos, todos necessários aos estudos que a nossa equipe iria precisar (sim, eu me sinto parte dessa pequena grande equipe que partiu para o nordeste mato-grossense estudar o cardeal-do-xingu).

Como eu disse, batizamos a Expedição de Cardeal-do-xingu. Depois ela foi alterada para Expedição Paçoquinha da Sorte. Continue lendo em breve você irá saber o porquê.

Parte do trajeto escolhido pelo Vitor era por estrada não asfaltada, o que foi bem legal, pois nos permitiu ver muitas aves pelo caminho.

Fizemos uma paradinha para almoço na cidade de Paranatinga e depois seguimos em frente, cheios de ansiedade e expectativas. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Nós iríamos nos hospedar na Pousada Alto Xingu, de propriedade do sr. Lídio Coletto, que fica um pouco mais de 8 horas de carro partindo de Cuiabá.

Finalmente chegamos, depois de passar bastante tempo rodando por estradas poeirentas e esburacadas, embora preciso dar um desconto para o motorista, por que parte das paradas que fizemos foi por conta dos meus pedidos para fazer as "red-ball-lifer". 😁🔴😁🔴😁🔴

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Fomos muito bem recebidos pela gerente Celia e pelo seu Lídio. Ela estava lotada de pescadores, vindo de todos os cantos do Brasil. Ressalte-se a preocupação do Sr. Lídio e família e o trabalho em reflorestar e manter a vegetação existente. Ele usa painéis solares, que não aparecem na foto, que deve ser mais antiga. Sugeri a ele encher os gramados de plantas com flores que atraem beija-flores.

Foto aérea da Pousada
Arquivo do site da Pousada

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Logo que colocamos nossas coisas nos confortáveis quartos, tamanha a expectativa que nos assolava, descemos para o píer em busca de aves, mas não qualquer ave. A gente queria ver quem? quem? quem? O "xinguensis", óbvio né?

Fiz uma lista de aves bem legal (veja link ao final dessa postagem). Um casal de cardeal-do-xingu (Paroaria xinguensis) deu as caras rapidamente, longe, na brenha, quase sem luz e aí não consegui nenhuma foto. A Jaiane ficou empolgadíssima. E eu então!!! Quase pulei de ponta na água atrás deles.

Destaque para a variedade de aves no "quintal" da Pousada: ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda), caburé (Glaucidium brasilianum), choca-d'água (Sakesphorus luctuosus), choró-boi (Taraba major), ferreirinho-estriado (Todirostrum maculatum), um casal de mutum-de-penacho (Crax fasciolata). Uma saracura-três-potes (Aramides cajaneus), se sentindo a bailarina do pedaço, fazia "plié" no deck.

Havia também um bando alegre e barulhento de tiribas-do-madeira (Pyrrhura pallescens), porém não mais alegres do que eu naquele momento.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E assim terminou o primeiro dia da nossa expedição

Listas e-Bird - veja todas ao final.

25/09/2022 - domingo

Acordamos cedo, tomamos café e partimos para a beira do rio. Sobre o píer havia muitos utensílios e lixo recolhidos dos barcos de pesca do dia anterior, dificultando nossa movimentação. 

Observamos o que havia ao redor e quais aves estavam por perto naquele momento. A Jaiane, de binóculos, lápis e papel na mão, ia fazendo anotações para o seu trabalho e eu fotografando tudo que era apontado pelo Vitor e Davi.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Fizemos uma boa listinha, lógico muita coisa não fotografei, mas todas as aves eram listadas pelos companheiros. 

