23/06/2016 (quinta-feira)
No dia 23 eu e o amigo Norton Santos resolvemos ir ver o
pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) na Serra da Canastra. Pegamos estrada o
dia todo. E eu e o Ruber Ramphocelus (meu Duster) mandamos ver. No
caminho apanhamos o guia e amigo Geiser Trivelato, que mora em Jacutinga/MG.
Ficamos hospedados no Hotel Chapadão da Canastra em São Roque de Minas, lugar
muito legal da nossa amiga Renilda Dupin. À noite jantamos um delicioso surubim
com queijo canastra no Recanto do Surubim, cujo prato estava fazendo parte do
Festival Gastronômico do Queijo Canastra. Delicioso. Ainda passamos no
supermercado para comprarmos lanchinhos para o dia seguinte.
Geiser, eu e Norton |
24/06/2016 (sexta-feira)
Acordamos cedo, dia lindo, frio mas com muito sol se
anunciando. Tomamos café numa padaria que abre às 6 horas da manhã e seguimos
para o PARNA Canastra.
Após esperar o portão abrir fomos direto para Casca
D’Anta, parte alta. Mais ou menos direto, porque havia muitas coisas lindas no
caminho e um luz fenomenal.
galito (Alectrurus tricolor) |
pomba-galega (Patagioenas cayennensis) |
tico-tico-de-máscara-negra (Coryphaspiza melanotis) |
Destaco a gentileza e simpatia dos guarda-parques na
Portaria 1, Senhor Jairo e Senhor Gaspar, que nos atenderam na chegada nos dias
que estivemos lá.
Portaria nº 1 |
Infelizmente, o Parque só abre às 8 da manhã e demora-se uma
hora, pelo menos, pra chegar no hot point. E na mesma hora chegam juntos
os turistas com cestas de piquenique, falando alto, com som ligado. Poucos
são os que vem realmente curtir o sabor da natureza. A maioria é pura farofagem
para fazer "selfie". E, no final do dia, quando chega perto da hora mágica de
fotografar, você tem que correr para sair, pois o parque fecha às 18 horas.
Antes tivéssemos uma documento instituído como nas UC em
São Paulo, que permitem a entrada e saída em horário especial dos observadores
de aves (PORTARIA NORMATIVA FF/DE Nº 236/2016), Portaria esta
que dispõe sobre procedimentos para realização da atividade de Observação
de Aves nas Unidades de Conservação administradas pela Fundação Florestal.
Com isso, ficamos sujeitos a fotografar em horários que nem sempre são próprios para registrar as aves. Mesmo assim, percebe-se que o Parque é muito bem cuidado e um dos mais bonitos que já visitei.
Com isso, ficamos sujeitos a fotografar em horários que nem sempre são próprios para registrar as aves. Mesmo assim, percebe-se que o Parque é muito bem cuidado e um dos mais bonitos que já visitei.
Além do pato, a gente também queria ver outros bichinhos e principalmente o lobo-guará, mas
nos contentamos em ver uma manada de veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus).
Chegando na cachoeira, montamos nossa campana e ali
permanecemos. Fizemos vigília de quase 7 horas, com direito a lanche frio e
água, banquinho e blind e MUITA PACIÊNCIA. E a vigília nos custou o dia
todo e nada do pato.
De chuva de formigas gigantes caindo da árvore ou subindo
na gente, nos lanches, no equipamento, a cochilo sentada no banquinho, assim o
dia se passou. Toda hora medíamos a luz onde a gente esperava que o bendito
pato aparecesse e NADA, nadica de nada.
Com o pensamento devaneando, olhávamos por onde ele
deveria aparecer e nem um risquinho na água. Só lembro da gente brincar "foca
no pato, foca no pato" e era essa imagem que me vinha na cabeça.
25/06/2016 (sábado)
Dia seguinte, mesmo esquema. Amanheceu nublado e muito
frio. Neblina a toda prova.
Cheguei a prometer que iria (e ainda vou) beijar a
estátua do São Francisco na boca, caso o "pato-fanfarrão" aparecesse.
A estátua fica no começo do parque na parte alta, mas como eu só fotografei o pato na
parte baixa, indo embora pra casa, fica aí a promessa em aberto. Foto abaixo do
amigo Flávio Guglielmino.
