terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Passarinhando no Maranhão e Piauí. A diferença entre passarinhar e caçar passarinho.

Recentemente tive duas experiências com jovens no Piauí e Maranhão que me fizeram chorar, porém de maneiras diferentes. A primeira foi de emoção.Uma doce experiência. O nosso guia Thiago Rodrigues, após agendamento prévio, nos levou passarinhar na Flona de Palmares em Altos/PI. O lugar por si só já encanta, mas a recepção pelos guarda-parques se superou. Merecem um prêmio em gentileza. Fomos muito bem recebidos. Pudemos entrar cedo na Unidade e fotografar algumas das raridades que habitam o local. Fomos acompanhados pelo Lucas, guia local, mediante uma taxa simbólica.   

Thiago Rodrigues, Eu (Silvia Faustino Linhares) e Emerson Kaseker

A gestão do Sr. Gaspar Alencar está de parabéns. Mas ele foi além. O Lucas, que por acaso é seu filho, vem realizando um projeto de observação de aves com crianças e jovens da comunidade local. Ele treinou o Peterson, que eu tive a felicidade de encontrar nas trilhas com seus "discípulos". 

Emerson, eu no meio, ao meu lado de boné o Lucas e do outro lado o Peterson

Óbvio que isso me emocionou mais do que encontrar e fotografar o “grilinho-de-caxias” (nova espécie de ave que ainda está em estudo). É esse tipo de trabalho que me faz acreditar que as futuras gerações tem salvação. O Peterson veio nos mostrar com sua pequeníssima compacta uns passarinhos que ele clicou. Ô dó! Não dava prá ver nada. Mas isso me encantou. A admiração pelo nosso equipamento, vestimenta, etc fez os olhinhos das crianças brilharem e os meus se encherem de lágrimas. Saímos de lá com uma promessa, encaminhar guias de campo para que essa turminha se apaixone cada vez mais pelos penosinhos, evitando que no futuro a segunda experiência que tive se repita.


O pequeno "grande observador" de 5 anos

A segunda experiência foi amarga. Doeu muito. Thiago, nosso guia, nos levou em um sítio em Arari/MA, onde tem uma vasta extensão de plantação de arroz. Além de aves como sanãs, jaçanãs e saracuras, o local é habitat de inúmeros papa-capins, entre eles o caboclinho-lindo (Sporophila minuta) que não tive a felicidade de apreciar. 

Voltando de Caxias, passamos novamente no arrozal. Para nossa surpresa (desta vez muito negativa), dois rapazes montavam, na cara dura, uma rede de neblina para aprisionar os papa-capins. Enquanto eles se afastavam para tocar os papa-capins para a rede, o Thiago ia lá e espantava os bichinhos próximos à rede. Eles passaram por nós, xingando muito, dizendo que iam lá dar uma “bifa” no Thiago. Mediante isso, o Emerson foi no encalço deles e eles se intimidaram e não falaram nada com o Thiago. 

Numa situação dessa resta pouco a fazer. Eles são moradores dos arredores, se engrossássemos, eles poderiam colocar em risco futuros clientes do Thiago, pois poderiam ao invés de armar a rede, armar uma emboscada.






Thiago ao fundo tentando espantar os caboclinhos, baianos e outros papa-capins

Difícil explicar isso pra uns marmanjos desses, e pior, pensei em denunciar para o IBAMA com as fotos que tirei, mas será que resolve? Nem bandido de verdade vai pra cadeia...que dirá umas pestes dessas...Thiago ainda nos contou que os moradores caçam as sanãs e saracuras com varas para comer. Disse que eles enchem um saco com 20 a 30 dos bichinhos mortos.

Fiquei matutando com a situação e tentando imaginar o que estaria passando na cabeça dos dois meliantes. Saber que estão fazendo coisa errada, eles sabem, mas não tem medo. Estão certos da impunidade.  

Consciência ecológica e ambiental? Nenhuma! Eles tinha mais jeito de analfabetos funcionais. Os bichinhos estão ali dando sopa e de graça. Eles veem nisso uma forma de tirar uns trocados. É nisso que pensam, e com o dinheiro comprar algum objeto de desejo (talvez um celular, uma roupa ou tênis moderninho), ou quem sabe até ajudar a família de 10, 20, 30 sabe-se lá quantos irmãos. Condená-los por pensar assim? Como mudar essas cabeças ? É ruim, heim! A questão é cultural.

O problema está na falta de estrutura da educação no país. É preciso fazer muito em matéria educacional para se mudar uma cultura. Ela não é estática, só está estagnada e precisa evoluir. Enfim, depois dessa reflexão, minha raiva passou para o receptador dos papa-capins, esse sim, é o pior de todos, incentiva a criminalidade e age na certeza da impunidade.

Ah! Fomos no local no dia seguinte e tinha apenas alguns poucos papa-capins, ou eles levaram “trucentos” ou os bichinhos sumiram de lá tão acuados que ficaram.

Enfim, nunca me senti tão impotente. Mas é baseada na experiência da Flona de Palmares que sinto poder mudar algo. A partir de hoje, juntarei coisas aqui em casa e arrecadarei guias de campo, binóculos usados, cadernetas, camisetas e quem sabe câmeras para enviar para os meus pequenos heróis do Piauí e de outros cantos. O Thiago também se comprometeu de guiá-los pra poder ensinar um pouco do que sabe. Eu gostaria de ver mais guias e pessoas fazendo isso.

É só uma sementinha. Mas é assim que mudaremos o mundo. Pelo menos o mundo que amamos, nossos penosinhos!


4 comentários:

  1. Belo texto. Ainda bem que existem pessoas como você e seus amigos de passarinhada, para ajudar.

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  2. Sugiro você conhecer a experiencia da Floresta Nacional de Carajás ;)

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  3. Parabens Silvia , o futuro da observação de aves está nas novas gerações.
    Por outro lado , infelizmente os caçadores sempre irão existir por ganância e exemplo das gerações passadas.Mas temos de continuar fazendo nossa parte , apesar dos contratempos.

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  4. Silvia, você colocou a coisa de modo preciso. Nâo é apenas um problema de educação, mas também cultural, e até de mera sobrevivência para famílias que vivem longe de recursos. Para nós, que vivemos perto dos grandes centros, manter o meio ambiente intacto parece algo simples, mas para o povo que vive tão longe de tudo, e pior, assite TV e novelas mostrando todos os objetos de consumo manufaturados pelo sistema industrial, a história é bem diferente. Difícil solução para esse problema. Apenas educação não irá resolver. Também mudança de padrões culturais e melhorias de atendimentos básicos para essas populações teriam de ser providenciados. Mas por quem? Ou ainda, cadeia para punir? Não vejo solução, infelizmente.

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