Destaque para a ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) se alimentando, dois quero-queros (Vanellus chilensis) pousando escandalosamente do outro lado do rio, um simpático casal de solta-asa (Hypocnemoides maculicauda) e um esfomeado jovem socó-boi (Tigrisoma lineatum) atrás de petiscos dentro dos barcos. Mas nada do cardeal.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Ganhamos até companhia extra nesse dia, uma pequena amiguinha, toda faceira e curiosa com o nosso trabalho e equipamentos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Assim que os pescadores começaram a descer, aumentando o tráfego e o barulho no ancoradouro, nós seguimos nosso plano de exploração, indo caminhar até um lago formado pelo rio, perto da pista de pouso. O Vitor e o Davi iam abrindo o caminho indicado pelo seu Lídio com facões, uma vez que a mata recebe pouco movimento e com isso havia se fechado.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Foram quase 6km de ida e volta, cansativos e bastante calorentos. Havia poucas aves fotografáveis, a luz forte mal deixava eu vê-las. Mas mesmo assim consegui fazer muita coisa legal, inclusive alguns primeiros registros para o município como o casal enamorado de periquito-santo-de-bico-escuro (Forpus sclateri), uma imponente curica (Amazona amazonica), cujo parceiro estava no galho mais abaixo e não se dignou a sair na foto, um solitário maçarico-solitário (Tringa solitaria) 😄 e um bicudo tucanuçu (Ramphastos toco). 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Destaque para o jaó (Crypturellus undulatus), embora não tenha dado foto legal como na casa da Jeanne, o Davi ficou muito feliz, pois era o sonho dele ver esse emblemático tinamídeo. 

A bela freirinha (Arundinicola leucocephala) fez muito charme para minha lente, o catatau (Campylorhynchus turdinus) não se cansava de "cantatar", anunciando sua presença com seu canto alto e repetitivo. O anu-preto (Crotophaga ani) disse pra mim (telepaticamente): sai pra lá Silvia, não quero que ninguém me veja no meio dessas florzinhas. Mas, olha, quase deu quadro.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Ainda foram destaques do dia o bentevizinho-do-brejo (Philohydor lictor) com seu piozinho esgarniçado, o arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris), a sempre escandalosa curicaca (Theristicus caudatus) e o discreto e calado chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Nessa trilha tomei uma bela picada de vespa amarela no dedinho da mão direita. Doeu demais da conta. Inchou e ficou dolorido por dias. Mas valeu a ida e conhecer um pouco dos arredores da fazenda / pousada, cuja vegetação vem sendo mantida e/ou recuperada pelo seu Lídio ao longo dos anos.

Retornamos à sede e enquanto os meninos se ajeitavam para almoçar, eu e Jaiane demos um pulo no píer para ver se tinha algum cardeal dando sopa por lá. Aproveitei pra tomar uma geladinha e dar uma relaxada. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E de repente fiz um clique de algo branquinho na vegetação, o que me fez pensar que era um cardeal. Mas ele sumiu logo e não deu para conferir. Só fui ver direitinho depois. 

Era sim, embora a aparição tenha sido relâmpago e com uma folha tampando a carinha, posso considerar que foi meu primeiro registro de cardeal-do-xingu, embora fosse um registro mais pra chorar do que pra comemorar 😁😂🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Depois do almoço andamos pelas bordas do Rio Culuene até umas pedras onde encontramos outro casal de cardeal-do-xingu. Eles foram capturados para estudos por meio de redes. 

Pude acompanhar o processo um pouco afastada, sentada numa pedra, sob a sombra de uma pequena árvore. No começo me senti desconfortável, mas aos poucos fui abrindo minha mente e acalmando meu coração. Apesar do conflito interno, respirei fundo e tentei ser o mais racional possível.

Passei a ter olhos de cientista "virginiana vulcana" (menção ao meu signo detalhista/lógico e ao meu ídolo Mr. Spok de Star Trek) 🖖. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Depois tive a oportunidade de observar os detalhes da ave, ganhando uma aula sobre as diferenças de suas congêneres. Foi um momento de emoções e pernas bambas. Hoje eu posso dizer que compreendo melhor o processo de estudos que envolvem a definição de uma espécie.

No fim da tarde, resolvemos dar novamente uma geral ao redor do ancoradouro da Pousada. Eu e Jaiane descemos e ficamos aguardando os meninos.

E logo que Davi desceu, vi que eu havia conquistado mais um "trekker", ou seja um fã de Star Trek como eu. Fascinante! Afinal éramos todos exploradores. Parodiando o lema de Star Trek:  "O rio, a fronteira final... Esta é a viagem da Expedição Paçoquinha da Sorte, em sua missão de cinco dias para explorar novos mundos, pesquisar novas vidas, novas espécies, audaciosamente indo, onde nenhum cientista/ornitólogo jamais esteve." 🤣👽🖖

Eu apenas tinha dito em algum momento, na hora de fazer "selfie":  melhor fazer "Live long and prosper" (Vida longa e próspera) do que sinais que tem significado duvidoso e pouco elegante. 🖖

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Enquanto a gente buscava verificar as aves que estavam no entorno, um outro casal de cardeal-do-xingu me deu a alegria de registrá-los, numa pequena várzea a nossa frente. 