Foto by Flavio Guglielmino |
Eu clicando dois bicos-de-pimenta (Saltatricula
atricollis) - por Norton Santos
|
bico-de-pimenta filhote (Saltatricula atricollis)
|
bico-de-pimenta (Saltatricula atricollis)
|
Mas nada do pato. Quase surtei. Achamos que muito
provavelmente o casal visto estava chocando, pois é comum patrulharem o seu
território até o poço todos os dias e nesses dois dias nem voando passaram.
A pedra do pato |
Tédio total, com T maiúsculo. Uma coisa engraçada é a
forma como o nosso cérebro administra o tédio. Eu, que tenho o espírito mais
inquieto que conheço, nos momentos que ficava sentada, fotografava com o
celular (que não tinha sinal nenhum), fazia "selfie" da minha
"cara de copo d'água morno", achava até folhinhas estranhas ao redor
para fotografar.
Enquanto o pato não vem... |
Quando ia ao banheiro, fotografava todas as florzinhas e
passarinhos que encontrava pelo caminho. Fome já nem tinha mais, dá lhe comer
besteira para não deixar a pressão baixar.
bico-de-veludo (Schistochlamys ruficapillus) |
maria-preta-de-penacho (Knipolegus lophotes) |
E sábado é dureza, começam a chegar pessoas, que se
aproximam e sem mais, perguntam o que estamos fazendo. Lógico chega um bando de
gente "normal" e vê uns "alienígenas" camuflados, focando num sei lá o
quê, óbvio que querem saber de que mundo viemos e porque estamos ali.
Lembro que uma senhora se aproximou de mim e perguntou o
que eu fazia. Expliquei com a maior paciência do mundo, que esperava um pato,
que ele era raro e só tinha ali, que vim de longe pra fotografá-lo, mas que não
tinha tido sorte. Aí ela perguntou? "A gente atrapalha?", com um SIM
desenhado na testa com letras garrafais e tinta fluorescente eu respondi
calmamente: "Não, imagina...ele é meio arisco a barulho e muito movimento,
mas ele virá, mesmo assim!" Aí a moça deu um grito para o marido que ia
botando os pés na água. "Saí daí agora se não o pato não vem".
Silenciosamente eu ri muito, mas agradeci demais e desejei um bom dia a
eles.
Mas diante do contexto, quem quer vai atrás, mudamos de
ponto. O Geiser procurou um mais silencioso, onde, após andar em uma picada no
meio do mato, esta nos levava à beira de um lindo lugar, e nem assim, NADA! Nada
de pato voando, nadando, passando rapidinho, dando tchauzinho, nada de nada.
Até a água do pato eu já estava fotografando.
Vista do novo "point" |
...água do pato... |
O engraçado é que a cabeça começa a cansar e nos pregar peças. Estava vendo passarinho em tudo quanto é lugar. Esse tinha até rabinho.
Terminamos o dia com um lindo por do sol. E aproveitei
para clicar o meu "Ruber", que valentemente aguentou os
trancos e barrancos, buracos, subidas e descidas do Parque.
26/06/2016 (domingo)
No domingo, amanheceu sol, mas de repente nublou, somente
no meio do dia voltou a abrir de novo. Mudamos a estratégia. Fomos para a
Cachoeira do Fundão. Tivemos que contratar um 4x4, pois o Ruber (meu Duster)
não daria conta de chegar lá. O Vagner Freitas nos conduziu com maestria pelas
ladeiras íngremes, buracos incontáveis, rios e pedras. Um frio de gelar os
ossos, um lugarzinho ruim de ficar. Mais vigília e nada de pato, nem aqui, nem
acolá.
Local da vigília
|
Eu já estava sentindo a insanidade tomar conta de mim. De
repente me vi completamente fóbica no meio de um buraco na mata fechada, em
silêncio, esperando pelo Senhor Pato. O duro era cruzar com gente mostrando
foto e dizendo, cliquei ele na quarta na Casca D’Anta, ou então, ontem no
Fundão.
Falando em cruzar gente, de repente, já voltando para
a portaria, paramos para clicar uns bichinhos pelo caminho, com a
finalidade de erguer um pouco o astral...
Adicionar legendabandoleta (Cypsnagra hirundinacea) |
gibão-de-couro (Hirundinea ferruginea) |
E aparece no caminho um carro, com uma mocinha afoita
dentro dele acenando para mim. Eu pensei: "será que conheço? É gente do
facebook, só pode!". Sim, era o amigo Alessandro Abdala e a Camila Machado
com dois turistas (que tinham fotografado o pato e filmado de celular no dia
anterior). Parecia até deboche do pato-fanfarrão com a gente. Camila veio me
abraçar e disse que ela e a Denise Cardoso eram muito minhas fãs. Fiquei super
feliz. Fiquei achando que eu era muito mais do que eu achava, um verdadeiro
exemplo de perseverança e determinação para as Birding Ladies. E assim, meu dia
terminou, com um belo por do sol, coroado por pessoas amigas.
