Recentemente tive duas experiências com jovens no Piauí e Maranhão
que me fizeram chorar, porém de maneiras diferentes. A primeira foi de emoção.Uma
doce experiência. O nosso guia Thiago Rodrigues, após agendamento prévio, nos
levou passarinhar na Flona
de Palmares em Altos/PI. O lugar por si só já encanta, mas a recepção pelos
guarda-parques se superou. Merecem um prêmio em gentileza. Fomos muito bem
recebidos. Pudemos entrar cedo na Unidade e fotografar algumas das raridades
que habitam o local. Fomos acompanhados pelo Lucas, guia local, mediante uma taxa simbólica.
Thiago Rodrigues, Eu (Silvia Faustino Linhares) e Emerson Kaseker |
A gestão do Sr. Gaspar Alencar está de
parabéns. Mas ele foi além. O Lucas, que
por acaso é seu filho, vem realizando um projeto de observação de aves com crianças
e jovens da comunidade local. Ele treinou o Peterson, que eu tive a felicidade
de encontrar nas trilhas com seus "discípulos".
Emerson, eu no meio, ao meu lado de boné o Lucas e do outro lado o Peterson |
Óbvio que isso me emocionou mais do
que encontrar e fotografar o “grilinho-de-caxias”
(nova espécie de ave que ainda está em estudo). É esse tipo de trabalho que me
faz acreditar que as futuras gerações tem salvação. O Peterson veio nos mostrar
com sua pequeníssima compacta uns passarinhos que ele clicou. Ô dó! Não dava
prá ver nada. Mas isso me encantou. A admiração pelo nosso equipamento, vestimenta,
etc fez os olhinhos das crianças brilharem e os meus se encherem de lágrimas.
Saímos de lá com uma promessa, encaminhar guias de campo para que essa turminha
se apaixone cada vez mais pelos penosinhos, evitando que no futuro a segunda
experiência que tive se repita.
O pequeno "grande observador" de 5 anos |
A segunda experiência foi amarga. Doeu muito. Thiago, nosso
guia, nos levou em um sítio em Arari/MA, onde tem uma vasta extensão de
plantação de arroz. Além de aves como sanãs, jaçanãs e saracuras, o local é
habitat de inúmeros papa-capins, entre eles o caboclinho-lindo (Sporophila
minuta) que não tive a felicidade
de apreciar.
Voltando de Caxias, passamos novamente no arrozal. Para nossa
surpresa (desta vez muito negativa), dois rapazes montavam, na cara dura, uma
rede de neblina para aprisionar os papa-capins. Enquanto eles se afastavam para
tocar os papa-capins para a rede, o Thiago ia lá e espantava os bichinhos
próximos à rede. Eles passaram por nós, xingando muito, dizendo que iam lá dar
uma “bifa” no Thiago. Mediante isso, o Emerson foi no encalço deles e eles se
intimidaram e não falaram nada com o Thiago.
Numa situação dessa resta pouco a
fazer. Eles são moradores dos arredores, se engrossássemos, eles poderiam colocar em risco futuros clientes do Thiago,
pois poderiam ao invés de armar a rede, armar uma emboscada.
Thiago ao fundo tentando espantar os caboclinhos, baianos e outros papa-capins |
Difícil explicar isso pra uns
marmanjos desses, e pior, pensei em denunciar para o IBAMA com as fotos que
tirei, mas será que resolve? Nem bandido de verdade vai pra
cadeia...que dirá umas pestes dessas...Thiago ainda nos contou que os
moradores caçam as sanãs e saracuras com varas para comer. Disse que eles
enchem um saco com 20 a 30 dos bichinhos mortos.
Fiquei matutando com a situação e
tentando imaginar o que estaria passando na cabeça dos dois meliantes. Saber
que estão fazendo coisa errada, eles sabem, mas não tem medo. Estão certos da impunidade.
Consciência ecológica e ambiental?
Nenhuma! Eles tinha mais jeito de analfabetos funcionais. Os bichinhos estão
ali dando sopa e de graça. Eles veem nisso uma forma de tirar uns trocados. É
nisso que pensam, e com o dinheiro comprar algum objeto de desejo (talvez um
celular, uma roupa ou tênis moderninho), ou quem sabe até ajudar a família de
10, 20, 30 sabe-se lá quantos irmãos. Condená-los por pensar assim? Como mudar essas cabeças ? É ruim,
heim! A questão é cultural.
O problema está na falta de estrutura
da educação no país. É preciso fazer muito em matéria educacional para se mudar
uma cultura. Ela não é estática, só está estagnada e precisa evoluir. Enfim,
depois dessa reflexão, minha raiva passou para o receptador dos papa-capins, esse
sim, é o pior de todos, incentiva a criminalidade e age na certeza da impunidade.
Ah! Fomos no local no dia
seguinte e tinha apenas alguns poucos papa-capins, ou eles levaram “trucentos” ou os
bichinhos sumiram de lá tão acuados que ficaram.
Enfim, nunca me senti tão
impotente. Mas é baseada na experiência da Flona de Palmares que sinto poder
mudar algo. A partir de hoje, juntarei coisas aqui em casa e arrecadarei guias
de campo, binóculos usados, cadernetas, camisetas e quem sabe câmeras para enviar
para os meus pequenos heróis do Piauí e de outros cantos. O Thiago também se
comprometeu de guiá-los pra poder ensinar um pouco do que sabe. Eu gostaria de
ver mais guias e pessoas fazendo isso.
É só uma sementinha. Mas é assim
que mudaremos o mundo. Pelo menos o mundo que amamos, nossos penosinhos!
Belo texto. Ainda bem que existem pessoas como você e seus amigos de passarinhada, para ajudar.
ResponderExcluirSugiro você conhecer a experiencia da Floresta Nacional de Carajás ;)
ResponderExcluirParabens Silvia , o futuro da observação de aves está nas novas gerações.
ResponderExcluirPor outro lado , infelizmente os caçadores sempre irão existir por ganância e exemplo das gerações passadas.Mas temos de continuar fazendo nossa parte , apesar dos contratempos.
Silvia, você colocou a coisa de modo preciso. Nâo é apenas um problema de educação, mas também cultural, e até de mera sobrevivência para famílias que vivem longe de recursos. Para nós, que vivemos perto dos grandes centros, manter o meio ambiente intacto parece algo simples, mas para o povo que vive tão longe de tudo, e pior, assite TV e novelas mostrando todos os objetos de consumo manufaturados pelo sistema industrial, a história é bem diferente. Difícil solução para esse problema. Apenas educação não irá resolver. Também mudança de padrões culturais e melhorias de atendimentos básicos para essas populações teriam de ser providenciados. Mas por quem? Ou ainda, cadeia para punir? Não vejo solução, infelizmente.
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