Ainda não era a fotos dos sonhos, ante a falta de luz adequada, mas estava feliz pelo "lifer".  E os meninos por mim. 

O Vitor aproveitou e fez a primeira gravação da espécie. Posso afirmar que foi um feito “nunca antes realizado na história do universo”.

Veja aqui no Wikiaves a pequena amostra da voz dessa espécie, obtida pelo Vitor como parte do mestrado da Jaiane (em preparação).

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

O dia tinha sido muito produtivo, mas muito quente. Merecia rolar uma piscina com uma geladinha para comemorar. (geladinha: leia-se refrigerante, cerveja, suco ou água 🥃🍺).

E como disse o meu amigo Marcelo Barbosa, de Tocantins num post meu no Facebook quando viu a foto abaixo: "Vc cruzou a linha do tempo! Interrompeu e ficou entre as duas versões do Vitor, na versão de antigamente (à esq) e a atual (dir). Idênticos rss". 

Nessas alturas eu já brincava com os dois chamando-os de Bob pai e Bob filho ou Ema e Seriema (uma vez que andavam rápido demais e eu acabava ficando para trás com a Jaiane 😆😆😆😆)

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E quando fui dormir, num é que tinha um príncipe encantado na porta do meu quarto. Quer dizer, um futuro príncipe, pois ainda estava na versão sapo. Mas meu sono era tanto, que não consegui parar pra bater papo e dar o tal beijo que o transformaria em príncipe. 😂😂😂😂 Tchau, sapo-boi, fui!

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

26/09/2022 - segunda-feira


Nessa manhã, a maioria dos pescadores já tinha partido da pousada. Saímos de barco tendo como piloteiro o Sr. Ismael, que nos levou por vários quilômetros rio acima e abaixo em busca de mais cardeais. Lógico que a gente não dispensava nenhuma ave pelo caminho.
 
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Toda vez que eu pensar no que vem a ser um sentimento de paz absoluta vou lembrar dessa manhã navegando pelo rio Culuene. 

O rio manso, as margens verdes, o céu azul, o vento batendo no meu rosto, os risos soltos da nossa turminha. E os passarinhos que iam passando pela gente, ou seria a gente passando por eles? Depende do ponto de vista, né.

Seu Ismael era muito hábil em nos posicionar na hora de fotografar as aves. Tem que ter muita paciência. Era um tal de "vai um pouquinho pra frente, um pouquinho pra trás, mais desse lado, mais pra cá"...😆😆😆😆 

Às vezes a gente parava e o meninos desciam para explorar as prainhas. Eu, com preguiça, permanecia dentro do barco, ora ouvindo as histórias do sr. Ismael ora contando as minhas. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Os meninos estavam buscando mais exemplares da "nossa divindade", já que de acordo com o comentário de um amigo meu, o Leonildo Piovesan, do Rio Grande do Sul: "Esse não dá pra chamar de cardeal, ele está mais pra papa mesmo! Magnífico!!!"

Antes de sair eu havia pedido para o Sr. Ismael colocar uma latinha de cerveja no isopor e disse que só ia tomá-la após as 10 horas. Contei pra ele a história do porque só podia tomar cerveja após às 10h da manhã e ele disse que ia vigiar a hora pra mim. (quem assistiu minha palestra em Ilhabela, sabe o que estou dizendo, mas se você não assistiu segue ela aí para quando você tiver tempo e paciência para assistir - a parte da cerveja começa no 31º minuto). 🤣🤣🤣🤣


Na hora de abrir o isopor, tivemos um impasse. Afinal já eram ou não 10 horas? Se considerássemos o fuso de Gaúcha do Norte que adota o de Cuiabá (-1 hora) não poderia ainda, mas se fosse o fuso de Canarana que adota o fuso de Brasília, sim.⏱⏳ 

Dependia de qual lado do rio a gente estava no momento. Aí, eu disse pra ele: tanto faz o lado, me dá essa latinha logo que eu tô morrendo de sede. Rimos muito. 😂😂😂😂

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©
  
Depois de algum tempo explorando o rio e suas bordas, não conseguimos encontrar nossa "realeza". Davi havia levado deliciosas paçoquinhas para comermos. Ele brincou que quando a gente abrisse uma paçoquinha iria encontrar um cardeal. 