Camila, eu e Alessandro |
27/06/2016 (segunda-feira)
Triste, carinha abatida, cansada, acordei às 4 da matina
na segunda. Era a última cartada, será que tínhamos alguma escondida na manga?
Íamos, pela última vez, antes de voltar pra casa, tentar o bicho
num camping. Era longe da cidade, passava por dentro de Vargem Bonita, lá
pras bandas da Pousada Praia da Crioula. Paramos num pontilhão onde o pato
costuma patrulhar e...n-a-a-a-d-a. Só pedras e neblina.
Chegamos no camping do Raul, ao lado do Bar da
Sol, e descemos até a beira do rio. A ideia era montar campana e esperar.
Resolvi ir ao banheiro, quando saí, só vi o Geiser me fazer sinal para ficar em
silêncio e vir rápido. Havia dois patos nadando (um casal). Coração quase saiu
pela goela.
pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) |
O bom é que nesse lugar se pode chegar cedo, montar um
blind e ficar esperando, mas eles já estavam lá e não deu tempo nem pra fazer
xixi direito que dirá raciocinar o que fazer. Achei que um pouco mais de luz
não atrapalharia de jeito nenhum. Eles são muito camuflados, todo o cenário
tinha a cor deles, pelo menos onde os vimos, estava difícil cravar o foco sem
ter contraste.
Como diz o amigo Rogério Machado "Não é uma emoção
de rasgar o coração???" - "ô Se é! Rasga desesperadamente o coração e
a mente" rs rs rs. Só senti isso com a Harpya, e com algumas
corujas, ah! essas, sempre...chego chorar!
Veja o vídeo mostrando o lugar onde nós clicamos os
patos, mas não foi na parte aberta, foi onde o Norton aparece, preste bem atenção.
Bom, não era bem o que a gente esperava (a gente queria
era fazer uma foto do pato com luz mágica, pousado na "pedra", com
pezinho vermelho à mostra, vestido pret-a-porter), mas me senti vencedora.
Vencedora de mim mesma. O que eu extraí de toda essa experiência foi incrível.
Nenhuma dinâmica nos prepara para suportar tamanha frustração tão bem quanto a
observação de aves. Persistir e não desistir não é fácil. Levarei esse
aprendizado para o resto da vida. A lição é não desistir nunca e sempre
acreditar. Uma hora a vitória chega.
Olha a nossa carinha de felicidade após ver o pato...dava
vontade de pular que nem criança. Agora a gente finalmente "empatou".
Vou acrescentar mais uma coisa. Somente a amizade e o companheirismo, aliados a muito bom humor é que faz a gente superar qualquer obstáculo. Obrigada Norton e Geiser por todos os momentos e pela força que um dava para o outro nos piores momentos, aqueles mais desanimadores, aqueles que dava vontade de dizer: "vamimbora".
O Geiser foi incansável em suas andanças ao redor do rio em busca do pato e muito perspicaz nas mudanças de estratégia. Acreditou e nos fez acreditar que seria possível. Geiser, em novembro vamos buscar o inhambu-carapé e o andarilho, tá? O que? Achou cascudo? Que nada, mole-mole.
Só pra finalizar, na volta ainda fiz mais duas fotos
lindas. E quando vimos os periquitídeos (bando de jandaias-de-testa-vermelha) lembramos da nossa amiga Claudia Brasileiro que
adora essa família graças às suas cores maravilhosas.
gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis) |
jandaia-de-testa-vermelha (Aratinga auricapillus) |
Próximo desafio: voltar ao Parna Canastra e produzir fotos lindas, de tudo, flores, paisagens, mamíferos, insetos e muitas, mas muitas, aves, inclusive o pato, para que eu consiga implantar o meu projeto de livro "As Brumas do Cerrado". Mas enquanto isso vamos ampliando as bolinhas no mapa do Wikiaves.
E teve pato e periquitídeo!!
ResponderExcluirMaravilha!
ResponderExcluirBelíssimo relato dessa grande aventura ! Foi para testar nossos nervos, mas no final tudo deu certo !
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