E a gente tá que come paçoquinha e nada. Aí questionamos ele. Então ele afirmou para esperarmos um pouco que a paçoquinha ainda ia dar sorte, nem que fosse na parte da tarde. 😂😂😂😂

Fizemos muitas fotos legais pelo caminho. Eu curti muito ver filhotinhos de mexeriqueira (Vanellus cayanus) e de talha-mar (Rynchops niger) passeando pelas areias sob o cuidado dos seus pais.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Agora a pomba-trocal (Patagioenas speciosa), minha nossa!!! Deu foto de quadro. E o gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis), as andorinhas peitoril (Atticora fasciata) e o socozinho (Butorides striata) não fizeram feio, mas os martins-pescador, verde e pequeno, só me deram dor de cabeça, o duro era lembrar qual era um e qual era outro na hora de postar. 🤣🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Já a águia-pescadora (Pandion haliaetus) mostrou que era mestra e podia dar aula para os pescadores, passando pela gente com um peixão gigante preso nas suas garras. Pena que não se aproximou muito. 

Já seus primos afins, o gavião-carijó (Rupornis magnirostris) e o gavião-preto (Urubitinga urubitinga) "tavam nem aí" pra gente. Porém o pato-do-mato (Cairina moschata), passou tão baixinho que achei que fosse trombar com a gente. Mas cardeal que é bom nessa manhã, nada, nem com paçoquinha.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Era perto de 11:30h quando aportamos para almoçar. O dia estava bonito, o céu azul com poucas nuvens, embora muito quente. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Ainda fiz uma selfie no pier e uma borboletinha enquanto nossos olhos atentos varriam a área atrás do cardeal. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Riodina lysippus - iNaturalist
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Almoçamos, descansamos um pouco e saímos de novo. O tempo estava meio estranho. Um arco-íris chegou a colorir de forma estranha o já escurecido e nublado céu.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Conseguimos registrar um pouco da avifauna da parte contrária do rio. Um urubu-preto (Coragyps atratus) olhava curioso para um talha-mar (Rynchops niger), enquanto o filhote adolescente deste se exibia numa praia mais à frente. 

udu-de-coroa-azul (Momotus momota) balançava sua peninha como um relógio de pêndulo, enquanto vocalizava "udur, udur", me lembrando o personagem "Hodor" de Game of Thones. Como "Hodor" era a única coisa que o personagem dizia, as pessoas começaram a chamá-lo assim. 

Mas quem sempre roubava a cena era a linda biguatinga (Anhinga anhinga), sempre fazendo pose. Era a Gisele Bündchen do rio.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Mas sem se sentir intimidada, a garça-real (Pilherodius pileatus) desfilou sua beleza real, sendo aplaudida pelas andorinhas-do-rio (Tachycineta albiventer) que estavam empoleiradas por ali. 

Agora olha essa, nunca vi urubus-preto (Coragyps atratus) tão festeiros. Eles ficavam pulando na areia numa dança que mais parecia um uma festa numa boate a céu aberto. Mas cardeal até aquela hora nada.
 
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

O tempo começou a fechar. Decidimos que era hora de voltar. Olhe abaixo a chuva correndo para nos pegar.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E pegou! A paçoquinha deu sorte, pois conseguimos voltar sem maiores problemas, porém não tivemos como procurar mais os cardeais. A chuva desabou tão forte, mas tão forte, que nos fez ficar parecendo pintos molhados, mesmo com capas.

Eu voltei tensa, com muito medo de raio, de molhar o equipamento, de escorregar na hora de sair do barco e cair na água. Coisas de rainha...do drama, como diz um amigo meu. 🤣🤣🤣🤣 Fácil rir agora que já ficou pra trás.

Sério, o píer da pousada é para os fortes. Não tem em lugar pra se apoiar e usar como alavanca ou uma escadinha que seja. Uma balançadinha e você pode tropeçar, se machucar ou cair na água com o equipamento. 

E eu como sou um bocado "desequilibrada", sempre dependo de ajuda para subir. Mas a paçoquinha deu sorte e subi melhor do que eu esperava, sem maiores problemas, sem sequer dar aquela balançadinha quando do impulso. 

Mas cardeal que é bom nada. Mesmo assim nosso astral continuava alto, fazendo com que a contabilidade do dia fechasse em alta. Dessa forma a paçoquinha tornou-se a brincadeira do dia, pois aonde tinha ido parar nossa sorte. Kkkkkkkkk Sorte a nossa que não deixamos nada disso nos abalar.

27/09/2022 - terça-feira

Apesar da chuva no dia anterior, o dia acordou esplendidamente lindo.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Tomamos café e nossa equipe se dividiu. Vitor saiu com Davi para explorar as matas às margens do rio a pé e eu e Jaiane ficamos na pousada para vigiar a mata ao redor do píer e dos igarapés.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Eram 6:24h quando me juntei a ela no píer. 

Haviam três barcos no ancoradouro. Os simpáticos policiais ambientais e fiscais da SEMA que chegaram na noite anterior foram descendo para embarcar em dois deles para sair vistoriar o rio. 

Quando deu 6:48h, uma borboletinha distraiu meus pensamentos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Por volta de 6:52h, pareceu que tinha um casal de cardeal bem longe, cujos olhos atentos da Jaiane viram com o binóculo. Era só um pontinho branco "lá" em Canarana, do outro lado do rio. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Nessas alturas eu já tinha feito a listinha do período, com destaque para uma duplinha de garça-branca-pequena (Egretta thula), um chincoã-pequeno (Coccycua minuta), uma fofa andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer) e um imponente carcará (Caracara plancus) voando sobre a gente.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Abaixo uma tomada da passarela até o píer mostrando a vegetação ao seu redor, que sempre fica repleta de passarinhos.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

O terceiro barco ficou aguardando os seus pescadores descerem do café da manhã. Os agradáveis e falantes Fernandinho Siqueira e seu irmão, para nossa sorte, (ou seria a sorte vinda da paçoquinha 🤣🤣🤣🤣) se atrasaram nesse dia. 

Nisso, lindas andorinhas-do-rio pousavam sobre a madeira onde estava amarrado o barco, ficando a três metros das minhas lentes. Uma fazendo pose mais bonita que a outra. Enquanto isso Jai anotava dados para o seu trabalho e conversávamos sobre nossas vidas pessoais. Ali nascia uma grande amizade, de mãe pra filha.

Lembro com clareza merediana o que houve em seguida. Os horários busquei junto com minhas fotos.

Eram 7:19h, eu e Jaiane, sozinhas no píer, sentadas nas poltronas separadas do barco, buscávamos todo e qualquer movimento ao nosso redor. 

Estava eu focada numa linda andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer) do meu lado esquerdo, que fazia poses e me olhava com aquele olhão redondo como se quisesse saber qual era o meu propósito ali. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Então, às 7:20h, Jaiane fala bem baixinho: "são eles, são eles" e aponta para o lado direito do barco a nossa frente. Coração nessas alturas foi parar na goela. Não sei como continuei respirando depois que meus olhos mudaram de direção. 

"Migos", pensem na cena, a menos de três metros de mim, eu ali, confortavelmente sentada como se estivesse na frente de um comedouro, recebo a visita mais esperada da viagem. 

"Sua Alteza", o cardeal-do-xingu e sua digníssima esposa, estavam ali, parados à nossa frente, fazendo reverência. 

Abaixo a primeira foto das centenas que fiz naqueles intermináveis dois minutos seguintes.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Focava num, focava no outro e o dedinho nervoso mostrou porque é chamado assim. A duplinha ficou pulando sobre os bancos e artefatos do barco e meus olhos e lente só acompanhando.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Um deles apanhou uma casquinha de pão. Ou seria um pedacinho da paçoquinha da sorte do Davi?

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

A gente não fazia um movimento, acho que nem respirávamos. Foi foto de quadro cheio e emoção que não acabava mais. Cliquei até o momento em que eles se foram. Exatamente 7:22h. Dois minutos do mais puro prazer ornitológico. 

Finalmente a paçoquinha da sorte do Davi fez jus ao seu nome. Ela me deu mais do que sorte, me deu a foto e as emoções que eu fora buscar. 

Registrei o momento de nós duas e pedi à Jaiane pra fazer uma foto minha do jeitinho que eu fotografei as nossas realezas.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Dois minutos depois os novos amigos pescadores Fernandinho Siqueira e seu irmão apareceram para zarpar com o barco que servira de palco para as minhas fotos. Agradeci por eles terem se atrasado e os dois ficaram muito felizes pela gente e pediram uma selfie, sendo prontamente atendidos.  

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

A gente queria contar pros meninos, mas na beira do rio onde eles estavam não rola sinal. Fui até buscar uma geladinha pra comemorar. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E  andorinha-do-rio voltou pra comemorar comigo. Fiz a foto mais linda do mundo dela ali no píer. Mais um quadro para pendurar na parede.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Eu resolvi subir e caminhar um pouco para respirar melhor. Encontrei seu Lídio e a esposa, sentei com eles, contei sobre o acontecido e como eles moram em Brasília, onde morei e trabalhei por muitos anos, o papo foi longo. Pensa num casal simpático e bom de prosa. 

Mas está achando que as emoções acabaram aqui? 

Ainda pela manhã dei uma volta pela pousada onde avistei 12 lindos mutuns-cavalo (Pauxi tuberosa) - mais foto de quadro, várias e charmosas rolinhas-fogo-apagou (Columbina squammata), um jovem de saí-andorinha (Tersina viridis) pelo jeito fazendo seu primeiro ninho no barranco e vários urubus-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), sendo que esse da foto era mau educado e mostrou o dedo médio para mim. (brincadeirinha 🤣🤣🤣🤣) 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Jaiane continuou observando o movimento do ancoradouro e fazendo anotações, mas dessa vez, sentada dentro de um barco que estava na sombra nas margens do pequeno lago. 

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Depois que retornei ao píer de novo, pude ver o casal de cardeal forragear nas imediações dentro de uma ilhota ali perto. Havia pouca luz e a distância não propiciou bons registros desse momento.

 Acho que as aves estavam quase todas em horário de almoço. A ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) devorava seu banquete ainda vivo, o socó-boi (Tigrisoma lineatum) se amoitava, talvez esperando os barcos voltarem para ver se ganhava um peixinho. 

Já a saracura-três-potes (Aramides cajaneus) como é onívora andava de um lado para o outro da margem, buscando qualquer petisco que desse sopa, ou melhor uma boa refeição. 🤣🤣🤣

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Acabamos ficando com fome também. Aí subimos para almoçar e quando chegamos no restaurante, embaixo da mangueira havia um lindo bebê periquito-de-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri), caído do ninho. Foi então que instauramos a operação resgate. Seu Lídio pediu para providenciarem uma escada grande e o pobrezinho foi colocado de volta no ninho sob a supervisão da Jaiane. Espero que tenha sobrevivido.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Quando os meninos voltaram, puderam compartilhar do nosso encantamento e comemorar junto durante o almoço

Marcamos de sair à tarde explorar uma vereda a uns 10km da entrada da Pousada, já pertencente ao município de Canarana. 

Nessa vereda havia três espécies de tiranídeos: bem-te-vi-pirata (Legatus leucophaius), suiriri-de-garganta-branca (Tyrannus albogularis), suiriri-de-garganta-rajada (Tyrannopsis sulphurea). Consegui registrar também um andorinhão-do-buriti (Tachornis squamata). Os três últimas eram espécies novas (City-lifer) para Canarana.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

A noite jantamos todos juntos e já obtivemos o compromisso e apoio do Sr. Lidio para retornar e continuarmos a pesquisa em outras estações. E eu prometi enviar um calendário pra ele com as "paroarias" do Brasil, que vou montar em breve.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Após corujar um pouco, sem sucesso, decidimos que era hora de ir dormir.

No retorno aos nossos dormitórios, deparamos com um escorpião enorme, na minha visão leiga, um bicho assustador. Mas andar ao lado de um mestre é outra coisa. Achava ele assustador até receber uma aula do Vitinho ali mesmo. Mesmo assim fui dormir impressionada com o bichão. 

Embora ele receba o nome de escorpião-vinagre e se pareça com um, na verdade é um aracnídeo. Não é venenoso nem agressivo como um escorpião. Eu não diria totalmente inofensivo, pois ele pode espirrar um líquido até meio metro de distância, com mira precisa, com forte odor de vinagre, que pode causar queimaduras e irritação nos olhos. 

Ah! O Vitor também contou a sua saga de ter sido picado por um escorpião verdadeiro quando estava em campo num lugar super remoto. Contou que é uma dor lancinante. Uma verdadeira tortura física e emocional. O que reforça minha teoria de nunca deixar malas, mochilas e sacolas abertas e muito menos vestir botas e roupas, quando no mato, sem verificá-las antes. 

Usei as duas fotos abaixo para mostrar como ele tinha um jeito assustador. Na segunda, um pé ao lado para dar noção do tamanho.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Depois de arrumar as malas, dormi o sono dos anjos. No dia seguinte pegaríamos estrada de volta até a Chapada dos Guimarães.

28/09/2022 - quarta-feira


Após o café, arrumamos nossas coisas no carro, nos despedimos do Sr. Lídio e colocamos o carro pra comer um pouco de poeira.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Mas no meio dessa poeira toda tinha passarinho e muitas flores. Até fiz questão de parar para registrar essa bela árvore.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

E em Paranatinga nós paramos para um café e um lanchinho e mais na frente em Primavera do Leste para o almoço.

Paranatinga
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Primavera do Leste
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Quando chegamos em Campo Verde, uma chuva pesada nos atingiu, mas faltava pouco pra chegar na Chapada dos Guimarães.

Campo Verde
Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Chegamos a casa da Jeanne na Chapada dos Guimarães no meio da tarde. Devido aos compromissos escolares dos três no dia seguinte, o Vitor resolveu voltar para Cuiabá e eu fiquei curtindo a minha amiga. A ideia era o Vitor me apanhar na Salgadeira. Sei lá o que ou quem é isso, mas fica na metade do caminho até Cuiabá. Jeanne me levaria até ela.

Já instalada no meu "bat quarto de costume", rearrumei minhas coisas para fazer a viagem de volta no dia seguinte.

Começou a chover e foi aumentando de intensidade. Fechei as janelas e me aquietei. Depois fui me sentar no sofá ao lado da Jeanne para fofocar um pouco. 

De repente um raio, daqueles que parece que o mundo vai acabar, deixou tudo branco, em seguida um barulho ensurdecedor estremeceu tudo, me fazendo encolher no sofá e quase parar de respirar. Fechei meus olhos e me agarrei à Jeanne. Quem me conhece sabe que morro de medo. Na minha infância eu costumava entrar embaixo da cama quando tinha tempestade com raio.

Esse raio gigante atingiu o disjuntor do poste, e de tão forte sua potência que adentrou a casa, indo dar choque forte no Mário que estava trabalhando no escritório ao lado. Ele saiu mancando de lá de dentro. Ficamos sem energia. Ainda não se sabia a extensão dos danos quando fomos dormir.

29/09/2022 - quinta-feira


Acordei, tomei café enquanto Mário e Jeanne examinavam os estragos, acionavam a empresa de luz e o vizinhos para saberem como estavam.

Jeanne resolveu descer até Cuiabá resolver algumas coisas e aproveitaria para me deixar no aeroporto. Vitor não precisaria vir me buscar. Só que o carro não pegou, nem com "chupetinha" do vizinho, digo, do carro do Giuliano, o vizinho. 

A tempestade os deixou sem carro (queimou o módulo), sem câmera do buraco d'água, sem frigobar e sem notebook. Ficaram sem energia por 24h e sem internet por 65h.

Vitor acabou tendo que subir para me buscar e levar ao aeroporto.

Como a Jeanne mesmo disse, fui testemunha ocular e parceira de susto, mas ainda bem que não passou de um susto. Um grande susto!

Meu voo atrasou um pouco, mas foi tranquilo. Em pouco tempo eu estava em casa para tratar as 6.686 fotos, das quais sobraram 2.150.  Isso fora as 250 e poucas de celular. Fotos que enriquecem a minha Bird-life-list e ajudam a embasar as histórias aqui por mim contadas.

Essa foi a última foto da viagem, fiz no quintal do Jamacá, na casa da Jeanne, antes do Vitinho chegar. No princípio pensamos que era um sabiá-bicolor (Turdus hauxwelli), mas era apenas um sabiá-barranco (Turdus leucomelas). Mas que ficou bonito, ficou! 

Ah! Vitor, você tinha que dizer pro Mário que não era o bicolor. Eu estava toda animada achando que tinha feito um melhoraifer.

Arquivo pessoal Silvia Faustino Linhares ©

Fechando...


Pronto! Você leu até aqui todas as minhas histórias da Expedição, mas deixei o principal para fechar. Afinal, quem é esse cardeal-do-xingu e qual a importância dele para a Expedição Paçoquinha da Sorte? Boralá, um pouco de estudo não faz mal pra ninguém.

Os cardeais sulamericanos são aves da ordem Passeriformes pertencentes à família Thraupidae, gênero Paroaria. <- leia mais aqui.

Pelo que pude pesquisar temos oito espécies que se encaixam no gênero Paroaria, sendo que no Brasil ocorrem sete:

cardeal-do-sul ou cardeal (Paroaria coronata)
cardeal-da-amazônia (Paroaria gularis)
cardeal-do-araguaia (Paroaria baeri)
cardeal-do-nordeste (Paroaria dominicana)
cardeal-do-pantanal ou cavalaria (Paroaria capitata)
cardeal-da-bolívia (Paroaria cervicalis)
cardeal-do-xingu (Paroaria xinguensis)

Entretanto o SACC (South American Classification Committee) considera das nossas sete apenas cinco, rejeitando atualmente as separações do cardeal-da-bolívia e do cardeal-do-xingu propostas com base nas diferenças de plumagem (e dados genéticos preliminares, no caso do boliviano), por considerar que as evidências não são significativas para justificar tal separação.

Embora o CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos) considere ambos os táxons (P. cervicalis e P. xinguensis) como espécies plenas, para reforçar as evidências do P. xinguensis a mestranda Jaiane Oliveira está aprofundando os estudos e analisando o material que recolheu durante a nossa expedição com vistas, no futuro, a eliminar as dúvidas se o cardeal-do-xingu deve mesmo ser tratado como espécie distinta do cardeal-do-araguaia.

Dessa forma, de posse de maiores dados sobre a biologia dessa espécie, poderemos atuar mais fortemente para ajudar em sua conservação.


E assim finalizo mais essa história da minha vida. Obrigada a TODOS, que de uma forma ou de outra participaram dela. E que venham mais histórias e emoções como esta.

Listas e-Bird - veja todas acessando esse link:  https://ebird.org/tripreport/79424



*

*

*

*

*






17 comentários:

  1. Amei o relato da viagem. Imagino como deve ter sido diferente e ao mesmo tempo realizador essa expedição com cunho científico. As imagens estão incríveis! Especialmente os registros de sua alteza, o cardeal-do-xingu!

    ResponderExcluir
  2. Com esse relato a vontade de conhecer este pedacinho do BR só aumentou. Parabéns pelo seu belo trabalho🕊🕊🕊

    ResponderExcluir
  3. Como sempre nos coloca dentro da história !!!! Sensacional............

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada meu querido amigo Anderson. História boa é para ser compartilhada. Beijo no coração

      Excluir
  4. A Aventura sempre é boa, mas as histórias delas, são melhores! Parabéns pela publicação!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada querida, espero um dia poder escrever uma história passarinhando com você

      Excluir
  5. Eita moça que escreve bonito, muito legal a maneira como escreve seis post. Abraço

    ResponderExcluir
  6. Por tudo isso sou um fã obstinado da Sívia!!!!1

    ResponderExcluir
  7. Que lindo! Apaixonada por essa história! Me fez viajar também! E é emocionante o amor com que vocês fazem esse trabalho! Obrigada por fazer parte desse momento tão importante na vida do Davi(meu filho♥️))

    ResponderExcluir
  8. Que viagem e relato incrível Silvia, parabéns!! Sei quanto dói o coração a questão da coleta, mas a maioria dos nossos amigos ornitólogos também são apaixonados pelas aves livres e vivas (com raríssimas exceções), e quando realizam coletas é porque realmente foi necessário, muito necessário, inclusive para a própria conservação do táxon em questão! Ciência feita com ética e responsabilidade! Sucesso e forte abraço!!

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar meu Bloguinho!